Salário mínimo, abono, BPC, militares: veja as medidas do pacote de corte de gastos do governo Lula

Ministro Haddad fez pronunciamento em rede nacional; medidas foram detalhadas nesta quinta-feira

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Atualização:

BRASÍLIA – Após semanas de reuniões ministeriais e sucessivos adiamentos, o governo Lula detalhou nesta quinta-feira, 27, as medidas do pacote de contenção de despesas para dar uma sobrevida ao arcabouço fiscal e controlar a trajetória da dívida pública.

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O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, concedeu entrevista coletiva no Palácio do Planalto junto aos ministros Rui Costa (Casa Civil) e Simone Tebet (Planejamento e Orçamento).

O detalhamento sucede o pronunciamento feito por Haddad em rede nacional na noite desta quarta-feira, 27, anunciando o pacote de ajuste fiscal, o aumento da isenção do Imposto de Renda para Pessoa Física até R$ 5 mil e uma taxação para quem ganha acima de R$ 50 mil por mês.

O ministro afirmou que o pacote de contenção de gastos poupará R$ 70 bilhões até o final do mandato de Lula. De forma geral, as medidas serão enviadas ao Congresso em dois blocos - por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) e de projeto de lei (a quantidade de propostas legislativas ainda não foi confirmada).

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De acordo com o governo, o impacto fiscal estimado entre 2025 e 2030 é de R$ 371 bilhões. Serão R$ 30,6 bilhões em 2025, R$ 41,3 bilhões em 2026, R$ 49,3 bi em 2027, R$ 57,5 bi em 2028, R$ 68,6 bi em 2029 e R$ 79,9 bilhões em 2030.

Veja abaixo as medidas de ajuste fiscal anunciadas pelo governo:

Salário mínimo

Como mostrou o Estadão/Broadcast, o pacote inclui mudanças na regra de reajuste do salário mínimo. O benefício segue indexado à inflação mais o aumento do PIB de dois anos anteriores, mas seguindo limites do arcabouço fiscal: com crescimento de no máximo 2,5% e, no mínimo, 0,6% ao ano acima da inflação.

Ou seja, se o PIB de dois anos antes for zero, o salário mínimo terá reajuste de 0,6% acima da inflação. Se o PIB crescer 3%, será limitado a 2,5% de ganho real.

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A mudança na política de valorização do salário mínimo tem um impacto ampliado, uma vez que hoje ele serve como base para reajustar outros benefícios, como o abono salarial, o seguro-desemprego e o Benefício de Prestação Continuada (BPC).

Em pronunciamento na TV, Haddad anuncia pacote de contenção de gastos, mas não detalha medidas. Foto: WILTON JUNIOR/Estadão

Abono salarial

O pacote também prevê uma mudança nas regras do abono salarial, espécie de 14º que hoje é pago ao trabalhador que recebe até dois salários mínimos. Hoje, esse benefício é corrigido pelo reajuste do salário mínimo.

Com a proposta, porém, haverá uma transição nos próximos anos para que o abono seja concedido a quem recebe até um salário mínimo e meio.

Haverá fixação da renda para acessar o abono em R$ 2.640, valor que será corrigido pela inflação até chegar ao nível de um salário mínimo e meio - convergindo a esse valor somente em 2035.

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Militares

O pacote também atinge as Forças Armadas, com a criação da idade mínima de 55 anos para a reserva remunerada de militares, com período de transição, como mostrou o Estadão. Atualmente, o critério para aposentadoria é pelo tempo de serviço - ao menos 35 anos.

O governo também propõe o fim da chamada da morte ficta (ou fictícia) - quando militares expulsos das Forças por crimes ou mau comportamento têm garantido, às suas famílias, o direito a receber pensão. Agora, a família do militar passará a ter direito a auxílio-reclusão, tal como previsto na Lei 8.112/90, para os servidores públicos.

Outra medida é fixar em 3,5% da remuneração a contribuição do militar das 3 Forças para o Fundo de Saúde, até janeiro de 2026. Por fim, ficará proibido que militares transfiram o direito a pensão para beneficiários das 2ª e 3ª ordens (pais e o irmão dependentes do militar).

