Nos últimos anos, a Grécia se tornou um exemplo improvável de sucesso na economia. Até pouco tempo atrás dada como um caso perdido pelos analistas e considerada uma espécie de “patinho feio” entre os países desenvolvidos, a Grécia ganhou os holofotes por seu desempenho notável no campo minado em que se transformou a economia mundial desde a pandemia, com a combinação tóxica de inflação e juros altos, crescimento baixo e “desglobalização”, em meio às guerras na Ucrânia e no Oriente Médio.
Depois de quase quebrar e quase deixar a zona do euro após a crise global de 2008, colocando em xeque a continuidade do bloco, a Grécia mergulhou numa recessão profunda, a maior entre os países mais avançados desde a Segunda Guerra Mundial, que levou a uma retração de 25% em sua economia, com altíssimos custos para a população e para as empresas.
Mas, como Fênix, o pássaro da mitologia grega que entra em combustão quando morre e depois ressurge das cinzas, o país “ressuscitou” e vem ensaiando os primeiros voos de seu novo ciclo, que parece bem mais promissor do que o que levou ao purgatório.
De 2021 a 2023, o crescimento acumulado do PIB (Produto Interno Bruto) chegou a 17%, segundo dados do FMI (Fundo Monetário Internacional), bem acima da média da União Europeia. As contas públicas, que registraram um rombo de 10,2% do PIB em 2009, sem contar o pagamento de juros, voltaram ao azul. A dívida pública ainda está em 158,8% do PIB, o nível mais elevado da Europa, mas já teve uma queda considerável desde o pico registrado em 2020, no auge da pandemia, de 213%. O desemprego, que atingia 27,5% dos trabalhadores em 2014, fechou 2023 em 10,9% ― e a previsão é de que continue a cair, para 9,4% no fim do ano (confira os gráficos abaixo).
De país com a pior classificação de risco do mundo, na avaliação da Standard & Poor’s, uma das principais empresas internacionais de rating, e sem acesso aos mercados para captar recursos para cobrir o buraco fiscal, a Grécia conseguiu recuperar no fim do ano passado o almejado “grau de investimento”, 13 anos depois de o perder, e já vem reduzindo de forma sensível seu custo de captação junto aos investidores internacionais.
Período dolorido
Com tudo isso, não chega a ser uma surpresa que a revista The Economist tenha escolhido a Grécia como “país do ano” em 2022 e 2023, vencendo uma disputa com 35 países. “A Grécia está de volta para valer”, diz o primeiro-ministro Kyriakos Mitsotakis, apontado como principal responsável pelo “renascimento” grego, em entrevista concedida à TV Bloomberg, depois de conquistar um segundo mandato de quatro anos, com a vitória confortável obtida por seu partido, o Nova Democracia, de centro-direita, nas eleições gerais realizadas no ano passado. “A Grécia passou por muita coisa, por um período muito dolorido. Nós nunca mais queremos reviver esses tempos difíceis.”
Afinal, qual é o segredo da Grécia? Como ela conseguiu deixar para trás a crise monumental em que se meteu e voltar a crescer de forma robusta? Que lições o sucesso do país no enfrentamento da crise pode dar ao Brasil? O que a gente pode aprender com os erros cometidos pela Grécia na gestão da economia, que fizeram o país chafurdar na lama durante mais de uma década?
Embora possa parecer à primeira vista que os acontecimentos na Grécia têm pouco a ver com o Brasil, seu caso ilustra com perfeição o que pode levar as nações à ruína e à prosperidade. Apesar de ser um exemplo extremo, ele mostra de forma cristalina os pesados custos que as decisões equivocadas dos governantes podem impor às pessoas e às empresas, ainda que a princípio seus efeitos sejam positivos. Mostra também os remédios amargos que é preciso tomar para recolocar a economia nos trilhos, recuperar a confiança perdida dos agentes econômicos e voltar a acreditar que o futuro pode ser melhor que o presente (leia a segunda parte desta reportagem, que mostra como o Brasil está seguindo a trilha que levou a Grécia à derrocada).
A rigor, nem seria necessário recorrer ao exemplo da Grécia para mostrar o que pode acontecer quando um país promove uma gastança sem lastro por anos a fio, desdenhando do equilíbrio fiscal, e quanto custa se reerguer depois. Aqui mesmo no Brasil, não faltam exemplos na história para mostrar o resultado nefasto que isso pode produzir e o esforço necessário para sair do buraco.
