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‘Ficou clara agora a pouca intenção do governo em conter despesas’, diz ex-secretário do Tesouro

Para Jeferson Bittencourt, discussão sobre mudança na meta fiscal traz risco de maior desidratação da pauta arrecadatória no Congresso; ele também alerta para ‘artifícios’ na política fiscal

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Foto do author Bianca Lima
Atualização:

BRASÍLIA - O ex-secretário do Tesouro Nacional e economista da Asa Investment, Jeferson Bittencourt, avalia que o timing da discussão sobre a mudança na meta de déficit zero de 2024 colocou o governo no “pior dos mundos” e poderá desidratar ainda mais a pauta arrecadatória no Congresso.

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Segundo Bittencourt, ficou clara a pouca intenção do governo de conter despesas. “E ainda minou a tramitação das medidas de aumento de arrecadação que estão em trânsito no Congresso”, afirma. Para o economista, quando o governo dá esse tipo de sinalização, antes mesmo de concluir as votações, “ele próprio gera a desidratação dos textos”. Reverter esse cenário, portanto, exigirá novos esforços de articulação.

O ex-secretário diz que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, acabou “dobrando a aposta” pelo lado da receita ao tentar evitar o abandono completo da meta fiscal, colocada em xeque pelo presidente Lula. O problema, argumenta, é que essa estratégia vem se mostrando insuficiente há meses.

Bittencourt, ex-secretário do Tesouro, alerta para a desidratação da pauta arrecadatória.  Foto: Gabriela Biló/Estadão - 11/6/2021

Para Bittencourt, está claro que o governo quer evitar a todo custo um contingenciamento (bloqueio preventivo de despesas) no ano que vem, já que, além de atrapalhar a agenda de investimentos em ano eleitoral, poderia inviabilizar a abertura de um segundo crédito suplementar previsto no arcabouço, de cerca de R$ 15 bilhões.

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“Esse crédito tem uma peculiaridade: eleva o limite de gasto de maneira permanente. Então, o governo não abriria mão desses R$ 15 bilhões apenas em 2024. Ele teria um limite menor para sempre”, afirma. “Talvez seja por isso que se esteja brigando tanto contra o possível contingenciamento.”

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Como o sr. avalia a possível revisão da meta de déficit zero para 2024?

Havia no mercado uma discussão sobre dois momentos em que isso (mudança da meta fiscal) poderia acontecer, principalmente entre aqueles que já conferiam pouca probabilidade à existência de um contingenciamento. Poderia mudar na LDO, depois de concluída a votação das medidas arrecadatórias, e assim dividiria a responsabilidade com o Congresso. Dizendo: ‘Não consegui porque vocês não deram a arrecadação que eu esperava’. Ou mudaria em março de 2024 (antes do primeiro relatório bimestral de receitas e despesas, quando o governo provavelmente teria de bloquear gastos) e, assim, sustentaria por mais tempo o discurso de meta zero, o que, de certa maneira, até ajudaria o Banco Central a manter a trajetória de corte de juros. Mas, nessa última opção, o ônus ficaria muito mais na conta do Executivo, deixando clara a pouca inclinação para ajuste de despesa.

E não foi uma coisa nem outra…

Essa discussão agora acabou sendo o pior dos mundos (para o governo), porque ficou clara a pouca intenção de conter despesas e ainda minou a tramitação das medidas de aumento de arrecadação que estão em trânsito no Congresso. Quando o governo dá essa sinalização, antes de terminar as votações, ele próprio gera a desidratação dos textos.

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Na avaliação do sr., o governo deveria sustentar a meta de déficit zero por mais tempo?

A questão não é simplesmente sustentar ou não a meta. É importante saber como sustentar. Se a sustentação passa, por exemplo, por mudar a classificação dos encargos dos precatórios, de despesa primária para financeira, aí eu coloco em sérias dúvidas se vale a pena. Nesse caso, prefiro que se revise a meta. Essa é uma preocupação que eu tenho quando se diz que o governo vai sustentar a meta e, para isso, vai procurar novas medidas. Teria ganho se fosse por meio de um ajuste estrutural da política fiscal. Se for por meio de artifícios, aí não vejo ganho nenhum.

Então o sr. vê com preocupação a mudança proposta pelo governo na contabilidade dos precatórios?

Pagar o estoque eu acho absolutamente meritório. Acho que faz todo o sentido. O que vejo como preocupante é essa reclassificação. Porque, se eu mudo a classificação dos encargos, de despesa primária para financeira, eu reduzo permanentemente o nível de despesa primária, o que me facilita o cumprimento da meta. Acho que é uma perda de transparência da política fiscal.

O Copom anuncia hoje a nova taxa de juros e há consenso no mercado de que haverá mais um corte de 0,5 ponto porcentual. De que forma o debate sobre a meta pode afetar o comunicado e as decisões futuras do colegiado?

