Quando era recém-formado pela Academia da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, em 1983, o mineiro Ângelo Rabelo foi enviado ao Pantanal para atuar em um grupo de operação especial de combate ao tráfico de couro de jacarés e pesca predatória. A caça, ilegal no País desde 1967, tinha voltado com força à região na década 1980.
Em uma das operações, Rabelo, então com 24 anos, foi atingido por um tiro no ombro, disparado por um integrante de um grupo de traficantes de peles de jacarés.
O bando atuava na região de Corumbá (MS) e ameaçava a população ribeirinha para evitar denúncias. O piloto do barco onde estava Rabelo foi atingido na testa e morreu na hora.
Rabelo foi socorrido no meio da mata com forte hemorragia. Sua equipe precisou acender tochas para sinalizar uma pista de pouso para um helicóptero resgatá-lo no meio da noite e levá-lo a um hospital em Campo Grande.
O braço direito perdeu os movimentos, e ele foi se tratar no Hospital do Servidor Público, em São Paulo, onde permaneceu por dois anos, passou por dez cirurgias e recuperou parte dos movimentos.
Ao retornar a Corumbá, o comando militar queria aposentá-lo, mas Rabelo insistiu em seguir carreira – era canhoto e provou ser capaz de manusear armas. “Foram quase dez anos de guerrilha”, lembra ele. “Em 1991, ocorreu a última troca de tiros com os traficantes, e a caça ilegal foi finalmente extinta na região.”
Nesse período, milhares de animais foram mortos para abastecer especialmente o mercado europeu de casacos e calçados. “Quase 5 milhões de jacarés, 2 mil onças-pintadas e 3 mil araras azuis e vermelhas saíram do Pantanal para atender à demanda da moda na Europa”, afirma Rabelo.
Quando se aposentou, entendeu que seu trabalho ainda não tinha acabado. Em 2002, fundou o Instituto Homem Pantaneiro (IHP), organização da sociedade civil que hoje é referência na conservação de uma área de 300 mil hectares na Serra do Amolar, no Pantanal mato-grossense, a mais preservada do bioma.
Em 2008, foi criada a Rede Amolar, parceria do IHP com organizações donas de terras e instituições envolvidas com o trabalho de conservação da natureza em Mato Grosso do Sul e Mato Grosso.
O instituto atua em várias frentes, desde o monitoramento ambiental, pesquisas científicas, preservação de nascentes, de animais silvestres – em especial a onça-pintada –, até o ecoturismo sustentável e programas socioeducacionais.
Fogo
No incêndio de 2020 que atingiu 90% da Serra do Amolar, o IHP criou uma brigada formada por pantaneiros que conheciam a região e que teve importante papel no combate ao fogo, no resgate de animais e de moradores.
Aos 62 anos, Rabelo, que recebeu o título de coronel em reconhecimento aos serviços prestados, é onipresente em todas as ações do instituto e incansável batalhador de parcerias com as iniciativas pública e privada para manter os projetos do IHP, que consomem em média R$ 1,5 milhão por ano.
Agora, o instituto se prepara para iniciar a venda de créditos de carbono “baseado na onça-pintada e no desmatamento evitado”, explica ele, que na segunda-feira participou do Jaguar Parade em São Paulo.
Trata-se de um movimento em que artistas de todo o País customizaram esculturas de onças. O objetivo é conscientizar as pessoas sobre a urgência de conservar a onça-pintada e seu hábitat. Após um período de exposição em São Paulo, as esculturas foram enviadas ontem para Nova York, onde serão leiloadas. O valor será revertido para entidades que atuam na proteção do felino.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.