‘Pelo bem ou pelo mal’ será preciso mudar pisos de saúde e educação, diz relator do Orçamento

Quem estiver na Presidência a partir de 2031 não terá ‘a menor margem para governar o País’ se esse assunto não for rediscutido, prevê o senador Confúcio Moura

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BRASÍLIA - O relator do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2025, senador Confúcio Moura (MDB-RO), disse em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast Político que, “pelo bem ou pelo mal”, será necessário rever pisos constitucionais para saúde e educação e outras vinculações no Orçamento da União.

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“Até 2030, vocês são novos e verão isso, pelo bem ou pelo mal será necessário fazer essas mudanças”, afirmou o senador, que faz parte da base de apoio ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Confúcio, porém, disse não acreditar que essa mudança venha durante o mandato do atual presidente. Segundo ele, não há clima político para esse tipo de debate nos próximos dois anos.

“Mais cedo ou mais tarde, vai ter de ter uma mexida constitucional. Hoje, não tem (clima político). Nesses dois anos do Lula, não dá. (Tem que rediscutir) Todos os recursos vinculados. A Previdência é quase R$ 1 trilhão, os salários de servidores públicos são quase R$ 500 bilhões, pisos de educação e saúde, fundos constitucionais, transferências obrigatórias para Estados e municípios... A desvinculação desses porcentuais (é importante) para deixar um pouco mais flexível, para ir jogando, às vezes a saúde está precisando de mais dinheiro, vai de acordo com o bom senso do administrador”, afirmou.

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'Hoje ficam cerca de R$ 100 bilhões para tudo: arrumar rodovias, fazer hospital novo, investir em saneamento, pagar água e luz, comprar um avião e carros novos; em 2030, vão sobrar só R$ 30 bilhões', diz Confúcio  Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Depois de 2026, no entanto, Confúcio avalia que será necessário ter esse debate, sob pena de o presidente da República eleito em 2030 não ter margem para cumprir suas promessas de campanha. O senador disse que o chefe do Executivo a partir de 2031 não terá “a menor margem para governar o País” se esse assunto não for rediscutido.

“Hoje, o governo tem em torno de R$ 230 bilhões para fazer tudo de discricionário. Quando tira emendas parlamentares e porcentuais de saúde e educação, ficam cerca de R$ 100 bilhões para tudo. Para arrumar rodovias, fazer hospital novo, investir em saneamento, pagar água e luz, comprar um avião e carros novos. Isso é crescente. No ano que vem, vão sobrar R$ 80 bilhões ou R$ 70 bilhões. Em 2030, vão sobrar só R$ 30 bilhões. Quero saber o que o presidente que for eleito em 2030 vai fazer. Ele não tem a menor margem para governar o País. O que ele prometer em campanha não vai cumprir”, declarou.

Medida para ‘raspar o tacho’

A única solução que não envolve rever essas vinculações no Orçamento, segundo Confúcio, seria permitir, por uma alteração constitucional, o uso de recursos de fundos. Isso, de acordo com o senador, seria como “raspar o tacho”. “Só tem essa possibilidade e seria uma coisa temporária”, comentou.

Questionado sobre o anúncio feito pela ministra do Planejamento, Simone Tebet, sua correligionária de MDB, a respeito de medidas de corte de gastos, o relator da LDO ressaltou que esse debate “está ainda no campo técnico”.

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“Ela (Tebet) tem falado isso, mas está ainda no campo técnico. A discussão está com ela e Haddad no campo dos técnicos. Ainda precisa chegar ao aspecto político, no presidente (Lula), que analisa e verifica se aceita fazer aquilo. Ele pode precisar de voto para fazer emenda constitucional ou alteração legislativa. No ano que vem, tem as eleições para as presidências das duas Casas e o presidente Lula não tem a certeza do ambiente que vai ter”, analisou.

O impasse com as emendas

Confúcio disse que pretende esvaziar os recursos das emendas de comissão na proposta que balizará o Orçamento do ano que vem. Também indicou que pretende avaliar se os deputados e senadores aceitam dividir parte desse dinheiro com o governo federal, para que a verba seja direcionada ao novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), e disse que uma lei complementar é que trará regras duradouras para a questão das emendas.

“A emendas de comissão foram enriquecidas com recursos que eram de RP9 (emendas de relator, do chamado orçamento secreto), mas agora temos que tirar (o dinheiro das emendas de comissão) para atender ao Supremo Tribunal Federal. Esse recurso deve ser destinado para outro indexador”, disse Confúcio.

Segundo o senador, as mudanças para atender à determinação do ministro do Supremo Flávio Dino devem ser feitas na própria LDO. Paralelamente a isso, o Congresso deve analisar, ainda, um projeto de lei complementar em elaboração, já que as regras da Lei de Diretrizes Orçamentárias são aplicadas apenas no ano específico.

