Pacote de gastos foi decepcionante e valor de contenção pode estar superestimado, dizem economistas

Especialistas avaliam que governo perdeu a oportunidade de dissipar incertezas do mercado ao se perder na prioridade do anúncio

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O tão esperado anúncio do pacote de gastos fiscais, detalhado nesta quinta-feira, 28, pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, terminou em decepção. O mercado avaliou que as medidas são insuficientes para conter o avanço da dívida e dar sustentabilidade ao arcabouço fiscal. O que deveria ter sido um anúncio de austeridade foi interpretado como fraco ao incluir no pacote a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil. Isso fez o dólar ultrapassar a barreira dos R$ 6 ainda durante a manhã, o maior patamar da história.

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Na avaliação de economistas e analistas do mercado, em vez de dissipar as incertezas, o pacote touxe um pouco mais de turbulência. Para o diretor de pesquisa macroeconômica para a América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos, o pacote não traz medidas de corte de gastos. Na prática, as ações tem o objetivo de desacelerar o ritmo de crescimento das despesas obrigatórias e evitar uma redução excessiva das discricionárias, o que seria o fim do arcabouço fiscal.

“O pacote é decepcionante, demasiadamente disperso, com retorno duvidoso e com benefícios excessivamente concentrados no futuro”, diz ele, em relatório a clientes, nesta quinta-feira, 28. Na sua visão, as medidas não são “ambiciosas” e o impacto parece “muito atrasado” para as atuais necessidades da economia brasileira. A economia fiscal de R$ 70 bilhões entre os anos de 2025 e 2026, cerca de 0,25% do PIB por ano, é “modesta”, avalia.

O ex-diretor do Banco Central e atual professor das Universidades de Tóquio, da London School of Economics (LSE) e da Sciences-Po Paris, Luiz Awazu, avalia que ao divulgar o pacote de contenção de gastos com o início de uma reforma da renda, o governo diluiu o impacto das medidas. “O pacote deveria sinalizar medidas de ajuste fiscal clássicas e acabou misturando-se com um projeto não finalizado de reforma do Imposto de Renda (IR)”, disse ele ao Estadão/Broadcast.

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Pacote de corte de gastos do governo não agradou ao mercado financeiro, que o considerou decepcionante Foto: Wilton Junior/Estadão

A questão, de acordo com o professor, é que essa política pertence a um tema mais amplo, que engloba justiça tributária e redução de desigualdade, por exemplo. E precisaria, de acordo com ele, ser anunciada com narrativa e timing adequados. “Não se mistura com um pacote de ‘ajuste’ fiscal, aguardado há tempos, e cuja necessidade está sendo cobrada, com muita expectativa criada e que tem de reformular direção fiscal para adequação com um arcabouço definido”, citou. “Misturadas as duas coisas, dilui o resto do pacote, o que parece estar acontecendo”, continuou.

Conforme mostrou o Estadão/Broadcast na quarta-feira, 27, a questão do mesmo timing para as duas medidas foi tema de discussão dentro do governo, com uma ala defendendo o anúncio conjunto e outra - a perdedora - separado. Para o ex-diretor do BC, os técnicos do governo passarão mais tempo tirando dúvidas sobre quanto vai arrecadar a nova tributação sobre os “ricos” do que analisando a nova trajetória para o primário depois do pacote. “Uma pena”, avaliou.

“Matemágica”

Para economista-chefe da ARX Investimentos e ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), Gabriel Leal de Barros, boa parte das medidas anunciadas pelo governo se trata de “reciclagem” de iniciativas anteriores, como a ideia de fazer um “pente-fino” na distribuição de alguns benefícios sociais. “A revisão do Bolsa Família e BPC, com exigência de biometria, é a reciclagem do pente-fino que o governo anunciou e não entregou”, exemplifica.

Ele avalia o pacote como o retorno da “matemágica” fiscal. “A prorrogação da Desvinculação de Receitas da União (DRU) é remanejamento, não é economia. O mesmo com as emendas parlamentares. Ajuda no arcabouço? Sim, ajuda, mas não é economia de fato, você já tinha esse gasto”, explicou Leal de Barros.

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Assim, para o economista, o pacote é praticamente neutro do ponto de vista de ajudar na sustentabilidade do arcabouço, mas negativo do ponto de vista de não ter havido um maior “endereçamento” de questões estruturais das despesas do governo. Leal de Barros considera que, com isso, a percepção de risco fiscal por parte do mercado agora é pior do que antes do anúncio. “Não só pela composição das medidas mais fracas que o imaginado, mas pelo anúncio da isenção de IR ter vindo junto”, justifica.

Para o economista da MCM Consultores, Renan Martins, o valor de contenção de gastos parece superestimado e ainda assim não seria suficiente para sustentar o arcabouço fiscal até 2026 sem alterações. Na avaliação dele, o pacote anunciado mostra que o governo está desfocado em relação às preocupações importantes em torno do orçamento.

Martins destaca que a mudança no Fundeb, por exemplo, seria uma alteração no perfil do gasto. “O governo vai alterar um gasto já contratado para ser de educação para usar em outras destinações pelo federal.” O abono salarial, diz ele, seria uma medida “bastante efetiva”, mas, devido à transição longa, começará a ter impacto daqui dez anos.

Além disso, a regulamentação de supersalários, detalha o economista, pode ter um impacto contrário ao que o governo espera. “Pode ser que, eventualmente, o governo transforme isso em uma lei, gere uma legalidade nos benefícios e até aumente as despesas, porque outras categorias podem querer, eventualmente, sugerir algo similar”, pontua.

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