BERLIM - Antes de a China dominar o setor de painéis solares, era a Alemanha que liderava essa área. O país era o maior produtor mundial de painéis solares, com várias startups agrupadas na antiga Alemanha Oriental, até cerca de uma década atrás, quando a China aumentou a produção e reduziu os preços.
Agora, à medida que a Alemanha e o resto da Europa tentam atingir metas ambiciosas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, a demanda por painéis solares só tem aumentado.
E alguns dos últimos fabricantes remanescentes do setor de energia solar da Alemanha não estão dispostos a desistir.
Eles estão exigindo que o governo alemão ofereça incentivos para proteger os produtores que sobreviveram atendendo a nichos de mercado e se expandindo para além da fabricação de painéis. Eles argumentam que os altos padrões europeus para a origem dos materiais e as cadeias de suprimentos mais curtas tornam a produção na Alemanha mais confiável e ecologicamente correta.
Nem todos, porém, estão convencidos de que o protecionismo é o caminho a ser seguido. Alguns críticos observam que as tarifas da União Europeia sobre os painéis solares chineses de 2013 a 2018 não conseguiram salvar o setor doméstico. Outros argumentam que painéis solares acessíveis e amplamente disponíveis são extremamente necessários, independentemente de sua origem.
Como a Europa depende “em um grau muito importante” de painéis solares importados, qualquer medida para restringir as importações “precisa ser ponderada em relação aos objetivos que estabelecemos para nós mesmos no que diz respeito à transição energética”, disse Mairead McGuinness, comissária europeia para estabilidade financeira, ao Parlamento Europeu no mês passado.
Mas, para os fabricantes europeus de energia solar, o problema piorou no ano passado. Além de os chineses terem aumentado sua produção de painéis solares, os Estados Unidos aumentaram suas tarifas para incluir os painéis chineses enviados aos países do sudeste asiático para montagem final. Isso fez com que uma enxurrada de painéis chineses chegasse à Europa a preços abaixo do mercado, segundo funcionários dos governos e executivos de empresas, acabando com qualquer chance de concorrência justa.
No ano passado, mais de 97% dos painéis solares instalados nos telhados e nos campos em toda a Europa foram fabricados no exterior, a grande maioria na China, onde a energia barata e o apoio do governo mantêm os preços baixos.
“Atualmente, os concorrentes chineses estão distribuindo seus produtos em quantidades inimagináveis na Europa por preços muito abaixo de seus próprios custos de produção”, diz uma carta aberta ao governo escrita por Gunter Erfurt, CEO da Meyer Burger, uma empresa suíça de energia solar que tem duas fábricas e um centro de pesquisa na Alemanha. “Estamos lutando por condições de mercado justas.”
O apelo da Erfurt citou várias outras empresas alemãs envolvidas na produção de energia solar que querem que o governo ajude a fortalecer o setor diante da concorrência acirrada da China.
A Associação Solar Alemã está pedindo ao governo que adote um incentivo, chamado de “bônus de resiliência”, que pagaria aos proprietários de painéis solares uma taxa mais alta pela eletricidade é jogada na rede quando produzida por painéis fabricados internamente.
“Enquanto outros países, como os Estados Unidos e a China, estão promovendo fortemente o estabelecimento e a ampliação de gigafábricas de energia solar, o governo alemão ainda não tomou medidas concretas”, alertou o grupo em janeiro.
Para cumprir suas ambiciosas metas climáticas, a Alemanha precisa gerar 80 gigawatts adicionais de energia solar por ano. No entanto, no ano passado, o país instalou energia suficiente para gerar apenas 9 gigawatts - e as empresas fotovoltaicas nacionais dizem que têm capacidade para produzir apenas cerca de 1 gigawatt de energia solar por ano.
Essa realidade levou a uma disputa acirrada no setor solar alemão, onde alguns acreditam que os subsídios causarão mais danos do que benefícios.
Philipp Schröder, ex-executivo da Tesla, que dirige a 1Komma5, uma empresa de energia solar que ele cofundou, disse que obteve seus componentes principalmente da Europa e dos Estados Unidos e competiu com sucesso contra os painéis chineses de baixo custo, agregando painéis com bombas de calor, baterias e software para operar o sistema completo. Ele é contra qualquer forma de apoio governamental.
“O bônus de resiliência que está sendo discutido na Alemanha neste momento pode ser benéfico para alguns aproveitadores no curto prazo, mas no médio prazo ele age como uma droga viciante que suprime a inovação e fragmenta o mercado da UE”, disse Schröder em uma publicação no LinkedIn.
Este mês, a Meyer Burger aprofundou a disputa quando interrompeu a produção em uma unidade em Freiberg, no Estado da Saxônia, no leste da Alemanha, e disse que mudaria o foco da empresa para a expansão da produção no Arizona e no Colorado. Lá, a empresa pode tirar proveito das tarifas americanas impostas aos painéis chineses e dos incentivos oferecidos pela Lei de Redução da Inflação dos EUA.
“Por conta da falta de proteção europeia contra a concorrência desleal da China, quase quatro anos de trabalho árduo de grandes funcionários na Europa estão em risco”, disse o conselho da Sentis Capital Cell 3 PC, o maior acionista da Meyer Burger, em um comunicado. Em um tapa nos legisladores alemães, o conselho citou o “forte compromisso bipartidário” em Washington “para proteger as empresas sediadas nos EUA contra a concorrência desleal”.
Defesa comercial inútil
Para aumentar ainda mais a raiva no setor de energia solar, os bilhões em subsídios que o governo prometeu atrair para outras empresas, incluindo a produtora de baterias Northvolt e as fabricantes de microchips Intel e TSMC, parecem estar bloqueados enquanto não se defina como lidar com a energia solar.
Sven Giegold, subsecretário do Ministério da Economia, disse a repórteres este mês que a Alemanha proporia medidas para ajudar a “apoiar a produção local de tecnologia solar”, mas logo acrescentou: “As medidas de defesa comercial não são úteis”.
A decisão da Meyer Burger de fechar sua fábrica em Freiberg deixou cerca de 500 empregos no limbo. O CEO da empresa disse que o futuro da fábrica dependia dos líderes políticos em Berlim. “Mas não estamos vendo uma ponte sendo construída pelo governo no momento”, disse.
Ao mesmo tempo, a empresa está contemplando outras alternativas, disse ele, acrescentando que “uma opção é simplesmente desmontar e reconstruir a fábrica nos EUA”.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.