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“Ontem (quarta-feira, 16), teve uma reunião (entre Rodrigo Pacheco e Arthur Lira). Infelizmente, não participei porque estava fora de contato. A LDO caminhará em paralelo com um projeto, não sei se será de minha iniciativa ou de iniciativa do Executivo. A LDO vai resolver (as questões apontadas por Flávio Dino) por um ano, porque tem vigência para 2025. E, em paralelo, um projeto de lei complementar caminhando mais ou menos com a redação que vou deixar [na LDO] para ter regras duradouras”, afirmou o senador.

Confúcio Moura confirmou que as propostas na mesa de negociação envolvem, por um lado, destinar parte do dinheiro das emendas de comissão para o Poder Executivo - que pretende turbinar o PAC com esses recursos - e, por outro, manter sob a tutela do Congresso as emendas.

“Todas essas propostas estão em curso. O relatório tem que ser ‘votável’. Vamos sondar os membros da Comissão Mista de Orçamento. Não é o que eu quero colocar, não vou impor”, declarou.

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“Isso tudo vamos sentir com as pessoas. Hoje, tem obra do PAC em todos os Estados. E o PAC não tem um orçamento pronto. O governo fica procurando dinheiro para compor (o orçamento do programa). Vamos sentir dos parlamentares se eles concordam com essa distribuição. E, no modelo de transparência, que eles possam escolher as obras do PAC. Os parlamentares definem se vai ser direcionado para creche, escola, hospital, trecho rodoviário”, completou.

O senador disse que “todo mundo está preocupado”, tanto do lado do Palácio do Planalto, quanto do Congresso. O senador detalhou como estão sendo as negociações em torno dos principais tópicos envolvendo as emendas parlamentares:

  • Emendas de comissão: Além do impasse sobre a distribuição entre o Congresso e o Executivo, o relator da LDO confirmou a possibilidade de criação de uma nova modalidade de emendas, as emendas de liderança. No entanto, indicou preferir uma distribuição que não faça distinção entre os líderes partidários e os demais parlamentares. Para ele, o modelo atual das emendas de comissão privilegiam a distribuição pelas lideranças. “Indo para um outro indexador, precisa saber como deixar transparente. Dois terços (do dinheiro) vão para a Câmara e um terço fica com o Senado. Hoje, na realidade, os líderes dão a destinação desses recursos. Temos de encontrar um mecanismo que seja para todos”, afirmou. O esvaziamento das emendas de comissão é praticamente certo, mas o que governo e o Congresso ainda não definiram é quem vai ficar com esse dinheiro.
  • Emendas Pix: Confúcio Moura disse que deve incluir no relatório da LDO regras claras de transparência para as emendas individuais de transferência direta, que ficaram conhecidas como “emendas Pix”. A alcunha veio pelo fato de essas emendas serem destinadas diretamente às prefeituras, que podem gastar o dinheiro como quiserem, diferente do que ocorre com o restante das emendas individuais, que têm mecanismos de controle mais rígidos. Segundo o senador, a LDO do ano que vem terá regras mais claras. “Dino pede, basicamente, transparência e rastreabilidade. Em todas elas. Vamos nos deter nesse quesito. Ele quer muitas mudanças nas transferências diretas para os municípios (emendas Pix). O dinheiro vai, prefeito faz o que quer e ninguém sabe o que foi feito. Agora, vai ter o autor da emenda, qual é a prefeitura que recebeu e para que foi o dinheiro”, afirmou.
  • Emendas de bancada: O principal entrave sobre essa modalidade é a caracterização do que são “obras estruturantes”. Essa questão vai desde uma interpretação mais restritiva, de que deveria ser voltada a grandes obras, como a construção de uma ponte, um complexo hospitalar, uma linha do metrô ou um sistema de saneamento, até outras mais abrangentes, que envolveria os equipamentos a serem utilizados nas obras construídas. “Fazer um hospital é uma obra estruturante. Mas se faz um hospital, como ele vai funcionar sem pessoal, equipamento? Obra estruturante eu acho que é o conjunto completo. Obra estruturante de um hospital significa todos os departamentos suficientemente equipados e funcionando. A despesa de custeio é o que entra no dia a dia, compra de remédios, insumos, conta de energia. Isso é diferente, é no decorrer da obra”, afirmou.

O relator da LDO disse ter conversado sobre o assunto com o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luís Roberto Barroso, e que quer compreender o que o ministro Flávio Dino entende por “obras estruturantes”. Também declarou que pretende criar uma regra para que as emendas de bancada possam ser divididas em até dez partes. “Hoje em dia, se fala que emenda de bancada é ‘rachadinha’, mas nenhum Estado pequeno tem um projeto pronto para receber R$ 560 milhões, que é aproximadamente o valor das emendas de bancada neste ano. Se mando para Rondônia, meu Estado, R$ 560 milhões para obras estruturantes e o governador não tiver o projeto pronto, o dinheiro volta”, afirmou. A sugestão dele é que cada bancada estadual possa dividir esse montante em até dez emendas, que seriam destinadas como os parlamentares dos Estados decidirem.

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