O que falta para a indústria ‘made in Brazil’ ser mais competitiva, na visão do presidente do Ciesp

Boa parte dos desafios da indústria brasileira têm origem em questões locais, disse Cervone no ‘Fórum Estadão Think — Do Brasil para o mundo: Desafios para a nossa inserção global’

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Por Diego Lazzaris
Foto: Taba Benedicto/Estad
Entrevista comRafael CervonePresidente do Ciesp

A inserção global da indústria brasileira passou por uma série de transformações após a pandemia de covid-19 e a reconfiguração das cadeias produtivas mundiais. Para Rafael Cervone, presidente do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), em um cenário geopolítico marcado pelo aumento das tensões entre os países, com destaque para a disputa entre Estados Unidos e China e políticas protecionistas, o Brasil precisa encontrar novas possibilidades de expandir sua relevância internacional.

Cervone participou nesta terça-feira, 12, do Fórum Estadão Think — Do Brasil para o mundo: Desafios para a nossa inserção global. Durante entrevista ao Estadão, ele ponderou que boa parte dos desafios enfrentados pela indústria brasileira têm origem em questões locais. “Precisamos enfrentar esses desafios e avançar nessa agenda para tornar o Brasil mais competitivo, fortalecer a indústria e ampliar nossas exportações”, afirmou.

O presidente do Ciesp destacou ainda que a inserção do Brasil no mercado global não deve ser uma vantagem exclusiva das grandes empresas. “Micro, pequenas e médias empresas também têm um grande potencial. Existem exemplos de pequenas empresas que, ao se organizarem para a exportação, tornaram-se mais eficientes e ganham em escala e competitividade, tanto no mercado externo quanto no interno”, afirmou.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Como a indústria brasileira está inserida no cenário global atual?

A inserção global do Brasil é extremamente relevante e passou por grandes transformações após a pandemia de covid-19. A primeira lição trazida por esse período foi a importância estratégica da indústria para o fortalecimento de um país. Durante a pandemia, os países com uma base industrial mais robusta e diversificada enfrentaram menos dificuldades. A prática de produzir na China, uma estratégia adotada por Estados Unidos, Europa e diversos outros países, demonstrou-se ineficaz. Quando a China decidiu fechar suas fronteiras, especialmente para vacinas e medicamentos, houve uma escassez de matérias-primas em várias partes do mundo. Esse cenário geopolítico sofreu ainda mais mudanças com o impacto das guerras, incluindo o conflito entre Ucrânia e Rússia, e agora, com as tensões emergentes no Oriente Médio.

'Nos últimos anos, perdemos participação de mercado na América Latina para a China', diz Cervone Foto: Werther Santana/Estadão

Quais são as oportunidades para a nossa indústria neste contexto?

Esse cenário abre uma janela de oportunidades para o Brasil. Nos últimos anos, perdemos participação de mercado na América Latina para a China — a Argentina, por exemplo, que sempre foi um dos nossos principais destinos de exportação, agora tem a China como maior parceiro, e os argentinos estão preocupados com essa dependência. A inserção do Brasil no mercado global não deve ser uma vantagem exclusiva das grandes empresas. Micro, pequenas e médias empresas também têm um grande potencial, como fica evidente no trabalho da Apex Brasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos). Em meu setor, há exemplos de pequenas empresas que, ao se organizar para a exportação, tornaram-se mais eficientes e ganham em escala e competitividade, tanto no mercado externo quanto no interno. A exportação serve ainda como uma importante ferramenta de proteção contra a concorrência externa, ao mesmo tempo que aumenta a competitividade. A exportação também atrai investimentos, especialmente investimentos estrangeiros, o que torna essa estratégia ainda mais relevante.

Quais são as perspectivas para o Brasil na transição energética?

Diante do rearranjo nas cadeias de fornecimento regionais e globais, o Brasil pode se destacar pelo uso de energia verde, pela medição da pegada de carbono e pelo avanço na descarbonização, elementos que conferem uma vantagem competitiva essencial. No meu setor, por exemplo, receberei investidores estrangeiros na próxima semana para discutir uma nova fibra produzida a partir da cana-de-açúcar. O interesse vai além da fibra em si, abrangendo também a cadeia molecular do etanol, o que pode colocar o Brasil ainda mais no centro das atenções. Em breve, teremos eventos internacionais de grande importância, como o Fórum Mundial de Economia Circular e a Conferência do Clima, além da presidência brasileira dos Brics, o que intensificará ainda mais o foco global sobre o Brasil. É fundamental que aproveitemos essa oportunidade.

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Como tornar a indústria brasileira mais competitiva?

Nunca teremos uma indústria competitiva se o País, em si, não for competitivo. A maioria dos nossos problemas, diria que cerca de 80%, é gerada internamente e ainda não foi resolvida. Temos de fazer a ‘lição de casa’. A agenda de competitividade precisa ser uma prioridade. Hoje, produzir no Brasil, em comparação com países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), gera uma diferença de custo de R$ 1,7 trilhão, segundo estudo da FGV (Fundação Getulio Vargas). Precisamos enfrentar esses desafios e avançar nessa agenda para tornar o Brasil mais competitivo, fortalecer a indústria e ampliar nossas exportações.

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