RIO - Após meses de turbulência devido ao processo de escolha do novo presidente, em paralelo à desvalorização do minério de ferro e de suas ações, a Vale vive agora um momento auspicioso. O anúncio de medidas de incentivo na China levou à alta da commodity e à valorização dos papéis, ao mesmo tempo em que o mercado vê com otimismo a chegada do economista Gustavo Pimenta, vice-presidente de Finanças e Relações com Investidores, à liderança da companhia. O executivo assume o posto nesta terça-feira, 1º de outubro.
Na semana passada, a mineradora disparou 11,5% em virtude do anúncio de um pacote de estímulos da China, maior comprador de minério de ferro da brasileira, embora ainda acumule desvalorização de 10% no ano.
No cenário interno, o otimismo com a Vale vai muito além da retomada das ações. Analistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast apostam na capacidade de Gustavo Pimenta de desatar os nós nas relações com Brasília e com os governos do Pará, Minas Gerais e Espírito Santo. Conforme informações de bastidores, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ficou satisfeito com a escolha do executivo para liderar a Vale, embora não tenha se furtado de manter as críticas à companhia.
Nos bastidores, as expectativas são de que Pimenta tenha um encontro com Lula, após uma série de autoridades, como o ministro dos Transportes, Renan Filho, e os governadores do Pará, Helder Barbalho, e do Espírito Santo, Renato Casagrande, dois Estados onde a mineradora tem operações.
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Com o governo federal, o executivo deve renegociar a renovação das outorgas das estradas de ferro Carajás e Vitória-Minas, operadas pela companhia. Durante a gestão Bolsonaro, foi negociada a renovação antecipada, mas o governo Lula não concorda com os valores, questionando o abatimento de ativos não amortizados no valor pago à União. Assim, cobrou da mineradora uma fatura de R$ 25,7 bilhões.
Inicialmente, a Vale ofereceu R$ 16 bilhões. Mas, em entrevista recente, Renan Filho afirmou que a mineradora fez uma proposta “bem próxima de R$ 20 bilhões”. Disse também que se reuniu recentemente com Gustavo Pimenta e indicou que o governo esperaria a posse do executivo como presidente da Vale para fechar o acordo.
Por sua vez, as negociações sobre a compensação pelo desastre de Mariana envolvem mais atores: além do governo federal e dos governos de Minas Gerais e Espírito Santo, o Ministério Público Federal e Ministérios Públicos dos Estados, entre outros entes públicos.
O governo federal comanda as conversas, e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, indicou que o acordo está próximo, afirmando que está discutindo com as mineradoras o prazo de pagamento da indenização, de R$ 167 bilhões. Pimenta já está engajado nas negociações, e as expectativas, nos bastidores, são de que o acordo saia ainda em outubro.
O novo presidente também tem pela frente o desafio de destravar licenciamentos para manter e aumentar a produção. A companhia enfrenta dificuldades, principalmente, para obter licenças de exploração nas operações da Região Sudeste e licenças relacionadas ao desmonte de cavidades no Pará, estado onde a Vale obtém seu minério mais rico. No início deste ano, chegou a ter suspensas as licenças de duas minas no Pará, de cobre e níquel, por condicionantes socioambientais. As licenças foram retomadas após acordo com a Secretaria de Estado de Meio Ambiente.
Na avaliação do analista Igor Guedes, da Genial Investimentos, Pimenta deve se sair bem no desafio de destravar as licenças, pois tem capacidade maior de interlocução do que Eduardo Bartolomeo, que está deixando a presidência da Vale, inclusive com agências governamentais. “Bartolomeo tinha um estilo mais duro, o que não seria interessante para a companhia.” O diálogo mais fluido é importante para assegurar a expansão da produção, diz o analista, lembrando que recentemente a Vale aumentou o guidance de 310-320 milhões de toneladas para 323-330 milhões de toneladas.
A analista Mary Silva, do Banco do Brasil, também ressaltou, em nota, que Pimenta indicou que vai se dedicar a melhorar a questão de licenciamento — ponto relevante para a expansão planejada pela companhia para os próximos anos. “Estamos otimistas.”
O Goldman Sachs também afirmou, em boletim, a capacidade de Pimenta de “navegar” no diálogo com o governo brasileiro. Para o banco, o fato de ser um “nome interno” seria alinhando com a maioria dos stakeholders e traria continuidade à estratégia de Bartolomeo, que assumiu em 2019, após o acidente de Brumadinho, e se focou em segurança e estabilidade operacional, enquanto preparava a Vale para o futuro com o desenvolvimento de metais verdes e soluções de minério de baixo carbono.
Analistas do Goldman Sachs, Marcio Farid, Gabriel Simões e Henrique Marques avaliam que o desafio da Vale será a melhora operacional contínua em diferentes frentes, incluindo soluções para a significativa depleção (redução das reservas nas minas) e questões regulatórias no Norte. Além disso, será preciso buscar caminhos para dar melhor eficiência a ativos subutilizados no Sudeste.
Analista da Empiricus Research, Ruy Hungria ressalta como ponto positivo o fato de que Pimenta está totalmente por dentro de todos os desafios que a mineradora tem pela frente.
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