BRASÍLIA - O chefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), José Julio Senna, avalia que as condições para a redução dos juros pelo Banco Central se abrirão, em agosto, se for mantida a meta de inflação de 3% em 2024 e 2025 e o governo fixar o mesmo valor para 2026.
Para ele, esse movimento trará efeito extraordinário, reforçando os “ventos favoráveis” que sopram para a economia brasileira. “A bola está quicando na pequena área, é só chutar para dentro do gol”, diz Senna. Segundo ele, mesmo os diretores mais linha dura, como Renato Gomes, votariam junto com Gabriel Galípolo, indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula para a diretoria de Política Monetária.
O ex-diretor do BC espera que o Conselho Monetário Nacional (CMN), na reunião do próximo dia 29, adote também o modelo de meta contínua de inflação (acumulada em 12 meses, e não de janeiro a dezembro). Na entrevista ao Estadão, ele explica como ela funciona e fala sobre o que esperar da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) desta semana.
O Copom desta semana será uma espécie de ‘pré-Copom’ da redução de juros em agosto?
Não espero nenhuma mudança significativa no comunicado e na decisão do BC. A razão é muito simples. Na semana seguinte, haverá reunião do CMN e a decisão que o conselho tomará a respeito da meta de inflação será seguramente o ingrediente indispensável para a decisão do BC. O resultado prático da decisão do CMN pode acentuar ventos favoráveis.
Mas o governo quer que o BC, na reunião do Copom desta semana, abra a porta para a redução dos juros em agosto...
Qualquer sinalização que por acaso possa ser vislumbrada no comunicado tende a ser muito tênue, porque a essência da questão no momento atual da economia brasileira nesse campo da inflação é a decisão da meta de inflação. Todo mundo viu as enormes pressões do governo sobre o BC, a ideia que o presidente Lula puxou de elevar a meta da inflação. Na cabeça dele, é fundamental que a taxa de juros caia para estimular a economia e o governo mostrar resultados o mais rapidamente possível. Tudo isso trouxe prejuízo importante para a própria inflação e para a condução da política monetária. O prejuízo veio sob a forma de uma piora das expectativas de inflação. Precisamos saber o seguinte: se haverá mudança de meta ou se o governo se mostrará convencido de que seria um passo em falso, um tiro no pé, mudá-la.
O que pode acontecer?
O presidente não voltou a falar de maneira explícita de alteração de meta. O ministro Haddad e seus principais assessores deixaram claro que a decisão será no dia 29, sem antecipação. Tudo isso trouxe um ambiente mais tranquilo. Esse ambiente mais calmo já está diminuindo as expectativas de inflação. Se elas aumentam, sabemos que prejudicam a inflação corrente. Na hipótese de a meta ser revista para cima, as de 2024 e 2025, mesmo que se estabeleça a de 2026 em 3%, como se cogita, fazendo a meta contínua (aquela que vale o tempo todo), a reação seria ruim. Neutralizará os ventos favoráveis que têm vindo de outros lugares. Já na hipótese de o CMN estabelecer a inflação de 3% para 2026 e não alterar nada para 2024 e 2025, inclusive o intervalo de tolerância, o choque de expectativas favorável que isso dará será extraordinariamente bom.
Os sinais positivos da inflação têm alimentado a expectativa de queda dos juros...
Está ficando claro, mais uma vez, que a política monetária funciona. Boa parte dos melhores resultados que estamos colhendo agora no campo da inflação tem a ver com o aperto monetário em curso desde o último trimestre de 2021. É uma boa razão das quais o quadro inflacionário está com uma aparência melhor. É uma onda muito boa quando se mistura tudo que está acontecendo: política monetária colhendo seus efeitos, reversão do choque de preços de bens físicos, acolhida do mercado ao arcabouço fiscal, queda do risco Brasil, juros reais cedendo quase um ponto porcentagem, o real se fortalecendo, a Bolsa subiu cerca de 20%. E ainda teve o sinal positivo da agência de risco S&P. Os ventos estão muito favoráveis. O que falta agora para o BC definir a sua política é a decisão do CMN. Não está sendo possível comunicar algo concreto antes de saber o resultado da decisão do CMN.
