Os Buffetts da China

Oráculo de Omaha tem muitos fãs chineses, mas poucos deles podem ser realmente considerados seus seguidores

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Por Redação
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Na condição de segunda pessoa mais rica do mundo, e com meio século de investimentos bem-sucedidos nas costas, Warren Buffett é conhecido no mundo inteiro. Mas, na China, ele é um pouco mais que isso: é uma celebridade. Em março, uma edição especial da Cherry Coke, estampando uma caricatura do investidor no rótulo, chegou às prateleiras dos supermercados chineses (Buffett não só adora o refrigerante, como é o maior acionista da Coca-Cola). Ontem, milhares de investidores chineses eram aguardados em Omaha, onde participariam da assembleia anual de acionistas da Berkshire Hathaway, holding de Buffett, e um número ainda maior deles deve ter assistido à transmissão ao vivo, por streaming, do evento. A única língua estrangeira para a qual houve tradução simultânea foi o mandarim. Os que perderam a transmissão podem consultar um dos inúmeros livros de autores chineses sobre os princípios que Buffett adota para multiplicar seu dinheiro.

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A envergadura de Buffett na China se deve, em parte, a uma feliz coincidência. O mercado de ações do país foi criado em 1990, momento em que a reputação do oráculo de Omaha começava a florescer. Comparados às frequentes e abruptas altas e baixas das bolsas chinesas, os retornos consistentes da Berkshire Hathaway são realmente invejáveis. Para os investidores chineses de sucesso, são poucas as honrarias que superam a glória de ser nomeado o “Warren Buffett da China”. Atualmente, o título é conferido a não mais do que dez magnatas das finanças.

O problema é que, no contexto chinês, atribuir a alguém as habilidades de um Warren Buffett tem se mostrado, nos últimos tempos, menos um sinal de distinção do que de alerta. Os supostos discípulos do investidor americano vêm se metendo numa encrenca atrás da outra. Um deles foi preso por manipular o mercado. Um segundo está há meses na cadeia, onde é mantido incomunicável. Um terceiro caiu nas malhas de um inquérito governamental.

O abismo entre a veneração a Buffett e as agruras dos que supostamente tentam imitá-lo aponta para a complicada realidade do mundo das finanças na China. Os investidores chineses estão se sofisticando e os gestores de fundos de investimento, que até pouco tempo eram menosprezados, passaram a desempenhar papel mais importante no mercado. Buffett é profundamente respeitado pela visão de longo prazo que adota ao selecionar as empresas em que pretende investir. Mas, ao arregaçar as mangas e pôr mãos à obra, muitos investidores chineses optam por abordagens agressivas, arriscadas e financiadas com alto grau de endividamento: são o produto de um mercado acionário que ainda não tem nem três décadas de existência e de uma economia que, ao longo desses anos, viveu poucos momentos de forte desaceleração.

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Considere-se os dois investidores mais frequentemente comparados a Buffett. Um deles é Guo Guangchang, presidente da Fosun, conglomerado com atuação em diversos setores, de mineração a turismo. Há uma semelhança superficial entre a Fosun e a Berkshire Hathaway: ambas financiam parte de seus investimentos com a venda de seguros. Porém, as diferenças entre as duas não são menos significativas. Ao longo dos últimos dez anos, a Berkshire Hathaway financiou mais de 80% de seus investimentos com o fluxo de caixa gerado por suas operações. No caso da Fosun, o fluxo de caixa responde por menos de 25% dos investimentos. Em razão disso, o endividamento da empresa chinesa é muito maior.

Modelo. Outro investidor chinês conhecido por adotar “o modelo de Warren Buffett” é Wu Xiaohui, da Anbang. O negócio de seguros da Anbang cresceu bastante nos últimos cinco anos: em 2016, seus ativos alcançaram 1,9 trilhão de yuans (US$ 286 bilhões), mais que o triplo do nível em que se encontravam em 2012. Como a Hathaway, a Anbang financia a maior parte de seus investimentos com receitas geradas por sua seguradora. Mas, ao contrário da prudência e estabilidade que caracterizam os negócios de Buffett, Wu aposta sobretudo na venda de apólices de curto prazo e alta rentabilidade, algo que corresponde a uma forma disfarçada de endividamento.

Esses Buffetts chineses agora encaram um duro teste. O governo do país parece estar finalmente falando a sério quando diz que pretende sanear os mercados financeiros, após dez anos de crescimento movido a endividamento desenfreado. As autoridades reguladoras já haviam prometido diversas vezes controlar a oferta de crédito, mas sempre recuavam quando a economia começava a crescer mais lentamente. Nos últimos meses, porém, parecem empenhadas em lançar mão de uma ação mais agressiva. O presidente da China, Xi Jinping, anunciou que o foco da política financeira deve ser a contenção de riscos. Órgãos reguladores do mercado assumiram o compromisso de acabar com os “crocodilos gigantes” que devoram a poupança dos investidores comuns.

O risco para os grandes investidores chineses é duplo. O primeiro é político. As autoridades estão fechando o cerco aos suspeitos de irregularidades. Xu Xiang e Xiao Jianhua, gestores de empresas de investimento secretas, foram apelidados de Buffetts chineses apenas por obterem bons returnos com suas operações. Agora estão atrás das grades: Xu foi preso por manipular o mercado de ações e Xiao está detido como parte de uma investigação de corrupção.

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O segundo risco é financeiro. O principal alvo das autoridades reguladoras são as pequenas seguradoras que apostam em investimentos movidos a endividamento. Fosun e Anbang tiveram de cancelar negócios no exterior no ano passado. No dia 3 deste mês, a Anbang anunciou que processará a revista de negócios Caixin, que acusou a empresa de cometer irregularidades.

O que toda a onda feita em relação a pretensos Buffetts chineses acaba por ocultar é que na China há, de fato, algumas empresas cuja atuação guarda verdadeiras semelhanças com o modelo do investidor americano: são seguradoras de grande porte e atuação prudente, em sua maioria estatais. Seu desempenho (pelo valor contábil por ação, medida preferida de Buffett), ultrapassou o da Berkshire Hathaway na última década, ainda que com mais altos e baixos. Também compartilham de outra característica de Buffett: sua célebre humildade. Não se vangloriaram do sucesso.

THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. TRADUZIDO POR ALEXANDRE HUBNER, PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM.

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