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Onde está a recessão? Economia dos Estados Unidos está desafiando as probabilidades

Donos de empresas começaram o ano se preparando para o pior, na expectativa de cortar orçamentos e demitir, mas o verão americano está se tornando um período de crescimento inesperado

Por Abha Bhattarai
Atualização:

Bob Basu ficou surpreso quando a demanda por facelifts, abdominoplastias e lipoaspirações disparou no início da pandemia. Mas a surpresa é bem maior com o fato de ela não ter acabado ainda — em meio a uma recuperação de três anos e um verão movimentado, quando, segundo a maioria das previsões, a economia deveria estar em profunda recessão.

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Em vez disso, a clínica do cirurgião plástico de Houston vai de vento em popa. Os procedimentos cosméticos dobraram em relação ao período anterior à pandemia e a expectativa é que eles aumentem mais 15% este ano. Ele aumentou os preços, contratou outro cirurgião e, mesmo assim, está com a agenda lotada até quase o fim do ano.

“Toda festa tem seu fim, mas esta continua rolando”, disse Basu. “A nossa previsão era de que as coisas iriam esfriar este ano — as pessoas estão enfrentando a inflação, estão preocupadas com a recessão e a volatilidade econômica. Mas digo com alegria que estava errado: a demanda só cresce.”

Não é nenhum segredo que os Estados Unidos parecem ter se esquivado dos piores temores dos economistas de uma recessão. Muitos donos de empresas começaram 2023 se preparando para o pior — na expectativa de cortar orçamentos e demitir funcionários. Esse medo era particularmente agudo para aqueles, como Basu, em setores da economia especializados em coisas desejáveis, mas não necessárias, que muitas vezes são as primeiras a serem cortadas quando a situação fica difícil.

Entretanto, o verão de 2023 está se tornando um período de crescimento inesperado. Com a taxa de desemprego perto do menor nível registrado em 50 anos, a inflação diminuindo e os salários aumentando mais rápido que os preços, as empresas e as famílias ainda estão gastando: os pedidos de produtos fabricados nos EUA dispararam em junho e dados recentes mostram que as vendas no varejo e as despesas com restaurantes subiram pelo quarto mês consecutivo em julho. O Fed de Atlanta agora prevê que o crescimento econômico chegará a 5% neste trimestre.

Concessionária de motocicletas BMW e Ducati nos EUA planeja vender recorde de 550 motos este ano, ante 400 em 2022 Foto: Ducati via The New York Times

As motocicletas da Ducatis e da BMW estão sendo vendidas como pão quente. As reservas para cruzeiros estão atingindo recordes. E multidões estão gastando bilhões para ver Taylor Swift, Beyoncé e “Barbie”. De um modo geral, os americanos gastaram mais com restaurantes, bares, lojas de roupas e de ferragens em julho do que no mês anterior, de acordo com os dados federais.

“Tivemos três anos de momentos incomuns e intrigantes e, sinceramente, este verão é apenas mais um deles”, disse Claudia Sahm, fundadora da empresa de consultoria Sahm Consulting e ex-economista do Federal Reserve. “As pessoas falam em recessão há dois anos — até mesmo desejando isso —, mas a economia ainda está forte. A inflação está diminuindo, o desemprego está permanecendo baixo. As coisas não estão desmoronando.”

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Os donos de negócios em todo o país dizem que a demanda continua intensa. Apesar das precauções anteriores, como cortes no marketing ou atrasos em investimentos, muitos dizem estar positivamente surpresos com o fato de as pessoas continuarem gastando. Em vez de demitir funcionários, alguns estão contratando mais trabalhadores ou oferecendo horas extras para poder dar conta da demanda.

Na cidade de Coeur d’Alene, Idaho, Kelicia e Ken Thompson compraram recentemente uma segunda van para dar conta da demanda por tosas, cortes de unhas e esfoliações faciais de animais de estimação. O serviço de cuidados para pets móvel tem 120 clientes recorrentes, além de uma lista de espera que passou de uma dúzia de pessoas para mais de 45 em questão de meses.

“Chegamos a um ponto em que temos de dizer às pessoas: ‘estamos tão ocupados que não fazemos ideia de quando será possível encaixar você na nossa agenda’”, disse Kelicia. “Se tínhamos alguma preocupação em relação a este ano, elas sumiram rapidinho.”

Conforme as boas notícias se acumulam, economistas e analistas estão reavaliando suas previsões de uma recessão – empurrando suas projeções para uma retração econômica num futuro mais distante ou descartando-as completamente. Os funcionários do Fed, que estavam preocupados com uma recessão “moderada” no primeiro semestre, não esperam mais uma desaceleração iminente. E os economistas dos dois maiores bancos do país, JPMorgan Chase e Bank of America, recentemente jogaram fora suas previsões de recessão e disseram esperar que o crescimento econômico continue até o fim de 2024.

“A combinação de geração de empregos forte, número de vagas alto e demissões limitadas não é um indicativo de uma recessão”, Michael Feroli, economista-chefe do JPMorgan nos EUA, escreveu em uma nota de pesquisa este mês. “A probabilidade de uma retração diminuiu.”

