O ovo subiu? Como empresas e consumidor estão lidando com a alta do produto

Restaurantes, pequenos comércios e consumidores estão pagando 25,88% mais caro este ano pelo ingrediente

Atualização:

O rodízio de ovo é a atração principal do Tropeiro do Zezé, em Contagem (MG). Por dia, são servidos de 1,5 mil e 2 mil ovos fritos no restaurante. Por R$ 35 (ou R$ 40 aos fins de semana), por pessoa, o cliente tem direito a um tropeiro e pode comer quantos ovos quiser. Garçons passam com bandejas enormes servindo ovos fritos ao ponto, mal ou bem passados.

Desde o começo do ano, esse rodízio ficou 25,88% mais custoso para o Weverton Teodoro, proprietário do Tropeiro do Zezé. Essa foi a variação no preço do ovo no acumulado do ano detectada pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15). Na ponta do lápis, o empresário está gastando em média quase R$ 200 a mais com ovos todos os dias que abre as portas, em relação a dezembro de 2024.

Weverton Teodoro (ao meio), dono do Tropeiro do Zezé, em Contagem, onde ele serve de 1,5 mil e 2 mil ovos fritos por dia Foto: Washington Alves/Estadão

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Ele já havia reajustado em janeiro o preço do rodízio, que antes custava R$ 32 durante a semana e R$ 38, aos sábados e domingos. “Não tenho como repassar agora, então diminui a margem para não perder o movimento”, diz ele.

A escalada do preço do ovo é decorrente de, pelo menos, três fatores importantes, segundo especialistas: calor extremo, aumento do valor do milho e menor oferta por conta de maiores exportações. “O primeiro fator é a alta do preço do milho, que acumula mais de 30% de aumento acumulado desde julho do ano passado. Outro ponto é o calor extremo. Há relatos de granjas com reduções de níveis de produtividade em torno de 10%, frente aos impactos do calor nas aves”, diz uma nota da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA).

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“As exportações criaram uma oferta menor de ovo no mercado nacional”, diz Marcos Batista, presidente da Associação Brasileira da Avicultura Alternativa (Aval), que engloba os pequenos produtores de ovos caipira. Com a gripe aviária nos Estados Unidos, diz ele, mais de 40 milhões de aves precisaram ser abatidas, afetando o mercado local.

Assim, as exportações brasileiras de ovos (incluindo produtos in natura e processados) aumentaram 57,5% em fevereiro (dado mais recente), informou a ABPA. Ao todo, foram embarcadas 2.527 toneladas no segundo mês deste ano, contra 1.604 no mesmo período do ano passado. Em receita, os embarques totalizaram US$ 4,936 milhões, 63,2% superior ao do mesmo período do ano passado, com US$ 3,024 milhões.

A associação diz, no entanto, que o Brasil deverá produzir este ano 3,6 milhões de toneladas de ovos, enquanto a exportação esperada é de 35 mil toneladas − ou seja, menos de 1% sobre o total produzido, o que seria insuficiente para impacto na oferta doméstica.

Weverton Teodoro, dono do Tropeiro do Zezé, em Contagem, um rodízio de ovos fritos Foto: Washington Alves/Estadão

Substituição

O fato é que a alta no preço tem afetado o orçamento das pessoas. Em São Paulo, a dona da doceria Fioca, no bairro de Santa Cecília, também não teve como escapar dos aumentos. “Subiu o café, subiu tudo”, diz a proprietária Regina Paula. Até o ano passado, ela só usava ovos orgânicos e caipiras de um fornecedor do interior, em todas suas receitas. Esses ovos subiram, mas menos que os ovos comuns.

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“Mas como aqui são cerca de 400 ovos por semana e cada ovo orgânico agora está R$ 2,09, tive de compensar o aumento não só do ovo, mas também do café, trocando parte dos orgânicos por ovos comuns em preparos em que essa mudança não influi muito no resultado”, diz a doceira, que até então não fez repasses para seus clientes.

E o consumidor comum?