Com a inflação caindo e as expectativas também, o BC não está sendo radical em manter os juros em níveis tão altos?
Os custos de combater a inflação são sempre elevados. E é exatamente porque esses custos são altos que é fundamental consolidar um sistema de metas de inflação que privilegie taxas de crescimento de preços o mais baixas possível para que, no futuro, não tenhamos problemas de novo desse tipo. O momento é esse. A hora é essa. Até porque precisamos aproveitar todo esforço que o BC vem fazendo nesses últimos sete trimestres.
Com esse cenário, os juros caem em agosto?
Na hipótese de tudo isso se concretizar, e dado que eu espero uma reação bastante boa dos preços de mercado, é muitíssimo provável que a primeira queda aconteça em agosto. Os novos números de expectativas de inflação vão alimentar as projeções oficiais do BC e, seguramente, começarão a aparecer sinais concretos de que a inflação projetada virá para baixo da meta. Ao meu ver, o BC vai esperar uma decisão objetiva do CMN no dia 29. A partir daí, ele tem algo concreto na mão.
Como funciona a meta contínua e como ela é verificada?
É aquela que é aferida o tempo todo. Ela não tem a ver com ano-calendário (janeiro a dezembro). Desde o início do regime de metas de inflação, em 1999, as metas estabelecidas são para o ano-calendário. Terminou o ano, verifica se o BC cumpriu a meta e se a inflação ficou dentro do intervalo de tolerância. A aferição é uma vez por ano. Ela é aferida dessa maneira porque, até agora, o Brasil não encontrou a sua meta de longo prazo. Ficamos 14 anos com a meta em 4,5%, passamos a promover a redução e já chegou em 3%. Se ela for consolidada, aí perde o sentido de estabelecer o período de aferição com base no ano-calendário; se ela é 3% para frente, se faz a aferição todo mês. Todo mês pega a inflação de 12 meses e vê se está próxima de 3%, dentro do intervalo de tolerância. No Reino Unido, é assim. A expressão em inglês é “all the time”. Eu acho que a decisão do CMN vai sinalizar isso.
A sua expectativa é que de a meta contínua só comece a funcionar em 2026?
Eu acho que sim, porque seria irrealista se ela começasse em 2024 ou 2025. Daria um pouco mais de tempo para o BC. Para não botar uma pressão excessiva, não faria sentido começar a aferir já no ano que vem. É melhor esperar a partir de 2026. Uma coisa é certa: a bola está quicando na pequena área; é só chutar para dentro do gol.
O que seria empurrar para dentro do gol?
Empurrar para dentro do gol é definir 3% e consolidar o movimento de expectativas de inflação mais favoráveis, que já está acontecendo. Há uma pressão muito grande para os juros caírem. É evidente que eles estão muito altos e que é importante que caiam. Não traz alegria para ninguém.
Essa pressão vem muito forte dos varejistas?
A economia sofre mesmo quando se está combatendo a inflação. Na verdade, esse é um grande argumento para não deixar a inflação escapar do controle. Quanto mais alto você põe o nível da inflação que está buscando, mais volátil ela fica. É mais fácil uma inflação de 5% sair do controle do que de 3%. Por isso, é importante determinar uma inflação o mais baixa possível. Essa é uma constatação empírica.
O que esperar do futuro diretor de política monetária, Gabriel Galípolo, na reunião de agosto?
É mais uma coisa que depende da decisão do CMN. Se o conselho sacramentar a meta, o Galípolo e os demais membros da diretoria votarão pela redução de juros em agosto.
Mesmo os que estão na linha mais dura, como o diretor Renato Gomes?
Sim, as condições estão mais propícias. É muita coisa boa na direção. Cabe agora ao CMN consolidar tudo isso. É disso que o BC precisa para reduzir os juros com confiança.
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