Bob Henig, dono de uma concessionária de motocicletas BMW e Ducati em Jessup, Maryland, planeja vender um recorde de 550 motos este ano, em 2022, vendeu 400. Ele esperava que as vendas caíssem este ano, como aconteceu no início da Grande Recessão, quando uma interrupção repentina na demanda levou a dois anos de prejuízos e demissões.

Entretanto, os negócios estão em alta, apesar dos preços altos e das taxas de juros maiores. As vendas estão prestes a aumentar 7% este ano — abaixo dos 9% de crescimento que Henig registrou no ano passado, mas ainda está bem distante da queda de 14% de 2009.

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“As pessoas têm falado de um tudo sobre recessão, e nós já passamos por isso antes, então apertamos nossos cintos”, disse ele. “Porém, agora estamos olhando em volta e simplesmente não vemos nenhum sinal de desaceleração. Nossas vendas continuam crescendo.”

Implícita nesse momento favorável, no entanto, está uma sensação de que a economia ainda pode azedar — mesmo que não seja tão cedo, ou tão drasticamente como se temia antes. O Fed aumentou as taxas de juros enfaticamente na esperança de abrandar a economia o suficiente para controlar a inflação. E embora isso esteja começando a funcionar — a inflação, a uma taxa anual de 3,2%, caiu consideravelmente em relação ao pico de 9,1% registrado neste período no ano passado —, também está desacelerando partes importantes da economia, entre elas a contratação, habitação e produção. Apesar desse abrandamento ter sido gradual até agora, não está claro por quanto tempo isso pode continuar.

Há preocupações constantes de que a economia dos EUA talvez ainda esteja muito aquecida, o que poderia levar o Fed a manter as taxas de juros altas por mais tempo Foto: Nathan Howard/Bloomberg

Como consequência, muitos empresários dizem estar suspendendo investimentos e expansões, embora a demanda esteja excepcionalmente robusta. Os custos maiores e as condições mais rigorosas para tomar empréstimos também são fatores para essas decisões.

Hening, por exemplo, está guardando na gaveta os planos de um novo depósito e espera gastar US$ 20 mil com novos elevadores para motocicletas. Há pouco tempo, quando sua loja precisou de uma reforma, ele e um funcionário consertaram o drywall, trocaram instalações e pintaram o showroom em vez de contratar alguém para fazer os serviços.

“Mesmo com os negócios a todo vapor, estamos sendo muito cautelosos com quaisquer gastos desnecessários”, disse ele. “Não estou cancelando os planos de expansão, mas também não vou começar a investir nisso até ter certeza de que não vai ser preciso entrar no modo de sobrevivência.”

Muitos ainda estão esperando para ver como serão os próximos meses. Há sinais de possíveis problemas — os americanos estão atingindo níveis recordes de endividamento para bancar suas despesas e as taxas de inadimplência de hipotecas e de financiamentos de carros estão aumentando aos poucos. Há também preocupações constantes de que a economia talvez ainda esteja muito aquecida, o que poderia levar o Fed a manter as taxas de juros altas por mais tempo, aumentando as chances de uma desaceleração.

Mas, por enquanto, o otimismo é abundante. Os executivos da Royal Caribbean Group, que opera 63 navios de cruzeiro em todo o mundo, disseram que as viagens deste verão “superaram as expectativas significativamente”. A empresa arrecadou US$ 6,4 bilhões no primeiro semestre do ano, o dobro do que faturou no mesmo período em 2022. As reservas para 2024 já atingiram recordes.

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“Sem dúvida o contexto de demanda muito saudável que estamos vendo é bastante encorajador”, disse o CEO Jason Liberty numa divulgação de resultados no mês passado. “O que tem sido uma surpresa para nós é... a demanda continuar atingindo níveis recordes consideravelmente” mesmo com os preços aumentando.

A história é parecida em Houston, onde a clínica de cirurgia plástica de Basu está recebendo dezenas de novas ligações por dia. O aumento da procura começou em meados de 2020, quando boa parte do país ainda estava confinada. As pessoas estavam trabalhando de casa, onde passavam várias horas por dia encarando o próprio rosto no Zoom. “A demanda veio das coisas que elas passaram a observar”, disse Basu. Os agendamentos para lifting de pescoço, facelifts e cirurgia de mamas atingiram novas máximas.

Esse ritmo acelerado continuou, mesmo depois da vida voltar ao normal. As pessoas estão marcando os procedimentos com maior antecedência para que possam agendar férias e compromissos de trabalho presenciais, disse Basu. Ele continua contratando e espera adicionar mais alguns cirurgiões, enfermeiras e anestesistas ao quadro de funcionários da clínica.

“É difícil de acreditar, mas ainda estamos no modo de expansão”, disse Basu. “É claro que é recomendável ser criterioso — lemos as manchetes como todo mundo —, mas não há sinais de desaceleração.”/Tradução de Romina Cácia

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