O escândalo da Enron - saiba o que está acontecendo

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Por Agencia Estado
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"Nos próximos anos, o escândalo da Enron, e não o 11 de setembro, será visto como o grande divisor de águas na história da sociedade dos Estados Unidos", escreveu o economista Paul Krugman, no jornal The New York Times. Esta previsão começa a tomar corpo à medida que o escândalo estende seus tentáculos entre os setores financeiros e políticos dos Estados Unidos. Gigante do setor elétrico americano, empresa admirada e sétima maior dos Estados Unidos, segundo a revista Fortune, a Enron faliu, levando junto os fundos de pensão de seus funcionários e de outros investidores da mesma categoria, num rombo de, no mínimo, US$ 1,5 bilhão, e arrastando uma dívida de mais de US$ 13 bilhões. Durante anos, diretores da empresa maquiavam os balancetes, enxugavam os prejuízos e inflavam os lucros. A mágica contábil deu certo até o final do ano passado. Rumores persistentes Os rumores sobre as dificuldades da Enron vinham crescendo há meses. Mas o primeiro sinal concreto de que havia algo profundamente errado veio à tona quando a companhia revelou que havia escondido débitos de bilhões de dólares que deveriam aparecer em seu balancete, numa série de parcerias com empresas de fachada dirigidas por seus altos executivos. A Securities and Exchange Commision, a CVM dos EUA, iniciou uma investigação. A Enron foi obrigada a refazer seus balancetes dos últimos cinco anos e admitir que seu lucro, no período, havia sido de US$ 600 milhões, inferior ao originalmente reportado. "Não há nada comparável", disse ao Wall Street Journal Edward Tillingahst, um especialista em falências da Coudert Brothers, em Nova York. "O negócio era tão grande, que há muitos tipos diferentes de entidades operando sob o guarda-chuva da Enron". Conivência da auditoria O final trágico da Enron abalou a confiança do sistema financeiro norte-americano. Segundo o processo movido por ex-acionistas, a Enron escondia os prejuízo e turbinava os lucros com a conivência de quem deveria periciar a saúde contábil da empresa, a auditora Arthur Andersen. A ex-auditora da Enron aprovou a contabilidade fradudenta da empresa e os esquemas ilegais que adotou para esconder prejuízos e, depois, destruiu parte das provas do crime. A quebra do conceito de que a regra do jogo deve ser igual e seguida por todos levou investidores de Wall Street a se mostrarem intolerantes com práticas contábeis ilícitas. Empresas endividas e com um sistema contábil altamente complexo foram as mais afetadas no último mês de operação na bolsa americana. Casa Branca Por outro lado, o escândalo Enron bate à porta da Casa Branca. A proximidade pessoal do presidente George W. Bush e de sua família com Kenneth Lay, o fundador e ex-presidente da Enron, e os vínculos de vários membros do primeiro escalão da atual administração com a companhia texana alimentam, desde o início, especulações sobre o impacto político que a escandalosa bancarrota da empresa poderá ter para o popular Bush. Embora Bush tenha adotado recentemente um tom mais crítico em relação às irregularidades cometidas pela Enron, depois de uma reação inicial defensiva, que incluiu uma tentativa de minimizar suas relações com Lay, o crescente escândalo continua a rondar a Casa Branca. Seu potencial para causar danos a Bush e aos republicanos foi reforçado por dois desdobramentos do caso e pelos resultados de uma pesquisa de opinião. As especulações aumentaram depois que a Casa Branca ordenou uma revisão de todos os contratos em vigor entre as agência federais americanas, por um lado, e a Enron e sua ex-auditora, a Arthur Andersen. As duas companhias têm atualmente cerca de US$ 70 milhões em contratos com diferentes repartições do governo americano. Especulações A iniciativa pode ajudar a Casa Branca a descolar-se do escândalo, especialmente se levar ao cancelamento dos contratos. Mas ela foi anunciada no mesmo dia em que o New York Times informou que, durante a campanha eleitoral do ano 2000, a Enron contratou os serviços de assessoria de Ralph Reed, um dos líderes da direita religiosa americana, para atender ao então estrategista da campanha presidencial de Bush, Karl Rove, hoje o principal assessor de política doméstica da Casa Branca. Segundo o Times, Bush temia que Reed aderisse à campanha de um de seus rivais republicanos e usou a Enron, via Rove, para garantir sua lealdade. Isso é ilegal. Rove e Reed negaram a versão do Times. Perigo maior A curto prazo, o perigo maior para a Casa Branca deriva de sua recusa em divulgar as minutas das reuniões de uma força-tarefa sobre política energética que o vice-presidente Dick Cheney presidiu no ano passado. Vários altos executivos da Enron participaram das discussões do grupo, que resultaram numa proposta de política energética baseada numa forte expansão da produção de gasolina e gás natural (o negócio original da companhia texana). O plano já foi aprovado pela Câmara de Representantes. O General Accounting Office (GAO), agência de investigação do Legislativo que faz a auditoria do governo, deu prazo até esta semana para a Casa Branca entregar-lhe os documentos ou enfrentar um processo judicial sem precedentes. O GAO quer saber a extensão da influência da Enron na formulação da política energética da administração Bush. Risco O risco que o escândalo apresenta para Bush e seus correligionários conservadores foi confirmado por uma pesquisa de opinião divulgada no final de janeiro pelo New York Times. De acordo com a sondagem, mais de 80% dos americanos acham que o colapso da Enron é um assunto de importância nacional. Embora a Enron tenha financiado campanhas tanto de republicanos quanto de democratas, quase a metade das pessoas ouvidas - 45% - disseram, corretamente, que a companhia tinha mais ligações com o Partido Republicano. Apenas 10% identificaram a Enron com os democratas. Segundo a pesquisa, mesmo os eleitores republicanos acham que a administração Bush não está sendo transparente como devia sobre o crescente escândalo. Essa percepção, combinada como os outro dados da sondagem, complicam os planos dos republicanos de manter a apertada maioria que detêm na Câmara de Representantes e retomar o controle do Senado nas eleições legislativas de novembro - uma tarefa que já era tida como improvável pelos especialistas antes mesmo do colapso da Enron. A pesquisa revelou outro dado que não contribui para os cálculos políticos da Casa Branca e dos republicanos: a economia voltou a dominar as preocupações dos norte-americanos, tomando o lugar da guerra contra o terrorismo e da segurança.

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