As interrupções nas cadeias produtivas em todo o mundo decorrentes da pandemia estão provocando uma mudança no modo de organização das multinacionais, que passaram a levar parte de suas fábricas para perto dos mercados consumidores. Diante desse cenário, o México surgiu como um dos principais beneficiários dessa transformação, conhecida como ‘nearshoring’.
Além da proximidade com os Estados Unidos, o país passou a ser um destino potencial de novas unidades fabris por ter um tratado de livre comércio com seu vizinho e com a União Europeia, o que facilita as exportações. É ainda um local de mão de obra barata - cerca de 30% menor do que a chinesa. De acordo com dados apurados pelo escritório mexicano da consultoria Roland Berger, o custo médio por hora da mão de obra no setor industrial no México é de US$ 3,9. Na China, é de US$ 5,6.
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A atratividade mexicana para multinacionais, aliada ao “nearshoring”, despertou o debate entre especialistas de todo o mundo sobre a possibilidade de a economia do país ganhar tração nos próximos anos. Ao lado da Índia e do sudeste asiático, o México poderia ganhar relevância no cenário mundial. Neste mês, o Estadão publica reportagens que discutem a capacidade de esses países se tornarem protagonistas globais.
No caso do mexicano, é alta a expectativa para a instalação de novas empresas e suas linhas de produção no país, que poderiam impulsionar a economia. O Morgan Stanley calcula que os investimentos podem chegar a US$ 46 bilhões até 2027. Neste ano, empresas como Tesla e BMW já anunciaram investimentos de, respectivamente, US$ 5 bilhões e € 800 milhões.
A diretora da Associação Mexicana de Parques Industriais Privados (Ampip), Claudia Esteves Cano, afirma que já é possível perceber sinais dessa onda de investimentos. A ocupação de parques fabris por empresas que se instalam no México para vender para os EUA passou de 350 mil metros quadrados em 2019 para 1,4 milhão em 2022.
Muitas dessas companhias são chinesas, segundo Claudia, e começaram a chegar ao México primeiro por causa da guerra comercial entre Pequim e Washington e, agora, devido ao “nearshoring”. “Essas empresas não se interessam pelo mercado mexicano e mudam suas produções para cá para vender para os EUA”, diz Claudia.
De acordo com ela, 50 parques fabris estão em construção no país, um número recorde. Normalmente, seriam de 10 a 15. Das empresas estrangeiras que procuram a Ampip com interesse em se instalar no México, 43% são chineses e 20% coreanas. Grande parte delas atua em setores como eletrodoméstico, eletrônicos e, principalmente, automotivo.
O economista Jesús Carrillo, diretor do Instituto Mexicano para la Competitividad (IMCO) destaca que, apesar dos anúncios de futuros investimentos, faltam evidências de que o “nearshoring” já está se concretizando. “Há uma noção de que algo vai acontecer. Ainda não sabemos quando. Percebemos que há pouco espaço para a construção de fábricas em cidades como Tijuana, Ciudad Juarez ou Chihuahua (no norte do país), mas, por ora, as reação são otimistas demais para o que temos de concreto.”
Carrilo lembra que o investimento estrangeiro direto no México cresceu 14% no ano passado. O economista diz que o aumento pode ser considerado “bom”, mas que a maior parte dos aportes foi feita por empresas que já atuavam no país.
O economista Víctor Gómez Ayala, professor do Instituto Tecnológico Autónomo de México (ITAM), no entanto, diz que há mais um indício de que a economia começa a se movimentar para receber novas empresas: o setor da construção civil registrou alta de 18% em maio na comparação com o mesmo mês de 2022. “Nos EUA, também há um crescimento significativo em infraestrutura de manufaturas. As duas economias estão muito conectadas. Então está havendo aumento de capacidade produtiva aqui também.”
Qual o potencial de crescimento do país com o ‘nearshoring’?