O mais recente, no qual até hoje seus autores negam responsabilidade, foi o que ocorreu após a farra fiscal promovida nos governos Lula 2 e Dilma 1 e 2. A folia levou o País à maior recessão em todos os tempos, com uma queda acumulada de 7% no PIB em apenas dois anos, em 2015 e 2016, e deixou um rastro de destruição que deu um trabalho hercúleo para ser reparado.
Tempos sinistros
O caso da Grécia, no entanto, pelas características dramáticas que adquiriu, pode dar uma contribuição preciosa para o debate sobre a política do “gasto é vida”, que agora o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenta resgatar, e sobre a receita mais apropriada para alavancar o desenvolvimento econômico de forma sustentável.
É certo que a Grécia tem uma característica peculiar, que a diferencia do Brasil. Por integrar a zona do euro, o país não tem moeda própria nem o próprio Banco Central. Fica à mercê das políticas monetária e cambial praticadas pelo Banco Central Europeu (BCE), o que tende a complicar as coisas em tempos sinistros. Mas, mesmo levando isso em conta também, os ensinamentos que a Grécia pode oferecer ainda são valiosos, tanto no que se refere ao seu “renascimento” recente quanto à sua derrocada.
Mais do que qualquer país do mundo desenvolvido desde o início do século, a Grécia levou às últimas consequências a política do “gasto é vida” ― e pagou caro, muito caro, por isso. Mesmo quando já estava à beira do abismo, seus governantes resistiam à adoção das duras medidas de ajuste necessárias para evitar o pior. E mesmo aqueles que quiseram implementá-las, em maior ou menor escala, conforme o caso, encontravam uma resistência aguerrida da esquerda e de uma parcela considerável da sociedade, que não queriam apertar o cinto nem quando não havia outra solução no horizonte para evitar o isolamento do país e para ele se manter na zona do euro.
Apesar de a crise global de 2008 ter contribuído para agravar o rombo fiscal da Grécia, ao frear subitamente a economia e reduzir a arrecadação de impostos pelo governo, o problema já vinha se arrastando há anos. Após a adoção do euro, em 2001, a injeção monetária recebida pelos países retardatários da União Europeia já vinha turbinando as inclinações perdulárias dos governantes na Grécia.
Nos anos que se seguiram à adoção da moeda única, o país gastou como se não houvesse amanhã, promovendo o inchaço do funcionalismo público, o aumento dos salários dos servidores, que já eram bem mais altos do que os do setor privado, a concessão de reajustes generosos para os aposentados e a realização de outros gastos sociais ― um quadro que se assemelha muito, guardadas as devidas proporções, ao que acontece hoje no Brasil.
De acordo com o FMI, o gasto da Grécia com o pagamento de aposentadorias e pensões teve um aumento de 7% em relação ao PIB desde a adoção do euro até a véspera da crise, enquanto os salários do funcionários públicos passaram a abocanhar 3% a mais do PIB no mesmo período.
Resultado: em 2009, somando os gastos com o pagamento de juros, o rombo nas contas públicas chegou a 15,2% do PIB, um patamar cinco vezes maior do que o limite de 3% do PIB previsto no Tratado de Maastricht, firmado entre os países da União Europeia em 1992, para tentar conter a gastança sem lastro no bloco.
A dívida pública da Grécia também aumentou geometricamente, levando à elevação das despesas com o pagamento de juros aos credores que financiavam a farra e agravando o problema de caixa. E o mais espantoso é que isso ocorreu num período em que o PIB grego quase triplicou, conforme o FMI, passando de US$ 132,2 bilhões no ano 2000 para US$ 355,9 bilhões em 2008, em valores correntes, colocando em xeque a lógica de muitos defensores da gastança ilimitada, que apostam num eventual crescimento futuro da economia, para diluir o peso relativo do excesso de despesas no PIB.
Como desgraça pouca é bobagem, segundo o velho ditado popular, o que já estava ruim, com o aumento da desconfiança em relação à capacidade da Grécia de honrar seus compromissos, ficou ainda pior, com a descoberta de que os números do déficit fiscal e da dívida pública do país eram peças de ficção. A dívida e o buraco nas contas públicas, na verdade, eram bem maiores do que mostravam os dados oficiais, como aconteceu no Brasil, com a tal da “contabilidade criativa” adotada no governo Dilma, para “dourar” o resultado fiscal.