Fundeb

No caso do Fundo de Desenvolvimento e Manutenção da Educação Básica (Fundeb), haverá obrigatoriedade de que 20% do fundo seja usado para escola em tempo integral, melhorando a composição do gasto.

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A equipe econômica chegou a propor um aumento no porcentual dos recursos destinados ao Fundo de Desenvolvimento e Manutenção da Educação Básica (Fundeb) que são contabilizados no mínimo destinado à educação, mas a medida foi descartada.

Mudanças na correção dos pisos constitucionais de saúde, hoje atrelados à receita do governo, foram descartadas.

BPC

O governo propôs mudanças no Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda, para limitar o acesso ao pagamento, economizar recursos no Orçamento e conter a onda de concessão por via judicial.

Atualmente, para ter acesso ao BPC, a renda por pessoa de uma família não pode ser maior do que um quarto do salário mínimo. Os rendimentos que entram no cálculo da renda familiar mensal incluem salários, pensões, seguro-desemprego e rendimentos no mercado informal.

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Passarão a integrar a conta a renda de cônjuge que não mora na mesma casa e o salário de irmãos, filhos e enteados. O valor de outros benefícios também vai contar. Na prática, a inclusão aumenta a renda considerada e pode fazer com que alguns beneficiários percam o direito ao beneficio.

Os ministros do governo anunciaram que vão chamar todos os beneficiários do BPC para um recadastramento. A biometria será obrigatória para novas concessões e atualizações no cadastro.

Supersalários

No pronunciamento, Haddad também destacou que o governo planeja acabar com os supersalários no setor público. “Vamos corrigir excessos e garantir que todos os agentes públicos estejam sujeitos ao teto constitucional”.

A proposta é limitar os pagamentos que ultrapassam o teto constitucional, hoje de R$ 44 mil mensais – o equivalente à remuneração do ministro do Supremo Tribunal Federal. A medida atinge remunerações de todo o setor público, principalmente do Judiciário e do Ministério Público, que contam com uma série de “penduricalhos” nos salários.

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A ideia do governo é que esses benefícios, como o auxílio-moradia e o bônus para quem trabalha em mais de uma comarca, sejam restritos a situações excepcionais. O Centro de Liderança Pública (CLP) calcula uma economia de R$ 5 bilhões por ano, mas o ajuste pode ser neutralizado por dois fatores que aumentariam as despesas, em vez de economizar: as exceções que forem criadas e a volta do quinquênio (bônus pago a cada cinco anos de carreira), em tramitação no Senado.

Haddad salientou que há lei tramitando no Congresso, mas que a ideia é ter uma lei complementar para regular o dispositivo constitucional que faz chegar ao supersalário. De acordo com ele, há espaço para o debate porque o Senado e a Câmara já se manifestaram favoravelmente às mudanças.

Emendas

As emendas impositivas (obrigatórias) do Congresso, aquelas indicadas individualmente por cada deputado e senador e pelas bancadas estaduais para mandar recursos a redutos eleitorais, terão crescimento real, com limite de até 2,5% acima da inflação a partir de 2026, o mesmo teto do arcabouço fiscal.

Além disso, as emendas de comissão, herdeiras do orçamento secreto, serão incluídas no Orçamento com R$ 11,5 bilhões em 2025 e crescimento pela inflação nos próximos anos. Metade dos recursos das comissões deverá ir obrigatoriamente para a saúde, o que deve aliviar o cumprimento do piso constitucional da área em aproximadamente R$ 6 bilhões pro ano. Esse desenho foi aprovado pelo Congresso, sancionado por Lula nesta semana e também entrou no pacote como medida de ajuste.

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A medida envolve crescimento real para emendas parlamentares, que devem ultrapassar R$ 50 bilhões no ano que vem, diminuindo ainda mais o espaço para outras despesas. Para o governo, porém, a proposta coloca uma previsão no valor dos recursos daqui para frente, além de fazer parte de um acordo com o Congresso Nacional.

“O montante global das emendas parlamentares crescerá abaixo do limite das regras fiscais. Além disso, 50% das emendas das comissões do Congresso passarão a ir obrigatoriamente para a saúde pública, reforçando o SUS”, disse Haddad em pronunciamento na TV.

