Orçamento: relator estima superávit de R$ 15 bilhões, mas ignora gastos maiores e receita menor

Governo Lula poderá ser obrigado a cortar despesas e impor bloqueios ao longo do ano para cumprir regras fiscais

PUBLICIDADE

Foto do author Daniel  Weterman
Atualização:

BRASÍLIA - O relator do Orçamento de 2025, senador Angelo Coronel (PSD-BA), apresentou o parecer do projeto com um superávit de R$ 15 bilhões nas contas públicas neste ano. O relatório, porém, ignorou o aumento de gastos obrigatórios e os riscos de uma arrecadação menor projetados por especialistas e por consultores do próprio Congresso Nacional.

PUBLICIDADE

O Orçamento está em votação no Congresso nesta quinta-feira, 20. Se as projeções dos técnicos se confirmarem, ele estará inflado e será preciso um corte nas despesas do governo federal ao longo do ano para cumprir a chamada meta de resultado primário, que é o equilíbrio entre receitas e despesas, e o arcabouço fiscal, que limita os gastos federais.

O Congresso optou por reestimar para cima a arrecadação federal neste ano e por ampliar o espaço para emendas parlamentares em relação ao projeto encaminhado pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, enquanto técnicos recomendavam uma abordagem mais conservadora devido à dinâmica da economia neste ano.

Senador, Angelo Coronel (PSD-BA), relator do Orçamento de 2025 Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados

“O Orçamento é justo, equilibrado e atende as necessidades do Brasil”, disse Angelo Coronel ao ler o parecer na Comissão Mista de Orçamento (CMO). “Talvez não seja a peça perfeita, mas foi um tempero que pode contemplar o Congresso Nacional, o Poder Judiciário, o Poder Executivo e o povo brasileiro em geral.”

Publicidade

O governo tem uma meta de zerar o déficit nas contas públicas em 2025, mas há uma tolerância de um resultado negativo de R$ 31 bilhões autorizado pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). O cumprimento dessa meta só será possível porque o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou o Poder Executivo a retirar R$ 44,1 bilhões em despesas com precatórios da meta. Sem os precatórios, o governo previa um superávit de R$ 3,7 bilhões quando enviou o Orçamento ao Congresso. Com as alterações do Congresso, o superávit subiu para R$ 15 bilhões.

O aumento do superávit no projeto foi possível principalmente pelo aumento na previsão de arrecadação dos impostos federais. Houve uma reestimativa de R$ 22,5 bilhões nas receitas. “Em razão do teto de gastos em vigor, o excesso de arrecadação estimado no Relatório da Receita, após a repartição tributária com Estados, Distrito Federal e Municípios e a complementação da União ao Fundeb, contribui para melhorar a projeção desse resultado”, escreveu o senador no relatório.

Na proposta, está a previsão de R$ 28,6 bilhões de arrecadação pela volta do voto de qualidade no Carf (Conselho de Administrativo de Recursos Fiscais), o tribunal da Receita Federal. Em 2024, o governo disse que poderia arrecadar R$ 54,7 bilhões com essa medida, mas menos de R$ 300 milhões entraram de fato nos cofres públicos.

Para 2025, integrantes da equipe econômica já admitiram que a medida não vai gerar os efeitos pretendidos mais uma vez. Além disso, a dinâmica da economia e a previsão de um crescimento menor neste ano levaram técnicos a recomendarem um tratamento mais conservador do Orçamento, o que não ocorreu.

Publicidade

O senador Angelo Coronel aumentou a projeção de gastos com benefícios previdenciários em R$ 8 bilhões, após o aumento do salário mínimo e da inflação, que impactam diretamente no valor dos pagamentos aos aposentados e pensionistas e também no seguro desemprego e no abono salarial. O valor foi apresentado pelo Ministério do Planejamento e Orçamento e o relator resolver atender exatamente o que o governo solicitou nesse ponto.

Consultores da Câmara dos Deputados, porém, indicaram que o aumento de despesas obrigatórias vai gerar uma pressão de R$ 32,8 bilhões no Orçamento deste ano, em função dos reajustes do salário mínimo e da inflação. Na prática, o governo deve ser obrigado a cortar gastos e não executar o Orçamento que está sendo aprovado para cumprir as regras fiscais. A pedido do governo, houve de R$ 7, 7 bilhões no Bolsa Família e de R$ 4,8 bilhões no programa de ensino integral para incorporar medidas de pente-fino e o pacote de corte de gastos aprovado no ano passado.

A Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado aponta que o governo deve fechar o ano com um déficit de aproximadamente R$ 15 bilhões nas contas, na contramão do superávit de R$ 15 bilhões apontado pelo relator. De acordo com o diretor-executivo da IFI, Marcus Pestana, o Orçamento ainda está distante de equilibrar a contas a ponto de estancar o crescimento do endividamento público, que atingiu 75,3% do PIB em janeiro e deve ultrapassar 80% do PIB no final do ano. “O orçamento é uma bússola e tem uma solidez de projeções, mas a realidade vai indicar o grau de irrealismo da peça orçamentária”, diz Pestana.

O forte comprometimento do Orçamento com despesas obrigatórias, como salários e aposentadorias, e transferências diretas de programas sociais, como o Bolsa Família, ainda é um problema a ser enfrentado e o Orçamento continua dependendo do crescimento das receitas. No primeiro bimestre de 2025, o governo teve um crescimento real de 3% na arrecadação. O resultado daqui para frete, no entanto, pode ser impactado pelo desempenho da economia, pela redução da massa salarial, pelo aumento da taxa de juros e pelo cenário internacional com a política do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

Publicidade

PUBLICIDADE

“Não vemos dificuldade de o governo cumprir a meta, mas isso se dá num quadro muito distante de um objetivo estratégico, que é gerar um superávit primário de 2,5% do PIB para estancar o crescimento da dívida, e com um patamar de investimentos absolutamente medíocre comparado a outros países com taxas mais promissoras”, afirma o especialista. Os investimentos somaram R$ 89,4 bilhões no relatório, valor considerado pequeno para Pestana quando comparado com um Orçamento de R$ 2,3 trilhões.

Há outras pressões que também foram ignoradas no relatório. As despesas do programa Pé-de-Meia precisarão entrar no Orçamento, conforme decisão do Tribunal de Contas da União (TCU), mas a inclusão ainda não foi sacramentada. Conforme o Estadão mostrou, o relator não atendeu ao pedido do governo Lula e deixou de fora da peça orçamentária a autorização para que o benefício fosse incluído posteriormente nas contas do governo sem autorização do Congresso. Segundo a Corte de Contas, o Poder Executivo precisará elaborar uma proposta para resolver a situação e as despesas precisarão ser aprovadas pelo Legislativo.

Há ainda R$ 8 bilhões para o Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais, criado pela reforma tributária, que não foram incluídos. A reforma obriga a União depositar o valor em 2025, mas o governo não incluiu o recurso no Orçamento deste ano e o relator colocou apenas R$ 80,9 milhões. Por outro lado, a pedido do Poder Executivo, o senador deixou uma autorização para que o governo acrescente essa despesa por ato próprio ao longo do ano. Para isso, terá que cortar outras despesas para não comprometer a meta fiscal. Esse fundo está fora do teto do arcabouço fiscal, mas impacta no equilíbrio entre receitas e despesas.