Operação-hospital
No caso da Grécia, havia ainda um agravante neste quesito. Os números não vinham “apenas” sendo maquiados pelo governo desde a adesão do país ao euro, em 2001, com a adoção de critérios contábeis que não seguiam a metodologia da Eurostat, o órgão de estatísticas da União Europeia. Com o apoio de bancos internacionais que irrigavam a farra fiscal, o país vinha realizando operações de swaps (trocas) de títulos da dívida grega por outros papéis, para tirar os “papagaios” dos livros contábeis e mostrar uma fotografia das finanças públicas que mascarava a real dimensão dos problemas.
Após a revelação da “contabilidade criativa” praticada pelo país, a situação degringolou de vez. O “prêmio” pago para captar recursos no mercado e o custo do seguro contra uma eventual inadimplência deram um salto. Na prática, o mercado praticamente se fechou para a Grécia. Sem conseguir rolar suas dívidas com os bancos privados, o país teve de “passar o chapéu” na Europa e bater na porta do FMI. Só que as autoridades europeias, enfurecidas com a maquiagem fiscal e pressionadas pela opinião pública de seus países, que se opunha ao uso de recursos dos pagadores de impostos para bancar a folia grega, resistiam em estender as mãos ao país.
No fim, temendo que um calote grego pudesse colocar em risco o sistema financeiro europeu, já combalido pela crise global, e até a existência do euro, os países do bloco, em parceira com o FMI, acabaram prestando socorro à Grécia e ainda forçaram os bancos credores a dar sua cota de contribuição para a operação-hospital, com o alongamento dos prazos dos “papagaios” e a concessão de um desconto substancial, de cerca de 130 bilhões de euros (US$ 140 bilhões), na dívida que o país tinha com eles.
Até o BCE entrou na dança, com a compra de títulos gregos no mercado secundário, “estatizando”, em boa medida, a dívida da Grécia, que também aumentou suas pendências diretas com países do bloco após o socorro. “Se o euro cair, a Europa cairá”, afirmou, na época, a então chanceler da Alemanha, Angela Merkel, ao justificar a decisão de socorrer a Grécia.
O custo da farra grega foi monumental. No total, o socorro prestado pelos países da zona do euro, pelo BCE e pelo FMI chegou a 280 bilhões de euros (US$ 302 bilhões), a taxas de pai para filho e prazos a perder de vista, para permitir que a Grécia cumprisse seus compromissos financeiros até conseguir andar com as próprias pernas de novo. Foi o maior valor já empenhado para evitar que um país fosse à bancarrota. A dinheirama, liberada em parcelas, foi viabilizada por meio de três grandes acordos firmados de 2010 a 2015, com diferentes governos gregos, após os termos de cada um deles serem aprovados, a duras penas, pelo parlamento do país.
Privação colossal
Os acordos, no entanto, tinham duras contrapartidas, que o país precisava cumprir para que as parcelas fossem liberadas. Dispostos a fazer a Grécia pagar pelos seus pecados e a evitar que o caso pudesse abrir um precedente perigoso, levando outros países europeus que passavam por dificuldades na época, como Itália, Irlanda, Espanha e Portugal, a fazer o mesmo, os líderes da zona do euro e o FMI exigiram a implementação de medidas destinadas a reduzir o rombo fiscal e a dívida pública, como o corte de gastos governamentais, incluindo salários dos servidores e aposentadorias, o aumento de impostos, a substituição das negociações coletivas dos trabalhadores por acordos fechados em nível das empresas e a desregulamentação da economia, para estimular a competividade e a volta do crescimento.
A ironia é que, no frigir dos ovos, a Grécia teve de fazer “por mal” o que não quis fazer “por bem”, em doses homeopáticas, como ocorreu no Brasil depois do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Em vez de ter mantido o saldo positivo nas contas públicas ao longo do tempo por iniciativa própria, o que exigiria um sacrifício bem menor, o país acabou passando por uma privação colossal, com tremendos custos sociais, para atender às demandas dos credores que o salvaram da insolvência.
Segundo o instituto de estatísticas da Grécia, citado em reportagem da agência Reuters, os gregos ficaram 40% mais pobres em apenas cinco anos, de 2008 a 2013. A renda familiar disponível caiu para os níveis de 2003. O número de pessoas vivendo na extrema pobreza, que era de 0,3% da população em 2008, quintuplicou, alcançado 1,5% do total em 2014, conforme dados do Banco Mundial. A fuga de cérebros se aprofundou. Um estudo publicado na época apontou que, só de 2010 a 2013, 120 mil profissionais ― incluindo médicos, engenheiros e cientistas ― deixaram o país por causa da crise.
