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Nouriel Roubini: Brasil pode ser uma história de sucesso nos próximos anos

Para economista, ímpeto ‘radical’ e ‘populista’ do presidente Lula será contido pelo Congresso, o empresariado e o mercado

Foto do author Aline Bronzati

Nova York - O economista Nouriel Roubini, que ganhou notoriedade por antever a crise financeira de 2008, vê chances de o Brasil ser uma boa história de sucesso no mundo, já que o “superciclo” de commodities deve continuar na próxima década. Para aproveitar esses ventos favoráveis, ainda que pesem temores de recessão, que foram agravados pela recente turbulência bancária nos Estados Unidos e na Europa, o País deve fazer a lição de casa, isto é, tocar a agenda de reformas que priorizem a estabilidade de políticas macroeconômicas e um maior crescimento à frente.

Quanto ao novo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Roubini vê o ímpeto “populista” e “radical” do petista contido por três forças principais: o Congresso Nacional, o empresariado e o mercado. “O Lula 4, considerando Lula 1 e 2 e Dilma [Rousseff] 3, tem uma retórica que parece muito mais com a Dilma, mas eu penso que será contida por vários fatores”, disse o economista a jornalistas, após falar a CEOs brasileiros em evento organizado pelo Citi, em Nova York, na segunda-feira, 8.

'Reduzir ou desacelerar algumas privatizações pode ser aceitável, revertê-las não é', disse Roubini sobre a Eletrobras Foto: Ruben Sprich/Reuters

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O primeiro fator é o fato de o governo não deter a maioria no Congresso Nacional, o que impede que uma pauta de perfil mais radical avance. Além disso, o setor empresarial brasileiro monitora cada passo da gestão Lula, e o mercado dá o troco quando as coisas não vão bem, isto é, os spreads sobem, a moeda enfraquece e os investidores partem em retirada. Goste ou não, o País estará sujeito à disciplina do mercado, que pode ser colocada à prova ao tomar caminhos que abalem a confiança corporativa ou o crescimento econômico, avaliou o economista.

Nos bastidores do evento promovido pelo Citi, o movimento do governo Lula contrário à privatização da Eletrobras ganhou os holofotes. “Reduzir ou desacelerar algumas privatizações pode ser aceitável, revertê-las não é”, disse Roubini a uma plateia formada por nomes como o presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira Jr., o presidente da Vale, Eduardo Bartolomeo, e o banqueiro Marciano Testa, fundador do Agibank.

De acordo com o diretor de Banco de Investimentos do Citi no Brasil, Eduardo Miras, o tema Eletrobras é um teste importante para o “Brasil que fala que respeita contratos”. “Foi um processo que passou pelo Congresso, foi analisado de cabo a rabo, então, se reverterem isso, eu acho que é ruim”, afirmou.

Apesar disso, o presidente Lula quer ter sucesso em seu novo mandato, segundo Roubini. “Espero que essas três restrições limitem alguns dos excessos do populismo, dado que, na verdade, alguns dos fatores globais vão em favor do Brasil”, avaliou, detalhando suas projeções para a continuidade do superciclo de commodities na próxima década. Ele também rebateu críticas do governo Lula quanto ao Banco Central, defendendo a sua autonomia, o aperto monetário de forma a estabilizar a inflação, e a importância da rigidez fiscal.

“O Brasil é a maior economia da América Latina e pode ser uma boa história de sucesso nos próximos anos, desde que tenha estabilidade de políticas macroeconômicas e não faça coisas que prejudiquem o crescimento potencial”, sugeriu, acrescentando que adora o Brasil e os brasileiros.

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Para o presidente do Citi no Brasil, Marcelo Marangon, 2023 ainda vai ser um ano difícil, de transição no Brasil. “Com a aprovação do novo arcabouço fiscal, eu acho que isso destrava uma agenda bastante positiva”, disse ele. Em evento promovido pelo Citi, na semana passada, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (Progressistas-AL), disse que pretende encaminhar o projeto para aprovação da Casa nas duas próximas semanas e que foram feitas 12 mudanças na relatoria. “Isso é bastante positivo”, avaliou Marangon, citando a expectativa de alinhamento com o Senado para o tema.

Em meio a um público majoritariamente masculino, destaque para a presença da presidente do Citi, Jane Fraser, a primeira mulher a assumir o comando de um grande banco nos Estados. O CEO & Board Lunch é um evento tradicional na agenda do banco americano, realizado em meio à semana do Brasil em Nova York, quando várias agendas disputam o público verde e amarelo que circulam pela Big Apple. “Bem, o mundo é certamente um lugar desafiador no momento, nunca é um momento de tédio”, disse Fraser, que participou pela primeira vez do encontro no posto de banqueira de Wall Street.

China e Índia

Roubini, atualmente professor da Universidade de Nova York, fez o que sabe fazer de melhor: traçou cenários e os riscos para as principais economias na atualidade. Ele acaba de lançar um livro sobre as dez maiores ameaças globais. Para o economista, o mundo atual é “incomum, sem precedentes, inesperado e incerto”. Da plateia, respondeu a questões sobre riscos à hegemonia do dólar, antigo debate do mercado internacional e que foi reacendido pelo presidente Lula em visita à China, e também sobre inteligência artificial.

“Hoje, todo mundo fala de ameaças à hegemonia do dólar, talvez, com razão, e as pessoas estão começando a falar do yuan e de outras moedas de mercados emergentes como uma alternativa ao dólar”, disse o economista. “Se isso vai acontecer ou não, não sabemos, mas, para mim, é um mundo que está mudando”, acrescentou, mencionando ainda a possibilidade de aumento de negócios entre o Brasil e a China, possivelmente em yuan, pelo fato de a ex-presidente Dilma Rousseff ter assumido o posto de chefe do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês), também conhecido como Banco dos Brics.

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Quanto ao mercado de commodities, ele vê uma demanda crescente à frente a despeito da correção recente nos preços do petróleo e do minério de ferro e temores de recessão em economias como os Estados Unidos e países da Europa. Há, sobretudo, bons ventos que sopram da recuperação chinesa, que pode crescer 5% ou mais neste ano, e também da Índia, na sua opinião. “Temos de separar as forças cíclicas das seculares. Há uma certa desaceleração do crescimento econômico nas economias avançadas que pode enfraquecer o crescimento global, mas a boa notícia é que a China está reabrindo e poderá crescer 5% este ano ou mais”, disse Roubini, citando ainda a Índia. “A demanda por uma variedade de commodities vai aumentar”, projetou.

Na visão do economista, o risco de uma recessão global capitaneada pelas economias avançadas depende do que acontecerá com a China e a Índia. Caso o risco de baixa prevaleça no mundo, o mercado de commodities pode sofrer uma correção adicional, avaliou. Mas, por ora, a sua visão é de que esse movimento é “temporário”, considerando “fundamentos massivos” no setor de energia, não apenas demanda para petróleo, mas metais industriais e verdes. “Eu esperaria que esses superciclos permanecessem pelo menos na próxima década. Se houver uma desaceleração cíclica na atividade econômica, é claro que ocorrerá uma correção, mas será temporária”, disse.

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