‘O governo foi ingênuo de achar que as pessoas não reagiriam à alta de impostos’, diz Duquesa de Tax

Para a advogada tributarista e influenciadora digital Maria Carolina Gontijo, foi principalmente a taxação das blusinhas da China que impulsionou a onda de memes do ministro Fernando Haddad, chamado de ‘Taxad’, nas redes sociais

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Atualização:
Foto: Ayara Mendes/Estadao
Entrevista comMaria Carolina GontijoAdvogada tributarista e sócia da Detax Consultoria

A advogada tributarista Maria Carolina Gontijo, mais conhecida como Duquesa de Tax, de 41 anos, é uma das figuras mais populares das redes sociais quando o que está em pauta são os impostos e a reforma tributária. Com 79,5 mil seguidores no X (antigo Twitter), onde atua com maior frequência, ela ganhou fama traduzindo o cipoal de tributos do País para os mortais e comentando, com fina ironia, as últimas medidas adotadas na área pelo governo.

Nesta entrevista ao Estadão, ela fala sobre a onda de memes a respeito do ministro da Fazenda, Fernando Haddad – chamado de Taxad, por seu insaciável apetite tributário –, que inundou as redes nas últimas semanas. Segundo Maria Carolina, foi principalmente a taxação das blusinhas chinesas, a ser cobrada a partir de 1.º de agosto, que impulsionou a iniciativa. “Todo mundo, em certa medida, se identificou um pouquinho com aquilo e falou ‘realmente, esse pessoal está criando um imposto atrás do outro, qualquer coisa eles estão criando tributação’”, afirma.

Maria Carolina afirma que foi principalmente a taxação das blusinhas importadas da China que alavancou a avalanche de memes do Taxad Foto: Ayara Mendes/Estadao

A Duquesa de Tax analisa também a reação do governo aos memes, as demais medidas tributárias implementadas pelo governo Lula e seu impacto para o consumidor, como a chamada “MP (Medida Provisória) do Fim do Mundo”, que foi devolvida pelo Congresso, os benefícios fiscais concedidos pelo governo a setores específicos da economia e as propostas adicionais que Haddad diz que pretende fazer com o objetivo anunciado de zerar o déficit fiscal de 2025. “Acho difícil ele conseguir aprovar isso. As empresas não aguentam mais novos tributos. Desejo uma ótima sorte a eles.” Confira a seguir os principais trechos da entrevista.

A onda de memes do Taxad virou uma espécie de terapia de grupo

Como a sra. viu a onda de memes sobre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, chamado de Taxad, em razão de seu apetite arrecadatório?

Para quem entendeu como funciona o arcabouço fiscal, eu acredito que não é surpresa que isso esteja acontecendo. No ano passado, quando o governo decidiu que iria fazer o ajuste das contas públicas através do incremento da arrecadação, a gente já sabia que ele teria de ir atrás de novas receitas, que precisaria criar tributos, para manter o equilíbrio fiscal. Talvez tenha sido ingenuidade do governo imaginar que as pessoas não iriam reparar nisso, questionar, ficar revoltadas com esse aumento de tributação promovido no País.

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O que a sra. achou desses memes?

Eu curti para caramba, porque também faço meme nas redes, né? Era um mais engraçado que o outro. Toda vez que chegava um novo meme na minha timeline eu falava, “ah, este é o melhor”. Duas horas depois, eu recebia outro e falava “não, este aqui é o melhor”. Depois vinha um outro e eu dizia “não, este é imbatível”. É uma coisa natural. Todo mundo, em certa medida, se identificou um pouquinho com aquilo e falou “realmente, esse pessoal está criando um imposto atrás do outro, qualquer coisa eles estão criando tributação”.

De qual meme a sra. gostou mais?

Um meme que me pegou muito foi o da “Alíquota no país das má tarifas”. Achei muito elaborado, muito bom. Gostei muito também do “Tá chovendo imposto”. Teve um outro que curti muito que tinha uma foto minha com o rosto do Haddad, feita por inteligência artificial. Achei ótimo! Como eu fico nas redes explicando as questões tributárias, as pessoas às vezes acham que estou defendendo tributação. Não é isso. Eu estou lá explicando, não defendendo, mas muita gente não entende isso. Muitas vezes, aparecem os haters dizendo “ah, ela gosta de imposto, ela gosta de não sei o quê”. Então, fizeram esse meme, que eu achei hilário, dei risada para caramba. Até compartilhei. Se alguém fez esse meme para me deixar com raiva, não funcionou. A gente tem de ter a capacidade de rir de si mesmo. Tem de dar risada disso aí. Meme foi feito para isso.

