Nestlé investe R$ 1,2 bi na América Latina em produtos, serviços e cafeteria, sendo metade no Brasil

Aposta é o consumo fora de casa, cuja área de negócios já responde por 10% do faturamento total da empresa na América Latina e 8% no Brasil

Foto do author Márcia De Chiara

A multinacional suíça Nestlé, que faturou no passado 11,9 bilhões de francos suíços na América Latina, o equivalente a R$ 77 bilhões, está turbinando um modelo de negócio que já tem há 30 anos, mas que vem ganhando relevância. É o consumo de seus produtos fora da casa, em bares, restaurantes, hotéis, padarias, confeitarias, entre outros estabelecimentos.

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Diante das negociações apertadas entre fabricantes de alimentos e atacarejos, que ganham cada vez mais importância no abastecimento e demandam preços menores, o canal do foodservice acaba sendo uma alternativa para a indústria ampliar margens de comercialização.

Esse modelo de negócio é como se fosse uma “startup” dentro da companhia, compara a brasileira Lilian Miranda, primeira mulher a comandar da Suíça a Nestlé Professional para América Latina. De passagem pelo Brasil na semana passada, a executiva disse ao Estadão que os investimentos da multinacional para este segmento na América Latina vão somar R$ 1,2 bilhão neste ano, 15% a mais do que em 2024. O Brasil vai absorver a metade desta cifra.

Lilian Miranda, Head da Nestlé Professional para a América Latina, compara a área de negócios a uma 'startup' dentro da gigante suíça Foto: Felipe Rau/Estadão

O consumo fora do lar dos produtos da Nestlé vai além dos produtos em si, abrangendo uma gama de serviços. A empresa conta com uma equipe de chefs para criar receitas exclusivas com o selo de suas marcas, oferece treinamento especializado para profissionais como baristas e investe no desenvolvimento, locação e monitoramento das máquinas de Nescafé, utilizando inteligência artificial para otimizar seu desempenho. A marca, que era sinônimo de café solúvel, agora virou café tradicional, torrado e moído, inclusive com cafeterias em aeroportos brasileiros.

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Depois da paradeira de bares e restaurantes que houve na pandemia, o consumo de alimentos fora do lar ganhou impulso e vem crescendo a um ritmo de duplo dígito nos negócios da Nestlé. “No Brasil, esse negócio dobrou de tamanho desde 2019”, afirma Lilian. Hoje responde por 8% do faturamento total da empresa no País − cuja cifra não é revelada − e 10% das vendas totais da América Latina.

Segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de Alimentação (Abia), o consumo de alimentos fora de casa, também conhecido como foodservice, respondeu por 24% do faturamento do setor no ano passado. “Se o foodservice representa 8% das vendas da Nestlé no Brasil, há muito espaço para a companhia crescer e se equiparar à média do setor”, avalia Cristina Souza, CEO da Gouvêa Foodservice Consultoria.

Diante do momento atual, de forte pressão enfrentada pelas indústrias de alimentos nas negociações com o varejo por causa do avanço dos atacarejos que brigam cada vez mais por preços menores, a investida de fabricantes, como a Nestlé, no canal de foodservice é muito oportuna, na opinião da consultora. “É uma alternativa da indústria para ampliar a margem de venda e não ficar dependente de um único canal”, diz Cristina.

Potencial

O potencial de mercado do consumo fora de casa, normalmente maior em economias desenvolvidas, é muito grande no Brasil, na avaliação da executiva da Nestlé. Isso justifica o fato de a metade dos investimentos no negócio na América Latina estar direcionada para o País.

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Enquanto nos Estados Unidos, por exemplo, 55% do consumo de alimentos e bebidas ocorre fora de casa, no Brasil essa parcela é bem menor, 30%. A perspectiva, na visão de Lilian, é de que nos próximos 20 anos, a fatia do consumo fora de casa atinja 50% no mercado brasileiro.

Do ponto de vista da empresa, a oportunidade para ampliar a venda de produtos consumidos fora do lar também é muito grande. “No Brasil, há ainda muita coisa que se está consumindo fora de casa, mas não se sabe o que se está consumindo” observa a executiva, fazendo referência à qualidade dos ingredientes.