A crise grega era tanto, se não mais, uma crise política do que uma crise econômica
Paul Thomsen, ex-diretor do Departamento Europeu do FMI
Para completar a tragédia grega, os acordos firmados com os países da zona do euro e o FMI esquentaram a temperatura política e ampliaram a polarização na sociedade. Os acordos e as medidas de austeridade que vinham sendo adotadas para colocar em ordem as contas públicas despertaram a ira de parte da população e as manifestações da oposição se tornaram frequentes em Atenas e em outras cidades da Grécia.
Capitalizando a insatisfação popular, o Syriza, um partido de extrema-esquerda que até então era um coadjuvante na política grega, dominada pela centro-direita e pelos sociais-democratas e socialistas após a queda do regime militar em 1974, venceu as eleições parlamentares de 2015. O resultado viabilizou a ascensão de seu líder, Aléxis Tsipras, ao posto de primeiro-ministro, com a promessa de se opor aos acordos firmados com os europeus e o FMI, exigir condições mais favoráveis para a Grécia atravessar a tormenta e promover um “revogaço” das medidas de austeridade adotadas, de um jeito ou de outro, desde o início da crise.
“A crise grega era tanto, se não mais, uma crise política do que uma crise econômica”, afirmou o economista Paul Thomsen, então diretor do Departamento Europeu do FMI, em palestra realizada a convite do Observatório Helênico, da London School of Economics (LSE), logo depois da eleição que conduziu Kyriakos Mitsotakis ao seu primeiro mandato, em 2019.
Com um discurso de confronto com os credores, Tsipras assumiu o posto rechaçando grande parte do segundo acordo firmado com os europeus e o FMI em 2012, que ainda estava em vigor, e pediu a redução dos juros e um alongamento ainda maior dos prazos da dívida grega. Numa tentativa de reforçar sua posição na negociação, Tsipras propôs a realização de um plebiscito na Grécia sobre o acordo, aprovado pelo parlamento, no qual o “não” saiu vencedor. Seu tiro, porém, saiu pela culatra.
‘Corrida’ aos bancos
Os líderes europeus rejeitaram as reivindicações de Tsipras e queriam esperar o fim do acordo de 2012, que estava prestes a vencer, antes de firmar um novo para substituí-lo. O BCE também reagiu negativamente, negando novas linhas de emergência aos bancos gregos, o que levou a uma corrida bancária e ao fechamento das agências no país por vários dias, além da imposição de restrições à movimentação de capitais, por determinação do governo de Tsipras.
Com o caixa exaurido, a Grécia chegou a atrasar um pagamento ao FMI ― que acabou realizado semanas depois ― no valor de 1,5 bilhão de euros (US$ 1,62 bilhão), tornando-se o primeiro país desenvolvido a fazê-lo. A possibilidade do Grexit ― a saída da Grécia da zona do euro ― parecia cada vez mais próxima, gerando fortes turbulências nos mercados e deixando os líderes europeus em estado de alerta. Mas, diante da pouca margem de negociação que lhe restava, Tsipras teve de deixar de lado seu discurso radical e capitular.
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Às vésperas do vencimento do segundo acordo, em meados de 2015, ele acabou aceitando as condições impostas pelos europeus para renovar a operação de socorro, mas desta vez sem a participação do FMI. O novo acordo, o último dos três realizados pelo país, continha poucas alterações nas contrapartidas previstas no dispositivo anterior. Mas incluiu a liberação de um novo empréstimo de 86 bilhões de euros (US$ 92 bilhões), a ser desembolsado em parcelas até 2018, quando a Grécia se veria livre, enfim, do rígido controle a que teve de se submeter, para viabilizar a liberação do dinheiro e não se tornar um pária do sistema financeiro internacional e da União Europeia.
No vencimento desse acordo, a Grécia ainda conseguiu ampliar o prazo da dívida e reduzir os juros, com o compromisso de manter um superávit primário equivalente a 3,5% do PIB até 2022 e a 2% do PIB, em média, até 2060. “Com um déficit primário de 10% do PIB, nenhuma redução de dívida evitaria a adoção de medidas de austeridade”, disse Thomson, do FMI, em sua palestra no Observatório Helênico.
A capitulação de Tsipras, porém, gerou um grande descontentamento em seus apoiadores e correligionários na esquerda. E, nas eleições gerais de 2019, o partido Nova Democracia, de Mitsotakis saiu vencedor por larga margem, abrindo espaço para o início de um novo ciclo na política e na economia da Grécia ― pró-União Europeia, pró-americano, pró-reformas, pró-business e pró-crescimento.