Na sua opinião, o que alavancou essa avalanche de memes?

Eu acredito que foi a tributação das importações, das blusinhas da China. Porque aquelas pessoas que compram alguma coisinha da China são as mesmas que fazem os memes. Esse é um tributo que pega muito quem está na internet. Essas pessoas têm mais facilidade com o mundo digital e por isso acabam importando mais mercadorias por meio de sites chineses. Aí, no fim de junho, quando saiu a notícia de que a partir de 1.º de agosto as comprinhas seriam tributadas de tal forma, os memes, muitos dos quais já existiam por aí, se multiplicaram – e todo mundo se identificou com isso. Virou uma espécie de terapia de grupo.

A tributação das blusinhas é uma aula para todo mundo, porque demonstra como as pessoas agem quando sabem quanto pagam de imposto

Quando essa discussão sobre a tributação das blusinhas começou, no início do ano passado, muitos apoiadores do governo falaram que isso era “fake news”. A própria primeira-dama Janja da Silva fez uma publicação nas redes dizendo que não era o consumidor que iria pagar a tributação e sim as empresas, gerando uma reação muito negativa nas redes sociais. O que a sra. achou desse post da Janja?

Naquela época, o assunto da tributação das blusinhas estava pegando fogo nas redes. Aí a primeira-dama viu aquilo, ficou muito preocupada, porque é um tema caro à base de apoio digital do governo, aos perfis que apoiam o governo, e resolveu entrar diretamente na conversa, falando “não, veja bem, a tributação é para as empresas”. Só que isso acabou tendo um efeito contrário ao que provavelmente era sua intenção. No fim das contas, foi uma coisa triste, mas eu achei ótimo, porque as pessoas começaram a ter essa ideia de que quem paga a tributação é o consumidor.

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Por que, na sua visão, a discussão sobre a tributação das blusinhas gerou esse movimento todo?

Eu costumo dizer que, quando a gente fala de simplificação tributária, a questão da tributação das importações é uma aula para todo mundo, porque demonstra como as pessoas agem quando sabem quanto estão pagando de imposto. A partir do momento que as pessoas sabem quanto pagam, elas se organizam na internet, fazem barulho. Tanto que o governo ficou um ano e meio para conseguir aprovar isso. Só agora ele conseguiu, mas com uma tributação bem mais baixa do que pretendia. Era para ser de 60%, passou para 20% até “X” dólares e depois, para valores maiores, há uma tabela progressiva de tributação. Se as pessoas não soubessem quanto iriam pagar, os 60% teriam passado. Mas como que elas sabem que estão pagando o valor descrito na nota de compra, ficaram revoltadas. Isso, para mim foi uma aula do que a simplificação e a transparência podem fazer pela sociedade quando a gente sabe quanto paga de imposto.

Muitos empresários, como a Luiza Trajano, do Magazine Luiza, que foi uma das maiores defensoras da taxação das blusinhas, apoiaram a medida, dizendo que as importações da China representavam uma “concorrência desleal” para as empresas brasileiras. Só que recentemente ela anunciou, para surpresa de muita gente, a formação de uma parceria com a AliExpress, que é uma das maiores plataformas de venda de produtos chineses pela internet. Qual a sua avaliação dessa história?

Era óbvio que isso iria acontecer. Eu sempre falo que a gente não tem de nivelar por baixo. O empresário brasileiro tinha de brigar para ter melhores condições de competir internacionalmente. “Ah, mas nós temos de discutir a questão das práticas comerciais pouco ortodoxas da China”. Ok. Esta questão também deve ter o seu lugar nessa discussão. Mas não é piorando para o consumidor que eu vou conseguir ficar competitivo. É muita inocência você pensar que colocando uma tributação alta, seja para o que for, vai impedir esse tipo de varejista de entrar no Brasil. As empresas do exterior não vão virar as costas para o País, que tem um mercado de mais de 200 milhões de consumidores. Se o Brasil dificultar a maneira de eles entrarem, vão arrumar um outro jeito de entrar. É isso que a gente vê nessa parceria da Magalu com a AliExpress. E quem perdeu nessa história? O consumidor brasileiro. Então, a questão é brigar pra melhorar o ambiente de negócios, que hoje é horroroso, para enfrentar os concorrentes internacionais de igual para igual.

