BRASÍLIA - O empresário Salim Mattar, que deixou o cargo de secretário responsável pela condução das privatizações no Ministério da Economia, diz que a saída de Wilson Ferreira Júnior da Eletrobrás é mais uma amostra de que o establishment (Executivo, Legislativo e Judiciário) trabalha contra a redução do “gigantismo” do Estado. Na visão dele, a sociedade está “consternada” com a não privatização da Eletrobrás, o que vai obrigar que o tema seja discutido no Congresso, independentemente de quem vencer as eleições para os comandos do Senado e da Câmara. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
Como o sr. avalia a saída do presidente da Eletrobrás?
O Wilson (Ferreira Júnior) é um profissional muito competente e tinha como objetivo em sua carreira profissional conduzir o processo de capitalização da Eletrobrás que seria a sua respectiva privatização. Ele trabalhou duro durante todo esse tempo. E existia, sim, no passado, uma perspectiva. Da mesma forma, quando eu vi que o processo de privatização estava fora do radar do governo, Legislativo e Judiciário, eu preferi deixar o governo. O que aconteceu com o Wilson é a mesma coisa. Ele pressentiu tendo em vista a declaração do Pacheco (candidato apoiado pelo Palácio do Planalto ao comando do Senado, Rodrigo Pacheco disse ao Estadão/Broadcast que a privatização da Eletrobrás não é prioridade caso seja eleito) que não acontecerá a privatização da Eletrobrás. Mas não pode culpar o Executivo pela não privatização. A privatização está nas mãos e depende da caneta do Congresso.
Por que depende só do Congressojá que há autoridades no Executivo que não querem apoiar a privatização?
Tem um projeto de lei caminhando no Congresso. Se ele caminhar e privatizar, o Executivo não pode fazer nada. Está na mão do Congresso. A responsabilidade de privatização da Eletrobrás é única e exclusiva do Congresso.
De que forma a eleição dos presidentes da Câmara e do Senado prejudica a privatização da Eletrobrás?
Neste momento em que está acontecendo eleições, objetivando maioria de votos, buscaram o apoio da esquerda. E falando em política, claro que há uma contrapartida. Dizem que uma das contrapartidas seria a não realização de privatizações. Comenta-se muito no mercado, mas não posso afirmar que seja verdade. A responsabilidade de privatizar ou não é única e exclusiva do Congresso.
O presidente Bolsonaro que está apoiando o Pacheco não tem responsabilidade também sobre a decisão?
Aí, não sei o que eles combinaram. É uma coisa que não posso afirmar. Mas reafirmo que a responsabilidade de privatizar ou não é do Congresso. O establishment não quer privatizações. Tudo é motivo para não privatizar. E establishment , vamos deixar bem claro, que é o Executivo, Legislativo e Judiciário, mais os oportunistas de momento. Podem ser sindicatos, pode ser imprensa, falsos empresários atrás de CNPJ.O modus pensante de 35 anos de social democracia é manter o Estado grande, gigantesco. Onde já se viu o Estado entrar em meios de produção, fornecendo energia elétrica, produzir pólvora. É um atraso total.
A pauta liberal do governo fica enfraquecida já que as privatizações são ponto central nessa agenda?
O establishment se assustou com a pauta liberal. Lenta e gradualmente foram se opondo à pauta liberal.
Essa pauta acabou no governo Bolsonaro?
Não, ela ainda existe na cabeça do ministro Paulo Guedes. Existe, sim, a possibilidade (de avançar). Existem congressistas que são mais cuidadosos com a causa pública e entendem que alguns projetos têm que passar para resolver os problemas do País. A pauta liberal como um todo, não morreu. Muitos congressistas sabem da importância, por exemplo, da reforma administrativa (propõe reformular o RH do Estado, com novas regras para contratação, promoção e demissão de servidores públicos). O establishment trabalhou muito bem e ficou uma reforma muito fraca porque muitas coisas como estabilidade de emprego e redução de remuneração só daqui a 35 anos que vai funcionar. O establishment conseguiu se salvar e a sociedade brasileira precisa saber disso.
O ministro Paulo Guedes não conseguiu passar o espírito liberal para o resto do governo e o Congresso?
Na hora que ele vai passar o espírito disso, como a privatização da Eletrobrás, quantas vezes o ministro Guedes foi ao Congresso falar da privatização da empresa? Quantas vezes? Não adiantou. Muitas vezes não querem ouvir. Os interesses ideológicos e partidários pessoais são superiores ao projeto Brasil.
Qual a recomendação que o sr. daria para o ministro Guedes?
Ele está prestando um favor ao Brasil enquanto está lá. Pode estar certo que a gente não sabe o quanto de coisas erradas que ele não permitiu que fizessem. Às vezes ele está sendo julgado por algumas coisas, é difícil fazer esse julgamento. Eu quero lembrar do Mario Henrique Simonsen (ministro da Fazenda durante o governo de Ernesto Geisel, na ditadura, entre 1974 e 1979), quando perguntaram: 'você abriu a tal Brás, Brás, Brás' e ele falou: ‘não me julguem pelo que eu fiz, mas também pelo que eu não deixei que fizessem’. Talvez o Paulo Guedes está nesse momento fazendo um trabalho para não deixar acontecer outras coisas que nós não temos conhecimento.
Sem privatização, qual é o destino da Eletrobrás?
Eu acredito ainda que o Congresso, passando as eleições, haverá uma sensatez e a sociedade civil está consternada com essa não privatização da Eletrobrás. Se os congressistas representam de fato a sociedade, eles devem privatizar a Eletrobrás. Fiquei muito preocupado com a saída do Wilson. Ele era resiliente , obstinado, determinado em relação à privatização. Privatizar a Eletrobrás é bom para o Brasil, reduzir o gigantismo do Estado.
Mas onde você vê a sociedade preocupada com a privatização da Eletrobrás?A população não está preocupada com a vacina contra a covid-19?
Neste momento, a vacina muito nebulosa tampou muito assunto, tampou corrupção, privatização da Eletrobrás. Graças à mídia brasileira temos hoje a manchete diária do sobre vacinas. Nenhum país do mundo tem a vacina tão bem explicitada nas primeiras páginas nos primeiros jornais. O Brasil é campeão mundial de exposição sobre vacinas. Nós politizamos a vacina. E isso foi politizado para prejudicar alguns grupos e favorecer outros.
Não é porque o Brasil ficou para trás na busca pelas vacinas?
Não, tudo é motivo para politizar.
Quais as empresas têm chance de privatização?
O quadro hoje é bastante nebuloso. Por isso, temos que esperar os novos presidentes do Senado e da Câmara. Da mesma forma que o político quando vai emcampanha, faz promessas e obtém votos e depois não cumpre. Esse é o histórico de políticos no Brasil. Durante a campanha, promete. Eleito, não cumpre.
Vai acontecer isso de novo?
Eu acho que no caso da Câmara e do Senado existe uma promessa dos candidatos de não privatizar. Depois que eles forem eleitos, com a pressão da sociedade, esse assunto vai acabar em pauta. Não morreu a pauta de privatizações. O Paulo Guedes continua lutando bravamente para emplacar algumas das pautas liberais.
Mas se, como o sr. diz, o establishment não aceita...
Água mole em pedra dura tanto bate até que fura.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.