BRASÍLIA - O Congresso concluiu nesta sexta-feira, 20, a votação dos três projetos que integram o pacote de corte de gastos do governo Lula, a fim de manter o arcabouço fiscal de pé, controlar o crescimento de despesas e retomar a confiança nas contas públicas.
Os parlamentares afrouxaram as medidas de ajuste em relação à versão original elaborada pela equipe econômica, chefiada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O ministro, porém, nega desidratação, e documento da Fazenda estima que as mudanças feitas pelo Legislativo tenham impacto de cerca de R$ 2,1 bilhões nos R$ 71,9 bilhões de economia previstos inicialmente pela pasta até 2026.
Especialistas em contas públicas e instituições financeiras, porém, contestam o cálculo da Fazenda e preveem um impacto fiscal menor, da ordem de R$ 40 bilhões a R$ 50 bilhões até o fim do mandato de Lula.
Nesta sexta-feira, por exemplo, a XP investimentos revisou para baixo a projeção de economia com o pacote em R$ 8 bilhões após as modificações feitas pelo Congresso, passando de R$ 52,3 bilhões para R$ 44,4 bilhões até 2026.
Veja abaixo as cinco medidas do pacote que geram maior economia para as contas públicas, segundo a proposta original da equipe econômica - ou seja, sem levar em conta as modificações feitas pelo Congresso:
Salário mínimo
A mudança de maior impacto é a mudança na correção do salário mínimo, com a qual o governo espera arrecadar R$ 109,8 bilhões até 2030. Essa mudança é a mais expressiva porque a valorização do salário mínimo é utilizada como base para reajustar outras despesas do governo, como parte dos benefícios da Previdência, o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o seguro-desemprego.
Hoje, o salário mínimo é corrigido pela inflação mais o crescimento do PIB de dois anos anteriores. Pela proposta do governo, aprovada sem alterações pelo Congresso, ele seguirá indexado ao PIB, mas limitado às travas do arcabouço fiscal: com crescimento máximo de 2,5% ao ano acima da inflação e mínimo de 0,6%.
Ou seja: se o PIB de dois anos antes for zero, o salário mínimo terá reajuste de 0,6% acima da inflação. Se o PIB crescer 3%, o ganho será limitado a 2,5% acima da inflação.
Leia mais
Fundeb
O governo espera arrecadar R$ 42,3 bilhões até 2030 com mudanças no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). A proposta original, porém, foi modificada pelo Congresso.
O governo queria que até 20% dos recursos que a União coloca no fundo fossem destinados ao ensino em tempo integral, o que poderia abrir um espaço fiscal de R$ 11,6 bilhões no ano que vem.
A Câmara reduziu o porcentual para 10% e estabeleceu que o dinheiro da complementação da União no Fundeb será usado para ensino em tempo integral apenas em 2025, diminuindo o impacto para R$ 5,8 bilhões. O valor, no entanto, ainda é maior que a economia anunciada pelo governo para o ano que vem ao apresentar o pacote fiscal (R$ 4,8 bilhões).
A partir de 2026, os Estados e municípios terão de destinar 4% de recursos próprios que colocam no Fundeb para esse programa, aumentando o impacto fiscal entre R$ 10 bilhões e R$ 12 bilhões. Na prática, a União transfere a responsabilidade para os governos locais e espera economizar recursos com isso.
A economia efetiva de gastos para a União, no entanto, vai exigir que o governo federal diminua recursos do orçamento da Educação no mesmo montante. Ao cortar recursos, o governo federal deverá assumir o ônus político e ainda respeitar o piso constitucional da Educação exigido pela Constituição, que consome despesas não obrigatórias.
Emendas parlamentares
O governo incluiu no pacote uma economia de R$ 39,3 bilhões em emendas parlamentares até o ano de 2030. A equipe econômica considerou um conjunto de medidas ao apresentar esse cálculo. As propostas, porém, incluem pontos que não representam corte efetivo de gastos e outros que foram desidratados pelo Congresso para proteger os recursos de maior interesse pelos parlamentares no Orçamento.
Uma das medidas, esta aprovada, foi limitar o crescimento das emendas a 2,5% ao ano acima da inflação. Atualmente, os repasses crescem conforme a arrecadação do governo federal. A economia, nesse caso, está relacionada à diferença entre o valor que as emendas alcançariam com as regras anteriores e o valor que elas atingirão agora.
A conta do Poder Executivo foi feita com a inclusão das emendas de comissão, herdeiras do orçamento secreto, nas contas da União. Essas verbas, no entanto, não contam com uma reserva específica no Poder Executivo e só nascem quando o Congresso corta recursos de ministérios e de investimentos.
Na conta, também está a destinação de metade das emendas de comissão, um total de R$ 6 bilhões, para a saúde. A proposta do governo é que esses recursos ajudem a União a cumprir o piso constitucional que impõe gastos mínimos no setor. A destinação de emendas alivia o cumprimento do piso, mas tira recursos planejados pelo Ministério da Saúde e entrega para os congressistas.
O governo também calculou o impacto de cortar 15% das emendas parlamentares de todos os tipos para cobrir gastos obrigatórios e cumprir o arcabouço fiscal. O Congresso, no entanto, rejeitou o bloqueio das emendas impositivas (obrigatórias), que representam quase 80% do total.
Prorrogação da DRU
O pacote prorrogou a Desvinculação de Receitas da União (DRU), que terminaria neste ano até 2032. Na prática, a medida permite que o governo use recursos carimbados para outras finalidades, permitindo uma flexibilidade maior no Orçamento. O governo prevê arrecadar R$ 25,6 bilhões com a medida.
A DRU tira 30% da arrecadação de determinadas taxas e contribuições e permite que o governo use o dinheiro livremente, e não apenas em despesas carimbadas naquela arrecadação. Taxas de inspeção cobradas por agências reguladoras, por exemplo, não ficam integralmente para esses órgãos, mas uma parcela se desvincula do destino original para compor o Orçamento da União e bancar as despesas gerais do governo.
Além das contribuições sociais, das contribuições de intervenção no domínio econômico (Cide) e das taxas, a desvinculação alcançará ainda as receitas patrimoniais, que são aquelas obtidas pelo uso de patrimônio da União, como aluguéis, dividendos, compensações financeiras/royalties e direito real de uso, entre outras.
Abono salarial
O governo espera arrecadar R$ 18,1 bilhões até 2030 com as mudanças no abono salarial, espécie de 14º que hoje é pago ao trabalhador que recebe até dois salários mínimos.
Com a proposta, porém, haverá uma transição nos próximos anos para que o abono seja concedido a quem recebe até um salário mínimo e meio.
O teto para o recebimento do benefício, hoje indexado à valorização do salário mínimo, passará a ser corrigido pela inflação a partir de 2026.
Veja a economia prevista ano a ano com todas as medidas segundo a proposta original da Fazenda:
A mudança na correção do Fundo Constitucional do DF proposta pela Fazenda foi derrubada no Congresso Nacional.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.