Para Maria Carolina, o meme do Taxad inspirado em cartaz do filme "Alice no país das maravilhas" foi o que ela mais gostou Foto: Reprodução/X

Fora as blusinhas, que outros fatores contribuíram para alavancar essa onda de memes?

Além da tributação das blusinhas, que mostra de forma mais direta o peso dos impostos, o aumento indireto de preço provocado pelas medidas arrecadatórias do governo, que invariavelmente chegam até o consumidor final, também tiveram sua influência. Então, as pessoas ficaram com a impressão de que as coisas estão subindo de preço, como de fato estão, porque o imposto está aumentando, e isso acabou contribuindo para alimentar essa percepção. Houve também um novo aumento nos preços dos combustíveis, que já haviam sido afetados pela reoneração de PIS (Programa de Integração Social) e de Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), em razão da alta do dólar, que não tem nada a ver com o Taxad. Tudo isso ajudou as pessoas a pensar que estão comprando menos, levadas principalmente por essa ideia de que todo dia aumenta um imposto aqui e ali, que recheia o noticiário econômico.

Como a sra. avalia a reação do governo a essa onda de memes, afirmando que era uma ação coordenada, profissional, que deveria ter financiador por trás, que era desinformação?

O governo e aqueles que o apoiam sentiram muito a criação dos memes, acusaram o golpe. Para mim, isso é coisa de quem está completamente descolado da internet, da realidade digital. Eles deram muita importância para esse negócio e aí é que a coisa ganhou força mesmo. Quando somos crianças, nós aprendemos que, se a gente implicar com alguma coisa que estão fazendo para nos incomodar, aí é que vão fazer mais. Isso para mim é elementar. Eu já tenho minha cota na internet e sei como isso funciona. Se você não dá muita bola para esses cancelamentos, memes, essas coisas, tudo isso passa em um dia. No dia seguinte, ninguém lembra mais. Mas, se você dá força para o pessoal, aquilo acaba indo mais longe do que deveria. Nessas horas, é melhor ficar quieto. É impossível conter uma onda dessas quando as pessoas se identificam e quando você dá muita importância para aquilo. E o governo não quis apenas responder a esses memes, o que já seria errado, como respondeu de uma maneira, com uma narrativa, que não corresponde à realidade. Aí a coisa ficou pior ainda.

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A que exatamente a sra. se refere?

Uma das coisas que eu vi que me chamou a atenção foi um vídeo do ministro (Alexandre) Padilha (das Relações Institucionais) falando sobre a cesta básica e sobre como o governo está diminuindo a tributação dos mais pobres na reforma tributária, com a isenção dos produtos da cesta básica. Mas todos os exemplos que ele deu no vídeo são de produtos que já não têm tributos federais. Ele citou o leite, o feijão, o tomate in natura, e falou “olha, isso aqui era tributado em vinte e tantos por cento e agora a tributação vai ser zero”. É uma informação errada. A tributação só vai ser zero porque a reforma tributária vai tirar o imposto estadual incidente sobre esses produtos. É uma distorção completa de um assunto que poderia ser facilmente resolvido. Se você cria falácias para tentar justificar sua postura, acaba sendo pego na mentira e desmentido.

O pessoal fala que ‘os ricos é que estão com raiva’, mas os ricos não estão nem aí para meme

Ao reagir aos memes, o governo afirmou que, com as medidas tributárias do ministro Fernando Haddad, os ricos estão pagando mais impostos e os pobres, menos. Teve gente por aí que disse até que os memes eram “obra de reacionários” insatisfeitos com as “medidas tributárias redistributivas” implementadas por Haddad. Como a sra. analisa essa questão?

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O pessoal fala que “os ricos é que estão com raiva”, mas os ricos não estão nem aí para meme, para começo de conversa. De novo, vamos considerar o exemplo das importações. Quem tem dinheiro pode sair do Brasil e trazer US$ 1mil em mercadorias importadas, fora um celular, um computador, uma câmera, um relógio. Pode trazer tudo isso sem pagar nem um real de imposto. Quem está pagando imposto é o consumidor que está comprando uma blusinha de R$ 50 na China. Então, não há justificativa para dizer que as medidas tributárias são redistributivas. Com exceção de tributação de offshores e de fundos exclusivos, estas, sim, direcionadas aos mais ricos, o que o governo fez foi avançar na tributação do consumo – e tributação do consumo pega todo mundo.

