“A tese é interessante, mas não use a palavra ‘plataforma’ no título. Ninguém sabe o que significa.” Foi esse o comentário que um professor do MIT fez em 2000, depois de ler a dissertação de Annabelle Gawer, atualmente codiretora do Centro de Economia Digital da Universidade de Surrey. Annabelle ignorou a recomendação e manteve o título do trabalho.
Se alguém se inclinasse a desaconselhar o uso do termo hoje, faria isso pelo motivo inverso: está muito batido. Há uma montanha de artigos acadêmicos sobre o tema. E os livros também proliferam: depois de Plataform Revolution (Revolução das Plataformas), publicado em março, este mês será lançado Matchmakers: The New Economics of Multisided Platforms (algo como Emparelhadores: a Nova Economia das Plataformas Multifacetadas). São raras as startups que não querem ser uma plataforma. Um número crescente de empresas tradicionais também tenta construir plataformas.
Apesar disso, o senão levantado pelo professor não perdeu sua validade: ainda hoje reina a confusão sobre o que exatamente são as plataformas. E isso acaba ocultando o fato de que elas não servem para todo o mundo.
Numa definição abrangente, as plataformas são um tipo de mercado, onde indivíduos e empresas fazem negócios, respeitando regras estabelecidas pelo proprietário ou operador do “entreposto”. Entre as primeiras praças de comércio desse tipo estão os empórios da Grécia antiga, que eram locais específicos, situados nas proximidades das docas, onde os comerciantes podiam trocar mercadorias.
Mais recentemente, com a ascensão do universo digital e da internet, surgiu um novo tipo de plataforma, em que as características de mercado se combinam com as de base compartilhada. Um exemplo são os sistemas operacionais, como o Windows, no caso dos PCs, e o Android, no dos smartphones. Esses programas fornecem serviços básicos, necessários ao uso de aplicativos desenvolvidos por outras empresas. Outra versão são os sites de comércio eletrônico, como Amazon e eBay, que conectam vendedores e compradores. Também as redes sociais são plataformas.
Essas plataformas modernas têm três coisas em comum. São multifacetadas, isto é, atendem a mais de um grupo de clientes. Apresentam fortes efeitos de rede: o número crescente de um tipo de cliente atrai mais clientes de outro tipo, os quais, por sua vez, atraem mais clientes do primeiro tipo e assim por diante. E são controladas por uma empresa, que dita os termos de troca, estabelecendo, por exemplo, que tipo de negócio pode ser feito na sua propriedade digital e o que os participantes pagarão por tal privilégio.
Essas características possibilitaram que algumas empresas – em sua vasta maioria americanas – criassem empórios digitais globais, que acabaram por dominar o setor de tecnologia. No fim de 2015, segundo o Centre for Global Enterprise, só as 44 empresas-plataforma do Vale do Silício ostentavam uma capitalização de mercado de US$ 2,2 trilhões. O iPhone da Apple é o melhor exemplo de como se deve gerir uma plataforma: qualquer um pode desenvolver um aplicativo para o smartphone, mas tem de passar por testes, e a empresa fica com 30% das vendas.
Um erro de cálculo no valor a cobrar de algum grupo de cliente pode pôr tudo a perder
Agora, com o advento da internet das coisas, em que tudo está cada vez mais conectado, das escovas de dentes aos tratores, o fenômeno começa a chegar a outros setores. Nesse caso, trata-se de reunir montanhas de dados, analisá-los e oferecer os resultados, viabilizando a comercialização de ampla gama de serviços digitais. Um exemplo desse tipo de plataforma de dados é a Nest, subsidiária da controladora do Google, Alphabet. A empresa vende dispositivos residenciais, como termostatos e detectores de fumaça wireless, que fazem jornada dupla, não apenas desempenhando suas funções tradicionais, como coletando informações, com base nas quais a companhia pode oferecer serviços personalizados de energia e segurança.
A tendência é motivo de apreensão nos grupos em que a tecnologia não é o cerne do negócio. O receio é que, se empresas como Apple e Google controlarem as plataformas de dados, esses novos intermediários ficarão com fatia considerável dos lucros. A consequência é uma corrida generalizada para desenvolver ou adquirir sistemas desse tipo. No ano passado, Audi, BMW e Daimler compraram a Here, uma empresa de mapeamento digital. O conglomerado americano GE está apostando suas fichas no Predix, que ajuda os clientes a melhorar a operação de locomotivas, turbinas aeronáuticas e outros equipamentos.
Muitas outras empresas tradicionais seguirão por esse caminho, assim como milhares de startups. Mas para começar, seria prudente atentar para alguns poréns. Em primeiro lugar, a maioria dos produtos e serviços não tem densidade para dar origem a uma boa plataforma. E mesmo que tenham, nem sempre é uma boa ideia transformá-los em plataforma, diz Annabelle, que, em colaboração com outros autores, prepara um livro para desfazer alguns mitos sobre o conceito. Steve Jobs, por exemplo, relutou muito em abrir para outras empresas a App Store, por medo de perder o controle.
Em segundo lugar, os efeitos de rede com frequência perdem vigor. Num entreposto online, todos os lados precisam ser cultivados com a mesma intensidade, para que não ocorram desequilíbrios, como a existência de mais vendedores que compradores. Durante a bolha pontocom, a maioria das plataformas business-to-business foi por água abaixo porque seus esforços de expansão causaram esse tipo de assimetria. Mesmo empresas que saíram na frente, como a rede social MySpace e a fabricante de celulares Nokia, foram incapazes de dar origem a plataformas suficientemente maduras. As mais bem-sucedidas são produto de circunstâncias específicas e até mesmo de sorte, diz Peter Evans, do CGE. A Amazon, por exemplo, deslanchou em parte porque os clientes de fora do Estado de Washington, onde fica a sede da empresa, estavam isentos do imposto sobre as vendas a varejo.
Em terceiro lugar, nem sempre é fácil ganhar dinheiro com as plataformas. Um erro de cálculo no valor a cobrar de determinado grupo de clientes pode pôr tudo a perder. Além do mais, para uma plataforma render recursos consideráveis é preciso que a mudança para plataformas concorrentes seja custosa, argumenta Andrei Hagiu, da Harvard Business School. Esse é um risco que até mesmo o Uber, o aplicativo de compartilhamento de caronas pagas: tantos passageiros, como motoristas podem facilmente recorrer a outros serviços semelhantes.
Apps do mundo, uni-vos! Provavelmente, levará mais tempo para surgirem plataformas que, além de atuar no universo online, também tenham um pé no mundo físico. Algumas empresas dispõem de saídas: as que possuem produtos excepcionalmente bons e uma marca sólida talvez consigam se manter fora das plataformas de terceiros, ao mesmo tempo que tentam criar as próprias plataformas. Mas a maioria não terá alternativa senão fazer negócios no entreposto digital de outras companhias e, se o proprietário se mostrar muito avarento, o jeito será se mobilizar e lutar por melhores condições. Será o que talvez possa ser chamado de luta de classes do capitalismo de plataforma.
© 2016 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. TRADUZIDO POR ALEXANDRE HUBNER, PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.