‘Pacote era a última janela do governo para dar algum sinal de controle fiscal’, diz Marcos Mendes

Para economista e pesquisador do Insper, ficou evidente a falta de apoio político para um ajuste fiscal mais consistente

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Entrevista comMarcos MendesEconomista e pesquisador do Insper

Na esteira da reação negativa do mercado ao ajuste de gastos anunciado pelo governo, com subida tanto do dólar quanto dos juros futuros, o economista e pesquisador do Insper Marcos Mendes avalia que o pacote anunciado na última quarta-feira, 27, evidenciou a falta de apoio político a um ajuste fiscal consistente no Executivo.

“Era a última janela deste mandato para o governo fazer uma sinalização em termos de controle fiscal”, diz Mendes, para quem a estabilidade macroeconômica agora está nas costas do Congresso e do Banco Central (BC).

Veja a seguir os principais trechos da entrevista.

Qual é a sua avaliação sobre o pacote fiscal anunciado pelo governo?

O pacote deixou muito a desejar no controle da dívida pública. Efetivamente, não reduz despesas, apenas abre um pouco de espaço para despesas discricionárias nos próximos anos. Mesmo esse espaço que está abrindo é insuficiente. O pior impacto desse pacote é que ficou claro que não há suporte político para uma política fiscal consistente dentro do poder Executivo. Era a última janela deste mandato para o governo fazer uma sinalização em termos de controle fiscal. Após mais de um mês de conversas internas dentro do governo, trouxeram um pacote muito insatisfatório, que deixou de fora inclusive medidas que estavam sendo cogitadas, como, por exemplo, a reformulação do seguro-desemprego. Isso me traz a preocupação de perda de ancoragem da política fiscal, e que joga nas costas do Congresso e do Banco Central toda a responsabilidade pela estabilidade macroeconômica.

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Como fica a imagem e a capacidade do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de ancorar as expectativas do mercado?

Não gosto de ficar falando de personalidades. Digo que o governo em si saiu fragilizado. Existe claramente um conflito dentro do governo, uma falta de orientação sobre por onde seguir e, sobretudo, uma descrença sobre a importância do equilíbrio fiscal. Atribuo que (esse conflito) esteja também dentro do Ministério da Fazenda. Acho um pouco caricatural essa imagem de que todo o governo quer gastar mais e a Fazenda quer fazer ajuste fiscal. Tenho minhas dúvidas. Acredito que, mesmo dentro do ministério, dentre as várias áreas da Fazenda, haja forte restrição a fazer um ajuste fiscal efetivo.

Por quê? Em razão do impacto do ajuste nos resultados do PIB no curto prazo?

Porque a mentalidade dos economistas e dos políticos do PT é conhecida de todo mundo. Eles acreditam que a expansão fiscal gera mais PIB e que o crescimento econômico, por si só, paga o aumento do déficit, por gerar tanta arrecadação adicional que cobre o déficit. Sabemos pela experiência histórica que não é assim que funciona. O impacto sobre o PIB é passageiro e lá na frente você tem uma deterioração da situação fiscal e da relação dívida/PIB.

O governo anunciou uma economia superior a R$ 70 bilhões nos próximos dois anos. O mercado prevê menos. Qual é a sua estimativa sobre o quanto é possível de fato alcançar com o pacote?

Não cheguei a fazer contas, mas claramente as projeções do governo estão superestimadas. Não foi trazida a público nenhuma nota técnica do Ministério da Fazenda com os parâmetros e metodologia dos cálculos. Lançaram os números, quem quiser que acredite; quem não acreditar, amém. Não há nenhuma demonstração técnica de onde vieram esses números.

A tendência, então, é de o governo ter de anunciar contingenciamentos ou mesmo ter de flexibilizar a meta fiscal no ano que vem?

Mesmo que se concretizem os esperados R$ 30 bilhões em redução de despesa obrigatória no ano que vem, vai ser bastante difícil cumprir mesmo o limite inferior da meta do ano que vem (déficit de 0,25% do PIB). O Orçamento veio com uma série de despesas faltando. Além disso, o Orçamento não prevê, como não deve prever mesmo, qualquer verba para créditos extraordinários, mas sabemos que todo ano tem créditos extraordinários. A média dos últimos anos dá algo como R$ 20 bilhões em créditos extraordinários. Colocando tudo isso na conta, minha estimativa é de que, mesmo com uma redução de R$ 30 bilhões na despesa obrigatória, ainda vai precisar reduzir as discricionárias em algo como R$ 30 bilhões ou R$ 35 bilhões para poder atingir o limite inferior da meta. Está muito apertado ainda o Orçamento do ano que vem.

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Ainda há espaço para reduzir as despesas discricionárias sem levar a uma paralisação de serviços públicos?

As discricionárias tiveram um aumento muito grande com a PEC da Transição, ainda há espaço para reduzir. Agora, com a baixa disposição do governo em fazer esse tipo de controle, não vai ser tarefa fácil.

O pacote assegura o cumprimento do arcabouço nos próximos anos?