Acredito que, no comunicado, o Banco Central vai preferir se eximir dessa discussão para evitar colocar lenha na fogueira do fiscal. Porque agora, diferentemente da abordagem desse tema na última reunião (do Copom), que foi lido como uma maneira de o BC ajudar a Fazenda a emplacar as medidas arrecadatórias no Congresso, agora esse mesmo comentário estaria se contrapondo à posição do Presidente da República. Então, acho que o BC vai procurar, dentro do possível, não entrar nesse embate com o presidente na comunicação.

E em relação às próximas decisões?

O Banco Central já sabe que a visão do mercado é a de não cumprimento da meta. Para o ano que vem, o mercado está com déficit na casa de 0,8% do PIB, mas isso com o governo prometendo fazer todos os esforços para entregar déficit zero. Se o governo disser: ‘Vou fazer todos os meus esforços para entregar 0,5% do PIB de déficit’, muito provavelmente o mercado vai revisar para um rombo maior.

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O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, até agora não se posicionou firmemente sobre uma eventual mudança na meta...

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Ele está dobrando a aposta na receita. Ele deu a entender, ou talvez até tenha sinalizado ao presidente, que, se tiver toda a receita de que precisa, não terá de contingenciar (gastos do Orçamento em 2024). O problema é que esse mecanismo, de se buscar todo o ajuste pelo lado da receita, já vem sendo testado desde aquele primeiro anúncio, em janeiro. E a gente está tendo dificuldades nessa tentativa. Tanto das medidas que foram aprovadas, de elas mostrarem a sua capacidade de entregar os resultados, como das medidas ainda em debate conseguirem ser aprovadas com a expectativa de arrecadação que o governo apresentou originalmente.

Ou seja, o pacote arrecadatório está sendo desidratado?

Na questão da subvenção, por exemplo, o governo anunciou que eram R$ 90 bilhões de potencial de arrecadação. Quando veio a Medida Provisória, caiu para R$ 35 bilhões. O projeto dos fundos offshore e exclusivo foi consideravelmente desidratado na aprovação na Câmara, e ainda vai passar pelo Senado. O próprio PL do Carf teve várias desidratações, como a questão da exclusão de multa e juros.

Qual a saída? Cortar gastos?

Nesse cenário, seria importante ter alguma sinalização pelo lado da despesa, já que as medidas de receita estão tendo essa trajetória (de frustração de potencial de arrecadação). E não são uma ou duas, são várias medidas arrecadatórias que estão tendo esse mesmo roteiro. Então, seria preciso mostrar que o governo consegue fazer alguma coisa pelo lado do gasto. E aí nem o Lula nem o Haddad conseguiram mostrar algo nesse sentido.

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Qual medida poderia ser adotada no curto prazo?

Tem um caminho, sem grande ônus, que ajudaria a reverter o sinal que o Lula passou na sexta-feira (ao colocar em dúvida o cumprimento da meta de déficit zero). Seria o governo abrir mão daquele crédito suplementar que está previsto pelo arcabouço para ser feito em maio, com base na expectativa de crescimento da receita em 2024 ante 2023. Esse crédito (diferentemente do crédito baseado no diferencial da inflação, que será aberto em janeiro) ainda não foi incorporado ao Orçamento, e se estima que fique entre R$ 15 bilhões e R$ 16 bilhões. Isso teria sido uma boa sinalização, para mostrar que o governo está disposto a fazer esforços também pelo lado da despesa.

Se o governo tiver de contingenciar gastos no ano que vem, ainda assim poderá abrir esse crédito suplementar em maio?

Seria muito difícil, do ponto de vista técnico, o governo pedir esse crédito se ele estiver com despesa condicionada. Como é que ele vai para o Congresso pedir R$ 15 bilhões a mais de espaço para gastar se ele está contendo a execução das despesas para cumprir a meta? Então, passa a impressão de que o governo está tentando evitar esse contingenciamento, nos primeiros relatórios bimestrais do ano que vem, exatamente para não ter de abrir mão desse crédito suplementar em maio.

Esse crédito não terá efeito apenas em 2024, certo?

Esse crédito suplementar tem uma peculiaridade: ele eleva o limite de gasto de maneira permanente, é incorporado à base de despesa. Então o governo não abriria mão desses R$ 15 bilhões apenas em 2024. Ele teria um limite menor para sempre. Talvez seja por isso que se esteja brigando tanto contra o possível contingenciamento.

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O ministro Haddad vem dando muita ênfase ao projeto da subvenção, aquele que muda a tributação das grandes empresas. Se for aprovado, o texto teria potencial de mudar o cenário fiscal?

O PL da subvenção é, de fato, o maior ganho dentro do pacote de receitas recorrentes apresentado pelo governo, mas não é isso que vai garantir o cumprimento da meta. Até porque a União vai ficar com, mais ou menos, dois terços desse recurso apenas (pois uma parte é dividida com Estados e municípios via fundos de participação). É muito mais importante (em relação a 2024) o governo conseguir arrecadar o que ele se propôs com as renegociações de dívidas no âmbito do Carf, da PGFN e da Receita, porque aí a gente está falando em um volume de R$ 97 bilhões.

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