Ex-banqueiro e ex-consultor da McKinsey, umas das principais empresas internacionais de consultoria, Mitsotakis, de 56 anos, vem implementando uma agenda ambiciosa de reformas, que tem contribuído de forma decisiva para a melhoria dos indicadores econômicos e para a mudança de percepção em relação à Grécia, não só de parte dos investidores e financistas internacionais, mas também dos líderes da Europa e de países de outras regiões.
“Ele tem deixado o panorama econômico mais saudável, uma base econômica mais forte do que qualquer governo anterior da Grécia conseguiu em muito tempo”, afirmou Paschal Donohoe, ministro do Gasto Público, do Desenvolvimento e de Reformas da Irlanda e comandante do Eurogroup, órgão informal que reúne ministros de países da zona do euro para debater assuntos relacionados à moeda europeia, no ano passado.
Acho que a gente provou que é possível cortar impostos e impulsionar um crescimento elevado, mantendo a saúde fiscal
Kyriakos Mitsotakis, primeiro-ministro da Grécia
Além da volta do crescimento, dos superávits fiscais, da redução da dívida pública, da recuperação do grau de investimento e da queda significativa do desemprego, Mitsotakis promoveu um corte de impostos, para alavancar os investimentos privados, sem comprometer o resultado fiscal, na contramão do que haviam recomendado os credores da Grécia no início da crise e da política fiscal implementada por Lula hoje no Brasil, centrada no aumento das receitas para cobrir a gastança do governo.
“Eu acho que a gente provou que é possível cortar impostos e impulsionar um crescimento elevado, mantendo a saúde fiscal ― e eu espero que a nossa dívida em relação ao PIB continue a cair significativamente”, disse Mitsotakis na entrevista à Bloomberg. “Eu também acho que a gente provou que, se você reduzir os impostos numa economia que tem certa propensão para a sonegação, isso pode, de fato, aumentar a arrecadação.”
Defensor de um setor público enxuto, ele promoveu uma onda de privatizações nas áreas de turismo e de infraestrutura e vendeu as participações acionárias do governo em empresas de gás e eletricidade e no aeroporto de Atenas. Agora, a plano é acelerar a venda das participações em grandes bancos gregos adquiridas no auge da crise, com o objetivo de preservar a saúde financeira das instituições e os depósitos da clientela.
Na gestão de Mitsotakis, a Grécia também alterou a legislação para facilitar exploração de petróleo e realizou uma reforma trabalhista que permitiu a demissão sem aviso prévio e sem a necessidade de o empregador explicar os motivos do desligamento. A reforma, destinada a dar mais flexibilidade às relações de trabalho no país, ainda restringiu o direito de greve e substituiu as negociações coletivas dos trabalhadores por acordos fechados no nível das empresas, que havia sido implementada por pressão dos países europeus e do FMI, mas depois foi revogada no governo de Tsipras.
Pagamento da dívida
Com a volta do crescimento e a melhora nas finanças públicas, a Grécia antecipou, em 2022, o pagamento de 2,65 bilhões de euros (US$ 2,9 bilhões) de sua dívida com os credores europeus. Pagou também mais 1,86 bilhão de euros (US$ 2 bilhões) ao FMI dois anos antes do vencimento, liquidando o que restava de sua dívida com a instituição. Neste ano, o plano é pagar mais 5 bilhões de euros (US$ 5,4 bilhões) antes do vencimento aos países da zona do euro, para continuar a reduzir o tamanho da dívida.
A retomada da economia ainda permitiu ao governo de Mitsotakis aumentar o salário mínimo para 780 euros (US$ 842) no começo de 2023, com a promessa de elevá-lo para 950 euros (US$ 1.026) até o fim de seu mandato, em 2027. Pela primeira vez desde o corte de 20% nos salários do funcionalismo, em meados da década passada, os servidores também deverão receber um reajuste, sem que, para isso, as contas públicas fiquem no vermelho e o governo tenha de endividar mais o país.
O “renascimento” da Grécia nos últimos anos se deve, em boa medida, ao receituário adotado por Mitsotakis na economia, que vai na direção oposta do adotado pelo governo Lula no Brasil. Mas, para que não haja uma marcha à ré e para que os resultados positivos se consolidem ao longo do tempo, o país ainda tem um longo caminho pela frente. Ainda assim, as conquistas alcançadas recentemente pela Grécia e sua passagem pelo purgatório na década passada oferecem lições relevantes ao Brasil, ao permitir uma melhor compreensão do que pode e do que não pode levar um país para a bancarrota ou para a prosperidade.
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