A menos que você faça uma tributação direta, sobre a renda, ou adote medidas como a tributação das offshores e dos fundos exclusivos, isso não vai pegar os mais ricos. Ao contrário. Vai pegar quem consome mais. E quem consome mais são os mais pobres. Eles consomem praticamente 100% do que ganham. E, se eles consomem 100% do que ganham, proporcionalmente pagam mais tributos do que os ricos. Por isso, para mim, é melhor ficar calado nessa hora do que dar uma justificativa que você não vai conseguir sustentar. Porque aí você vai virar piada duas vezes.

A sra. poderia dar um exemplo de uma medida tributária do governo que afetou o consumidor?

Para mim, uma das medidas mais absurdas do governo até agora está relacionada ao recebimento de créditos que as empresas pagaram indevidamente e ganharam na Justiça as ações em que questionavam o pagamento. O governo reconhece que as empresas têm créditos a receber, diz que vai pagar o que deve, só que em suaves prestações. Em cinco aninhos. Cinco aninhos! Isso compromete o fluxo de caixa das empresas. E é lógico que vai se refletir nos preços. É irrealista imaginar que quem vai pagar isso são as empresas e não o consumidor. Isso não existe. Esse tipo de norma é um incentivo para qualquer governo cobrar imposto de forma indevida. Ele sabe que está errado, que vai perder na Justiça. Só que, durante o tempo em que precisa, nos quatro anos de mandato, seja o que for, o dinheiro fica na sua conta. Então, para o governo, esse tipo de política acaba valendo a pena.

A mesma coisa ocorre quando o governo passa a tributar as subvenções de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) recebidas por empresas localizadas em lugares oferecem essa possibilidade. Elas acabam fazendo o quê? Pegam esse valor do aumento do imposto, que agora elas vão ter de pagar, e repassam para os preços. Não dá para falar, então, em “redistribuição” com essas medidas do Haddad.

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Para mim, a partir de agora, o Haddad vai ser sempre o Taxad

Agora, no começo da nossa conversa, a sra. falou que, se o governo não tivesse reagido aos memes, essa onda teria passado rapidamente, de forma natural. Mas a Marta Suplicy, quando era prefeita de São Paulo, acabou chamada de Martaxa, por ter tentado instituir uma taxa pela coleta de lixo na cidade, e até hoje não conseguiu se livrar disso. Será que, com essa história do Taxad, não vai acontecer a mesma coisa com o Haddad?

Ele vai seguir o mesmo caminho, sem sombra de dúvida, mas muito pela proporção que isso acabou tomando. É o que eu disse há pouco: meme não foi feito para ser respondido. É uma piada, para você rir. Não é briga, discussão, debate. As pessoas tomaram essa onda como um debate, querendo retrucar os meses, dizendo que os mais ricos é que estavam reclamando, e isso alimentou a coisa. Para mim, a partir de agora, o Haddad vai ser sempre o Taxad. Ele pode ficar mais vinte ou trinta anos na política, mas vai continuar sendo o Taxad.

Uma outra coisa que eu achei curiosa nessa história toda dos memes do Taxad, foi que, quando isso começou, vários influenciadores ditos de esquerda, alinhados com o governo, começaram a retuitar e a amplificar os memes. Achei muito estranho. Houve uma série de erros para lidar com essa crise que foi criada, mas eu vi fogo amigo contra o ministro, talvez para proteger o presidente. Isso ficou muito óbvio para mim.

O governo e seus apoiadores, dirigentes do PT e de partidos aliados, também disseram que a carga tributária, na comparação de 2023 com 2022, não aumentou. Como isso é possível diante dessas coisas todas que a sra. está comentando?

Olha, eu acho bom eles usarem bastante essa desculpa este ano, porque no ano que vem não vai dar mais para fazer isso. Várias medidas que podem ter impacto na carga tributária, como a tributação das subvenções de ICMS, foram aprovadas em 2023 e só terão efeito em 2024. Além disso, de 2020 para a frente, a gente precisou tomar algumas medidas tanto pela pandemia, quanto pela invasão da Ucrânia para incentivar o consumo através da redução de tributos. Isso aconteceu, por exemplo, com os combustíveis. A Lei Complementar 192 e a Lei Complementar 194 reduziram a alíquota do ICMS aplicável sobre esses produtos. Isso fez com que a carga tributária baixasse a partir dali. Acontece que essa medida só entrou em vigor na segunda metade de 2022 e foi mantida durante 2023 inteiro, com uma redução expressiva da carga sobre combustíveis, que representam uma parcela significativa da arrecadação. Então, o discurso do governo pode não ser baseado numa notícia falsa, mas é uma interpretação enviesada da realidade.