Ela conta que a empresa tem cerca de 30% de itens consumidos dentro de casa que poderão engrossar, no futuro, a lista de marcas vendidas em bares, restaurantes, padarias, lanchonetes, cafeterias, confeitarias, por exemplo. Nesse rol, estão todas as marcas de chocolate.

‘Feito com’

Um dos caminhos usados para turbinar a venda de itens fora de casa é o selo “feito com”. A ideia nasceu no mercado brasileiro e acabou sendo implementada em outros países onde a empresa atua. Consiste em fechar parcerias com estabelecimentos comerciais de alimentação, indicando, por meio de um selo, que aquele bolo ou sobremesa, por exemplo, foi feito usando leite Ninho ou leite Moça.

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Essa parceria, cria a fidelidade do consumidor ao estabelecimento, num cenário de grande concorrência no mercado de consumo fora de casa. Segundo Lilian, o consumidor chega a desembolsar entre 30% e 40% mais pelo prato por conta do selo atestando o uso dos ingredientes certificados. A fabricante, por sua vez, ganha com a concessão do selo e com a venda do ingrediente.

Cristina, da Gouvêa Foodservice, observa que, pela primeira vez no ano passado, as mulheres foram responsáveis por mais da metade (51%) do consumo de alimentos e bebidas fora de casa, segundo dados do Instituto Foodservice Brasil. Em 2024, o setor movimentou R$ 221 bilhões.

O fato de as mulheres serem a maioria no consumo fora de casa é favorável à investida da companhia, avalia a consultora. “As mulheres estão mais preocupadas com a qualidade dos alimentos e priorizam o consumo de chocolate e café”, diz. Esses dois produtos são o carro-chefe da Nestlé.

De toda forma, um ponto crítico desse mercado diz respeito ao aumento da inflação, especialmente de alimentos no atual momento. A inflação tira o poder de compra do consumidor. Cristina pondera que, diante da alta de preços, nem sempre o consumidor pode estar disposto a desembolsar de 30% a 40% mais por um bolo que leva o chocolate Kit Kat, por exemplo.

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Café e cacau, a dupla inflacionária

Assim como outras indústrias de alimentação, a companhia enfrenta hoje um cenário apertado de custos. É que as duas matérias-primas mais relevantes para a fabricação de seus produtos, o café e o cacau, tiveram aumentos expressivos de preços em dólar no mercado internacional por conta de redução de oferta. “O cacau, por exemplo, aumentou quatro vezes em comparação com 18 meses atrás”, observa Lilian.

A estratégia adotada pela companhia, segundo a executiva, tem sido a de não repassar integralmente os aumentos de custos para o preço ao consumidor. A alternativa foi avaliar as cadeias para melhorar a eficiência da produção e, assim, compensar aumentos de custos com ganhos de produtividade.

Essa racionalização envolveu, por exemplo, aumento da eficiência na distribuição dos produtos (logística), no uso da energia pelas fábricas, além da redução de margens. “Essa estratégia é um trabalho de uma multidão.”

Há cerca de 16 anos trabalhando na Nestlé, dos quais mais de três na Suíça, após ter dirigido a companhia no Peru e ter morado na Holanda, com passagens por outras empresas do setor de alimentos, como Sara Lee, Parmalat e Bunge, Lilian está otimista com o Brasil. Mas ela notou que os brasileiros estão “ácidos” demais na avaliação do País. “O Brasil não é tão ruim e o que está lá fora não é tão bom quanto parece”, afirma a executiva.

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Ela acredita que todo brasileiro deveria sair do Brasil para valorizar o que é o País, sobretudo os avanços em tecnologia, não apenas na produção de alimentos.

Quanto a inflação, a executiva frisa que essa não é uma preocupação hoje só do Brasil, mas um problema que afeta muitos países, como os Estados Unidos, e a Europa. “A Europa era um continente que nunca tinha tido inflação depois da Segunda Guerra Mundial”, lembra.

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