Se realmente se concretizar, a onda de investimentos não transformará o México em uma “nova China”, destacam os economistas, mas abrirá uma oportunidade para a economia avançar em um ritmo mais acelerado do que vinha apresentando. Segundo projeções do Morgan Stanley, as exportações fabris anuais do país para os EUA podem aumentar de US$ 455 bilhões para US$ 609 bilhões nos próximos cinco anos. Isso faria com que o crescimento do PIB anual chegasse a 3% entre 2025 e 2027- antes, o estimado era 1,9%.
O economista Mauricio Nakahodo, do Banco MUFG Brasil, tem uma estimativa semelhante. Ele afirma que, com o “nearshoring”, um crescimento ao redor de 3% ao ano poderá ser sustentado.
Uma das vantagens do México é o fato de o país não apresentar desequilíbrios macroeconômicos - ao contrário da maioria dos países da América Latina. A Colômbia e o Chile, por exemplo, têm déficits elevados em conta corrente. No Brasil, há uma dúvida em relação ao comportamento da dívida pública no médio e longo prazo.
“É uma economia redondinha”, afirma Alberto Ramos, diretor de pesquisas macroeconômicas para América Latina do Goldman Sachs. “O país não tem problema de conta corrente, tem reservas, a política monetária tem credibilidade, a política fiscal não é um problema, e a dívida pública como proporção do PIB está estável.”
No comando do país, Andrés Manuel López Obrador (conhecido como AMLO) é considerado um político pragmático na condução da economia. “É um populista que não gosta de gastar. É quase uma contradição”, afirma Ramos.
No início do seu mandato, AMLO assustou os investidores com intervenções setoriais na economia. Antes de tomar posse, decidiu cancelar a construção de um aeroporto de US$ 13 bilhões na cidade de Texcoco, que serviria à capital Cidade do México - a obra já estava em andamento. Ele optou por ampliar o aeroporto militar de Santa Lucía e reformar o atual terminal da capital do país.
A sinalização de AMLO indicou que o país poderia enfrentar uma guinada econômica importante. Na gestão anterior a dele, o governo de Enrique Peña Nieto havia adotado uma série de medidas liberais na economia, em uma tentativa de acelerar o crescimento do país. O governo mexicano da época abriu o setor de óleo e gás e promoveu reformas na educação, por exemplo, no que ficou conhecido como Pacto pelo México.
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“Se dizia que era o momento mexicano, mas não aconteceu nada de muito expressivo”, diz Ramos, do Goldman Sachs.
Agora, economistas voltam a afirmar que este pode ser o momento mexicano. Mas aproveitar todo o potencial que o ‘nearshoring’ traz ainda dependerá de medidas que o governo precisa adotar.
Para receber novas indústrias, o país precisa melhorar e ampliar sua infraestrutura logística e energética, além da disponibilidade de água. “No caso de aeroportos, estradas e linhas férreas, é preciso modernização e expansão. Já no de energia elétrica, o que temos é suficiente hoje. Mas logo podemos ter problemas se a demanda crescer”, diz Carrillo, do Instituto Mexicano para la Competitividad (IMCO).
Na análise de Carrillo, o governo AMLO está atento à oportunidade que tem. Apesar disso, não age na velocidade necessária para ampliar a infraestrutura que deverá ser demandada. Por enquanto, os governos regionais têm sido mais eficientes. O de Querétaro, no centro do país, por exemplo, modificou a lei para que seja possível o Estado se endividar para bancar a ampliação da estrutura energética.
Para Nakahodo, do MUFG, AMLO precisa aumentar em três ou quatro vezes o total investido em infraestrutura. Hoje, esse valor fica em apenas 1% do PIB.
Qual o tamanho da economia mexicana hoje?
Para 2023, o Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que o Produto Interno Bruto (PIB) do país deve avançar 2,6%.
O México deve encerrar este ano como a 14ª quarta maior economia global. Em 2024, deve subir para 13º lugar. “Essa melhora tem a ver mais com o demérito de outros países”, afirma Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating. “No ano passado, o México ultrapassou a Espanha, que é um país com problemas severos de crescimento econômico, tem uma população envelhecida.”
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