“Quando saí do BBB e vi o preço do ovo, fiquei chocada — mas entre pagar caro ou viver sem meus ovinhos, prefiro cortar qualquer outra coisa… menos eles!”, disse a modelo de fisiculturismo Gracyanne Barbosa, que deixou a casa do Big Brother Brasil (reality da Rede Globo) no dia 18 de março.

Gracyanne Barbosa come 40 ovos por dia Foto: @graoficial via Instagram

Nos supermercados de São Paulo, quando o programa estreou, em 29 de janeiro, uma dúzia de ovos custava em torno de R$ 10 a R$ 13. Agora, a dúzia não sai por menos R$ 15. Ou seja, Gracyanne, que diz comer até 40 ovos por dia, está gastando bem mais.

O “personal trainner” Willian Freire explica que muita gente no mundo “fitness” gosta do ovo porque ele é um alimento completo, com proteína e outros componentes na dose certa e que, diferentemente das carnes, não pesa no estômago. Ele mesmo come cerca de 20 ovos diariamente.

“Compro quatro cartelas com 30 unidades toda semana. No fim do ano passado, ela custava R$ 18 no carro do ovo, que passa perto da minha casa, em Guarulhos”, conta ele. Agora, o preço subiu para R$ 28. Ou seja, é um custo a mais de R$ 40 por semana que ele resolveu absorver. “Não tem jeito, não tem alternativa. Mesmo caro, o ovo ainda é a proteína mais barata e mais leve”, afirma.

O personal trainer Willian Freire come em média 20 ovos por dia. Mesmo pagando mais pelos ovos, ele não deixou de consumir a mesma quantidade Foto: Werther Santana/Estadão

A ABPA não registrou nenhuma queda nas vendas de ovos este ano. No ano passado, elas subiram para 57,6 bilhões de unidades, de um total de 52,4 em 2023.

Ovo em pó

Só quem escapou dos aumentos foi a indústria. Por um motivo simples: grandes fabricantes de molhos, massas e outros alimentos não usam o ovo “in natura”, mas o ovo em pó, que tem validade de, pelo menos, um ano. Há também o ovo inteiro, a clara ou só a gema pasteurizados, em embalagens acartonadas, com validade de até 120 dias.

“Então, como usamos essas alternativas, o estoque fez a indústria escapar ou, ao menos, contornar a alta”, explica Eduardo Strumpf, executivo da Strumpf, que fabrica ketchup, mostarda, maioneses e molhos. “Não usamos ovo in natura por causa da salmonella (bactéria que causa infecção alimentar) e também porque o ovo em pó ou o embalado conferem mais estabilidade ao produto”, afirma.

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Efeito colateral orgânico

Em toda crise, sempre tem alguém que sai ganhando. E na crise do ovo, há produtores de orgânicos planejando dobrar as vendas em 2025. “Como o ovo orgânico não teve esse efeito da exportação, não tivemos tanta variação de preços como aconteceu com o ovo comum”, diz Luis Barbieri, sócio-cofundador da Raiar, uma das maiores produtoras de ovos orgânicos do País. Ele afirma que o aumento do ovo orgânico acabou ficando abaixo de 5% este ano. E isso diminuiu a diferença de preço entre os ovos tradicionais e os orgânicos.

Nos supermercados, uma caixa de dez ovos orgânicos custa em torno de R$ 17,50. A mesma quantidade de ovo comum fica R$ 2 abaixo. Essa diferença já chegou a ser de 100% há alguns anos. “Então, se é para pagar mais caro, muitos consumidores estão preferindo levar um produto melhor”, diz Barbieri.

Em janeiro e fevereiro deste ano, a Raiar vendeu 9,2 milhões de ovos − o dobro dos 4,5 milhões comercializados nos dois primeiros meses do ano passado. Para este ano, a meta é chegar 72,1 milhões de ovos orgânicos vendidos, bem mais que os 39,7 milhões de 2024.

O personal Willian está ajudando nessa conta. Ele mesmo já comprou ovos orgânicos e ficou feliz com a troca: “Já peguei ovos com gema dupla e fiquei bem feliz”, afirma.

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E o preço vai continuar subindo?

A tendência é que o preço se estabilize nos próximos meses se o calor der uma trégua, como já tem acontecido neste início de outono, de acordo com as associações do setor.

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