O pacote inclui ainda a possibilidade de o governo cortar emendas para usar o dinheiro em despesas obrigatórias e cumprir o arcabouço fiscal. A proposta também revoga o “dever de execução” previsto na Constituição, regra atual que obriga o Poder Executivo a cumprir o Orçamento aprovado pelo Congresso e impede cancelamento de despesas sem justificativa.

Bolsa Família

Haverá também medidas de “pente-fino” para o Bolsa Família, com a adoção de biometria e a atualização dos beneficiários unipessoais para tentar diminuir as fraudes.

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As medidas incluem restrição para municípios com porcentual de famílias unipessoais acima do disposto em regulamento; determinação de que a inscrição ou atualização de unipessoais deve ser feita obrigatoriamente em domicílio; atualização obrigatória para cadastros desatualizados há 24 meses; biometria obrigatória para inscrição e atualização cadastral; e disponibilização por concessionárias de serviços públicos de informações de seus bancos de dados para viabilizar cruzamento de dados.

Aldir Blanc

O pacote de gastos do governo federal vai propor uma medida que mantenha o repasse anual de até R$ 3 bilhões aos entes federados pela Lei Aldir Blanc, de incentivo à cultura, mas condicionando essa transferência à execução dos recursos pelos entes no ano anterior.

A medida terá um impacto de R$ 2 bilhões em 2025 e um impacto anual de R$ 1 bilhão entre 2026 e 2030, segundo a Fazenda. Na última semana, o governo cortou R$ 1,3 bilhão do repasse à cultura alegando que os recursos do anterior não foram totalmente gastos.

Auxílio Gás e Pé-de-Meia

O governo anunciou a inclusão de dois programas no Orçamento: o Auxílio Gás, que banca a compra de botijão de gás para famílias carentes, e o Pé-de-Meia, que paga uma bolsa para estudantes do ensino médio. As duas despesas começarem a ser gastas por meio de fundos, por fora do arcabouço fiscal, gerando dribles à regra fiscal.

Os detalhes dos programas não foram anunciados. Segundo o Ministério da Fazenda, além da inclusão no Orçamento, haverá mudança em regras de acesso. No caso do Auxílio Gás, a quantidade de botijões de gás dependerá do tamanho da família – atualmente, todos os beneficiados recebem o valor equivalente a um gás de cozinha a cada dois meses.

Gatilhos do arcabouço

O pacote vai trazer novos gatilhos ao arcabouço fiscal para conter o crescimento de despesas obrigatórias e benefícios fiscais a partir de 2027 – ano em que se inicia o próximo mandato presidencial, não atingindo a administração atual.

Se as despesas obrigatórias (como salários e aposentadorias) aumentarem a ponto de diminuir o valor das despesas discricionárias (não obrigatórias, como custeio da máquina e investimentos), será proibido dar aumento acima da inflação para despesas com pessoal acima de 0,6% a partir de 2027.

Também haverá um novo gatilho para proibir criação, ampliação ou prorrogação de benefícios tributários a empresas caso o governo federal registre déficit nas contas públicas de 2025 em diante. Como o resultado de 2025 será conhecido somente em 2026, o gatilho será acionado para o ano de 2027.

Concursos públicos e subsídios

O governo também anunciou o faseamento e provimentos e concursos em 2025. A medida deve economizar R$ 1 bilhão. Também foi anunciada autorização para ajuste orçamentário em cerca de R$ 18 bilhões em subsídios e subvenções.

Fundo Constitucional do DF

Os recursos do Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF) serão reajustados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Hoje, as verbas aumentam de acordo com a arrecadação do governo.

DRU

O pacote também prevê a Desvinculação de Receitas da União (DRU) até 2032. Sem essa proposta, a DRU acabaria ao final deste ano.

Imposto de Renda

O ministro também anunciou a isenção da cobrança de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil – promessa de campanha do presidente Lula – e, para compensar a renúncia fiscal, a taxação para quem ganha acima de R$ 50 mil por mês, com a criação de uma alíquota mínima sobre a soma de todas as fontes de renda.

O projeto de lei com a mudança na tributação deve integrar a reforma da renda e ser enviado ao Congresso somente no ano que vem.