O cumprimento do arcabouço fiscal se tornou irrelevante. Logo que o arcabouço foi lançado, eu escrevi com outros economistas que o arcabouço não era suficiente para estabilizar a dívida pública, e que o arcabouço tem uma contradição interna: tenta controlar a despesa, mas ao mesmo tempo estimula o crescimento de determinadas despesas, em especial aquelas vinculadas à receita, como os mínimos de saúde e educação. Isso tem se mostrado concreto. Mesmo com o arcabouço não sendo suficiente para controlar a dívida pública, o governo está tendo dificuldade em cumpri-lo e já lançou mão de uma série de artifícios para facilitar esse cumprimento. Está sempre procurando uma manobra para gastar e não impactar o resultado primário. Ou seja, se o cumprimento rigoroso do arcabouço já não seria suficiente, imagina esse cumprimento fragilizado. Durante algum tempo o governo conseguiu vender para a sociedade (a ideia de) que ‘olha, estamos fazendo um esforço fiscal para cumprir o arcabouço’. Hoje, já caiu a ficha de que cumprir o arcabouço não resolve o problema, porque a dívida pública está disparando. O problema central, no fim das contas, é o crescimento da dívida pública, a despesa com juros e o risco de insolvência do governo.

O sr., então, não vê a estabilização da dívida pública.

Nem eu nem ninguém que faz conta. Sem a menor chance. A discussão é se a dívida pública em 2026 estará em 85%, 86%, 87% ou 90% do PIB. No mínimo, vai crescer 14 pontos porcentuais ao longo do mandato, o que é muita coisa.

O ministro Haddad disse que o pacote não é o ‘gran finale’ no esforço de reequilíbrio das contas e, se for preciso, vai anunciar outras medidas. O que é preciso fazer para melhorar a trajetória da dívida e corrigir os impactos no câmbio e juros?

É uma afirmação retórica e repete uma tática, que ele tem usado desde o começo do governo, de dizer: ‘nós vamos tomar medidas; se não forem suficientes, vamos tomar mais medidas’. Mas se o governo ficou quase dois meses discutindo um pacote para soltar essas medidas aí, não há grande expectativa de que venha alguma coisa muito substancial, a não ser que haja um choque muito grande, que mude a mentalidade do centro decisório do governo. É muito mais um elemento de retórica do que uma possibilidade concreta.

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O Banco Central cobrou medidas estruturais para o Orçamento. A leitura no mercado, e que o senhor corrobora, é de que o pacote traz avanços estruturais tímidos. Isso vai influenciar a decisão do Copom neste mês?

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Não costumo analisar em detalhes a política monetária. Meu foco é acompanhar a política fiscal. Agora, o que posso comentar é a minha preocupação em relação ao que pode acontecer no Banco Central. Não está claro ainda que a nova presidência e a nova diretoria do Banco Central serão totalmente imunes à pressão, que será muito forte, do PT, do partido do governo. O que temos de observar é se o Banco Central vai começar a fazer intervenções na taxa de câmbio para tentar controlar o câmbio. Se isso acontecer, vai ser muito ruim, porque coloca mais um risco de perda de reserva e de fragilização da posição externa do Brasil, hoje bastante sólida. Temos de ver qual será no médio prazo o comportamento do Copom, se eles (os dirigentes do BC) vão subir os juros na medida necessária para tentar reancorar as expectativas, ou se vão, em algum momento, jogar a toalha.

Quais seriam as consequências se o Brasil perder tanto a âncora fiscal quanto a âncora monetária?

A âncora fiscal ainda pode ser recuperada a depender da postura do Congresso frente a esse pacote do governo. Vejo dois cenários. Um é o Congresso tratar o pacote como business as usual e querer enfraquecer o pacote, pendurar jabutis de interesse do grupo A, B ou C. Seria um caminho muito ruim, porque a falta de suporte político para o equilíbrio fiscal do Executivo vai também estar presente no Legislativo. Outro cenário é bater um senso de responsabilidade e as grandes lideranças partidárias resolverem tomar as rédeas dessas medidas, propondo um aprofundamento. Se o Congresso for por esse caminho, discutir uma solução mais estrutural, recuperamos o suporte político da política fiscal. Se isso não acontecer, ficamos na mão do Banco Central. Com uma dívida pública crescendo fortemente e um Banco Central que eventualmente pode vir a ser leniente, tanto na política monetária quanto na política cambial, ficaríamos com um cenário bem ruim mesmo. Aí é inflação de dois dígitos e uma grande interrogação do que vem pela frente.

O sr. se arrisca a dizer qual desses dois cenários tem mais chance de acontecer?

Vamos precisar observar os próximos dias. Torço para que o Congresso tenha uma postura mais republicana e mais responsável. O histórico recente é um pouco preocupante porque o Congresso tem atuado mais na vertente de interesses pulverizados. Mas em alguns momentos da história recente, quando a crise se mostrou forte, o Congresso respondeu à altura. É bem verdade que, por exemplo, durante o governo Michel Temer havia uma intenção do Poder Executivo de fazer ajuste fiscal, e o Congresso reagiu aceitando e negociando. Hoje, o Congresso teria de ter um papel de protagonismo ainda maior, que seria tomar a frente do ajuste fiscal num contexto em que o Poder Executivo não demonstra propensão a isso.

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