Parece que, em 2022, houve também um aumento forte de arrecadação por conta da elevação dos preços de commodities no mercado internacional, como minérios e petróleo, que gerou uma receita não recorrente, puxando a carga tributária do País para cima e distorcendo a comparação com 2023.

Exato. Existem todos esses pontos. Por isso, a gente só vai conseguir ver realmente o reflexo das medidas tributárias adotadas pelo Haddad na carga tributária em 2024. Aí, sim, a gente vai ver o efeito de um monte de tributação que já entrou em vigor e que já está funcionando 100%. Aí é que a gente vai ter uma ideia do tamanho do estrago. Todas as medidas grandes do ano passado, que eu mencionei, como a tributação das subvenções e das offshore e dos fundos exclusivos, só passaram a valer este ano.

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O Impostômetro (ferramenta de acompanhamento em tempo real da arrecadação tributária) já dá uma boa medida do que está acontecendo neste ano. Na semana passada, o impostômetro chegou a R$ 2 trilhões. E, em 2023, essa marca só foi atingida no dia 30 de agosto. Como isso se enquadra na sua análise?

A gente teve um incremento de arrecadação bem significativo até agora neste ano e isso passa por todo esse aumento de tributação. Como o governo precisa ficar aumentando pouquinhas coisas o tempo inteiro para tentar elevar a arrecadação, a gente acaba vendo isso de forma fragmentada. Depois, quando a gente soma tudo, vira algo gigante. É óbvio que a gente está tendo incremento de arrecadação. É como uma pessoa que faz dieta, faz exercício físico, faz cirurgia plástica e no fim não sabe o que está funcionando para se manter na linha. Tudo funciona, porque é um combo, algo que tem de ser analisado em conjunto.

O ministro Fernando Haddad fica tentando juntar água com a torneira e o ralo abertos

Não dá nem pra dizer que o aumento da arrecadação é um reflexo do aquecimento da economia, porque nós estamos falando de uma alta no PIB (Produto Interno Bruto) de cerca de 2,5% em 2024, enquanto a arrecadação de junho em relação a junho de 2023 subiu quase 12% em termos reais (descontada a inflação).

Como falamos há pouco, uma das coisas que o ministro tem falado é que ele está “corrigindo distorções” tributárias. O ministro está fazendo isso mesmo? Está. De certa forma, ele está corrigindo algumas distorções existentes na legislação. Só que, sempre que ele está corrigindo alguma distorção, está criando outras. Isso é importante a gente colocar. Quando o presidente, por exemplo, se diz extremamente surpreso com os incentivos fiscais existentes no País e dois dias depois sanciona um projeto como o Mover, que é um programa de benefícios fiscais para as montadoras de automóveis, cujo impacto para os cofres públicos é estimado em R$ 19 bilhões em cinco anos, ele está gerando uma nova distorção no sistema. Sem contar que essa é uma política característica do PT. O PT tem essa característica de conceder incentivos setoriais, especialmente através de benefícios fiscais.

Não estou falando nenhum segredo aqui. Desde 2003 é assim. Eles sempre elegem alguns setores da economia para beneficiar. Então, não dá pra você ter esse discurso de que está “corrigindo distorções” se você continua criando outras. Este é o ponto. Por isso, eu falo que o ministro fica tentando juntar água com a torneira e o ralo abertos. Ele não vai conseguir. É como querer pegar papel na ventania. As medidas tributárias foram utilizadas no Brasil ao longo do tempo de uma forma tão errada que agora, quando o governo precisa aumentar a arrecadação desesperadamente para tentar reequilibrar as contas públicas, porque a situação do mercado lá fora não tá tão boa, por causa disso e disso daquilo, não tem mais onde mexer. As empresas não aguentam mais novos tributos.

O próprio presidente da Câmara dos Deputados, o Arthur Lira, disse outro dia que o Haddad tem de mudar sua agenda, porque não há mais espaço para aumentar a arrecadação e nem os parlamentares vão apoiar mais isso aí.

Exatamente. É por isso, por exemplo, que, quando acontece uma situação como a da MP 1227, que o pessoal “carinhosamente” apelidou de “MP do fim do mundo”, que era uma MP que que acabava com a utilização de créditos de PIS e Cofins pelas empresas, para compensar a manutenção da desoneração da folha aprovada pelo Congresso, a coisa não andou.

