Frustração de receita e descumprimento da meta de déficit zero, prometida pela equipe econômica para 2024. Este é o cenário desenhado pelos economistas que se debruçam sobre o rumo das contas públicas. Na série de entrevistas publicada pelo Estadão, nos últimos dias, eles afirmam que é evidente o quadro de dificuldade para o governo na área fiscal.
O desafio das contas públicas passa por uma revisão das despesas, não apenas para melhorar os números no curto prazo, mas também para avançar no debate sobre a qualidade do gasto e endereçar um ajuste estrutural que possa, de fato, tirar a preocupação fiscal da pauta econômica.
“Eu volto ao argumento de que o País deveria fazer (o ajuste) pelo lado da despesa, colocar esse processo de reforma do Estado em larga medida e trazer um elemento central, que eu chamo de gestão eficiente dos recursos, para poder fechar finalmente essa equação do ajuste fiscal”, diz Ana Paula Vescovi, economista-chefe do banco Santander e ex-secretária do Tesouro.
Em 2024, para zerar o rombo das contas públicas, o governo prevê ampliar a arrecadação em R$ 168,5 bilhões, mas nas contas da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado Federal, o governo deve conseguir R$ 51,9 bilhões.
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“Boa parte das frustrações está relacionada à questão do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais). Pode ter resistência também para a aprovação (do aumento da tributação) dos fundos fechados nos moldes do que o governo está anunciando”, diz Vilma Pinto, diretora da IFI.
Para tentar turbinar a arrecadação, o Ministério da Fazenda enviou uma série de projetos ao Congresso Nacional. O governo já conseguiu aprovar a lei do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), que retoma o voto de qualidade a favor da Fazenda. Mas há medidas que não têm amplo apoio dos parlamentares, como as que tributam os investidores de fundos offshore, fora do País, e exclusivos, também chamados de fundos dos “super-ricos”.
“Quando a gente percorre a lista do que o governo ofereceu, por exemplo, o negócio das offshores ou o negócio dos fundos fechados, qualquer um deles, você não consegue encontrar os R$ 168 bilhões”, afirma Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central. “O governo tem de ter juízo e fazer reformas que permitam cortar gastos.”
De fato, a meta do governo de zerar o déficit primário – com limite de tolerância de 0,25 ponto porcentual para mais ou para menos - é classificada como bastante ambiciosa pelos economistas. A conta fica ainda mais difícil de fechar porque o governo tem bancado gastos bilionários: concedeu reajuste real (acima da inflação) para o mínimo, aumentou o salário de servidores e ampliou os recursos para os programas de transferência de renda.
“Eu acho que o desafio do governo é gigantesco para o ano que vem. Ele anunciou uma meta zero, não precisaria ter anunciado essa meta, que era muito ousada desde o início”, afirma Felipe Salto, economista-chefe e sócio da Warren Rena.
E mudar a meta pode trazer risco reputacional para o governo Lula, afirma Manoel Pires, coordenador do Observatório Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas. Ele pondera, no entanto, que o sucesso da equipe do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, depende de entregar um Orçamento de 2024 “exequível” e, ao mesmo tempo, que melhore o resultado fiscal.
“Isso tem custo, mas acho que a perspectiva mais correta é trabalhar dentro do arcabouço com um cenário de melhora gradual do resultado fiscal nos próximos anos”, diz Pires.
A avaliação do economista Samuel Pessôa, também pesquisador do Ibre, é a de que não será um grande problema descumprir a meta de resultado primário zero em 2024. Se esse cenário se confirmar, ele diz que o ideal é deixar o arcabouço fiscal funcionar. As despesas, então, poderão crescer apenas 50% do avanço da receita - e não mais os 70% como prevê a regra original. O pior, diz ele, seria mudar o número a ser perseguido da meta ou o marco fiscal.
“Não tem motivo para mudar (meta). A primeira informação importante é que ele não deve mexer em nada, não deve mexer na regra que criou, não deve mexer na meta que criou”, afirma Pessôa.
Até 2026, quando se encerrar o terceiro mandato de Lula, Pessôa avalia que a economia brasileira deve enfrentar momentos de estresse por causa da política fiscal. Ele enxerga uma lógica na qual o presidente é o árbitro de um cabo de guerra entre o grupo político, que deseja ampliar os gastos, e a Fazenda, “que quer colocar um pé no freio”.
“Quando a situação - via resposta do mercado - começa a ficar ruim, o presidente dá mais poder para a Fazenda. Quando nós estamos num período de bonança no mercado, o núcleo político vai ficando mais forte. É essa a economia política que vai vigorar até o final do mandato.”
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