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A sra. se refere àquela MP que gerou uma grande reação por parte dos empresários?

Isso mesmo. A reação foi tão grande que o senador (Rodrigo) Pacheco (presidente do Senado) devolveu a MP. Ficou com parte da MP, mas devolveu o resto. Porque era um negócio tão absurdo que não tinha como levar adiante. Essa MP colocava nas costas do agronegócio, dos distribuidores de combustível e de farmacêuticos e químicos a conta da desoneração, que são setores que impactam diretamente na inflação e no PIB. Quando eu li a MP, confesso que não entendi nada. Eu falei, “gente, não é possível. Quem parou para pensar nisso não pensou dois minutos”. Porque tinha um impacto muito grande na área de alimentação, pegava proteína animal, café, grãos, um monte de coisa que está na cesta do brasileiro, limitando o crédito das distribuidoras de combustíveis, de supermercados, e sem noventena, ou seja, valendo a partir do dia seguinte, sem discutir com ninguém. Era uma bomba armada para dar errado, como deu. O pessoal, especialmente de postos de combustíveis, pressionou muito, falando “nós vamos subir os preços amanhã”. De novo, não tem mais de onde fazer mágica. E a sociedade já não aceita mais essas loucuras calada.

Uma das coisas mais estapafúrdias que eu já vi na minha vida é ancorar o equilíbrio fiscal nas receitas do Carf

Tudo isso sem fazer nenhum esforço ou fazendo um esforço muito pequeno para controlar os gastos.

Exatamente. As pessoas estão com essa sensação, de que passa PEC (Proposta de Emenda à Constituição) do Quinquênio, passa não sei o quê, passa blá-blá-blá, e a conta fica sempre para a gente. Então, as pessoas falam “assim não, espera aí, isso precisa ter um limite, não sou só eu que tenho de arcar com essa conta”. É onde a gente volta no início da nossa conversa: quem entendeu o arcabouço fiscal desde o princípio já sabia que isso iria acontecer.

Demorou para “cair a ficha” de muita gente. Na Faria Lima, por exemplo, até pouco tempo atrás, boa parte do pessoal apostava que o arcabouço fiscal iria garantir o equilíbrio das contas públicas.

Eu lembro de que estive num programa de TV em que a jornalista estava toda feliz porque haveria déficit zero em 2024. Aí eu disse, “meu Deus”, e dei uma gargalhada daquelas. Só falei isso. Mais uma vez, quem entendeu minimamente como o arcabouço funciona sabia que a gente iria chegar nisso. Porque não tem como ser diferente. Enquanto a despesa é escalada, a receita você não tem de onde tirar. Uma das coisas mais estapafúrdias que eu já vi na minha vida é ancorar o equilíbrio fiscal nas receitas do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), acreditar que o governo vai arrecadar R$ 100 bilhões com o Carf, como se fosse um negócio líquido e certo.

O governo tem de entender que uma coisa é ele ganhar as causas no Carf e outra é levar. São duas coisas diferentes. Se o governo ganha no Carf, a empresa tem até um incentivo para pagar o que órgão julgou que ela deve, com alguns descontos. Mas, se ela não quiser pagar, vai para o Judiciário discutir a questão mais sete anos. Mesmo com o governo reinstituindo o “voto de qualidade”, que garante que, em caso de empate nos julgamentos, a decisão final seja favorável ao Fisco, não quer dizer que ele já pode contar com o dinheiro. Isso depende do momento de cada empresa. Às vezes a empresa não quer pagar, quer levar o caso ao Judiciário, para ganhar mais um tempo, porque não tem condições de tirar esses recursos do caixa naquele momento. Isso é uma decisão gerencial de cada empresa. Então, como é que você pode ancorar o orçamento de um país na ideia de que os empresários vão pagar o que o governo julga que lhe é devido, se eles ainda têm possibilidade de recorrer?

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Algumas semanas atrás, antes dessa onda de memes, o Haddad falou que ele estava preparando novas medidas arrecadatórias no valor de R$ 20 bilhões, com o objetivo de zerar o déficit primário em 2025, porque, pelo andar da carruagem, 2024 já está perdido. Ainda tem clima para isso, depois de toda essa confusão?

Olha, eu acho difícil. Desejo uma ótima sorte pra eles.

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