Entenda em 10 gráficos o que causou o pânico nos mercados globais e como isso afeta o Brasil

Nos últimos dez dias, mercado financeiro internacional passou por forte volatilidade, com piora dos ativos e uma gradual recuperação; veja a linha do tempo

PUBLICIDADE

Publicidade
Foto do author Alvaro Gribel
Atualização:

BRASÍLIA – O mercado financeiro mundial passou por fortes turbulências nos últimos dez dias: o índice de volatilidade disparou ao maior nível desde a pandemia, um alerta de recessão nos Estados Unidos foi acionado, a bolsa de Tóquio afundou 12% em um único pregão e o dólar chegou a bater em R$ 5,86 em relação ao real no início da semana.

Nos EUA, as empresas de tecnologia perderam mais de US$ 1 trilhão em valor de mercado – entre elas a Amazon, a Apple e a Alphabet, dona do Google.

Dólar chegou a bater R$ 5,86 em meio à turbulência nos mercados globais. Foto: Agência Brasil

A pergunta que tem rondado a cabeça de economistas, investidores e pessoas comuns por todo o globo é: o que aconteceu para provocar tamanha incerteza? E como isso afeta o Brasil?

Veja abaixo a linha do tempo com dez gráficos mostrando as causas para a instabilidade, que depois foi quase integralmente revertida.

Publicidade

31 de julho: Banco Central do Japão sobe os juros

PUBLICIDADE

Tudo começou no último dia 31 de julho, com a “superquarta” dos mercados financeiros, quando vários bancos centrais importantes no mundo promovem reuniões de política monetária para decidir a taxa de juros. Uma decisão do banco central do Japão, ainda na madrugada do Brasil, pegou os investidores de surpresa.

Desde o colapso do sistema financeiro americanos, em 2008, que provocou um feito cascata sobre várias economias do mundo, o BC japonês mantém os juros zerados ou negativos.

Entre janeiro de 2016 a março de de 2024, os investidores literalmente pagavam para emprestar dinheiro ao Tesouro japonês, com uma taxa de retorno de -0,1%. Em março deste ano, contudo, os juros subiram para 0,1% – e em 31 de julho, o BC elevou novamente a taxa para 0,25%, para combater uma taxa de inflação de 2,6% em junho, em relação ao mesmo mês do ano passado.

Mas por que juros de 0,25% podem causar fortes impactos na economia internacional? O problema é que isso afetou o chamado “carry trade”, um tipo de operação em que investidores internacionais captam recursos em um país e aplicam em outro.

Publicidade

Com o aumento dos juros pelo BC japonês, esse fluxo foi parcialmente revertido, com capitais deixando diversas economias e ativos para buscar rentabilidade no Japão, ainda que com a taxa mínima de 0,25% ao ano.

Isso fez o iene, a moeda japonesa, se valorizar, enquanto moedas de países emergentes, como o Brasil, perderam valor. O aumento dos juros, por outro lado, tem o efeito colateral de pressionar o custo de rolagem da dívida japonesa, que passa de 200% do PIB. Isso alimentou o receio de que o risco fiscal no país possa se agravar.

Para os consumidores japoneses, a incidência de juros “tão altos” é quase uma novidade, já que isso não ocorre desde 2008. Tudo isso foi interpretado pelo mercado como risco.

31 de agosto: BC dos EUA indica cortes, BC brasileiro fica em cima do muro

No mesmo dia 31, o banco central americano, Fed, manteve a taxa de juros no patamar entre 5,25% e 5,5% ao ano pela oitava vez seguida – mas, durante coletiva de imprensa, o presidente Jerome Powell, afirmou que o início do ciclo de cortes estava sobre a mesa na próxima reunião de setembro.

Até então, os receios do banco central e do próprio mercado financeiro estavam focados mais na inflação americana, e menos na possibilidade de uma forte recessão.

Aqui no Brasil, o Banco Central, à noite, manteve a taxa básica de juros (Selic) em 10,5% ao ano, mas endureceu o discurso no seu comunicado. Ainda assim, a decisão do BC foi vista por parte do mercado como “dovish”, ou seja, menos preocupado com a inflação.

Alguns economistas, bancos e consultorias defendiam uma sinalização clara de alta de juros em setembro, por causa da piora das expectativas de inflação no Brasil. Isso ajudou a pressionar o dólar em relação ao real.

2 de agosto: desemprego nos EUA aciona o ‘alarme da recessão’

No dia 2 de agosto, uma sexta-feira, o quadro muda de figura. O índice payroll, que mede a criação de empregos privados formais nos EUA, referente ao mês de julho, veio abaixo do esperado. Já a taxa de desemprego subiu de 4,1% em junho para 4,3% em julho.

Publicidade

Embora ela permaneça baixa, o que preocupa os investidores é a rapidez do aumento – já que, em janeiro, o índice media 3,7%.

Além disso, economistas mais pessimistas com o cenário da economia americana dizem que há vários outros indicadores mostrando uma forte perda de fôlego do nível de atividade.

Um deles seria o aumento da inadimplência no cartão de crédito, que dobrou nos últimos três anos. O índice saiu de 1,54% do total de crédito concedido na modalidade, em julho de 2021, para 3,16% em julho deste ano.

O aumento do desemprego acionou o “alarme de recessão da economia americana”, medido pela “regra de Sahm”. Essa teoria foi formulada pela economista Claudia Sahm, que trabalhou no Fed entre 2007 e 2019. Ela elaborou uma tese para ajudar os governos a prever ciclos de recessão e, assim, conseguir acionar medidas de estímulo, para amenizar o impacto.

Publicidade

Pela “regra de Sahm”, todas as vezes em que a média móvel trimestral da taxa de desemprego nos EUA subiu 0,5 ponto percentual acima da média da taxa de desemprego dos últimos 12 meses, o país entrou em recessão.

O gráfico abaixo mostra as vezes em que isso ocorreu. As subidas do desemprego que cumpriram esse pré-requisito, foram, posteriormente, seguidas por período de recessão (faixa cinza). O receio é que isso vá se repetir agora.

5 de agosto: Bolsa do Japão afunda, índice de volatilidade dispara

Na segunda-feira, dia 5 de agosto, o pânico toma conta dos mercados com a abertura da bolsa japonesa. O índice Nikkei recuou 12%, o maior tombo em 37 anos. Houve também um efeito cascata em várias bolsas da região, como Coreia do Sul (-8,8%), Taiwan (-8,35%), Singapura (-4,07%) e Índia (-2,6%).

Um dos medos dos investidores foi que o Banco do Japão estivesse na contramão do mundo, subindo juros em época de recessão nos EUA – que se espalharia para a economia mundial. Essa desaceleração forçaria um corte mais rápido dos juros pelo Fed, o que diminuiria o diferencial de juros entre as economias dos EUA e do Japão. Com isso, o iene se valorizaria ainda mais, afetando a rentabilidade de empresas exportadoras japonesas.

Publicidade

A queda na Ásia disparou o índice de volatilidade Vix, e o mercado financeiro entrou em “modo pânico”, com investidores buscando ativos mais seguros para se proteger – entre eles, o dólar. O aumento do Vix foi o maior desde a pandemia do novo coronavírus.

A turbulência atingiu em cheio as empresas de tecnologia dos EUA, que eram beneficiadas por esse dinheiro barato japonês. Do dia 31 de julho ao dia 7 de agosto, as sete maiores empresas do setor no país perderam US$ 1,218 trilhão em valor de mercado, segundo Einar Rivero, sócio fundador da consultoria Elos Ayta.

“Os grandes investidores do mundo aproveitaram o momento de grande incerteza e acharam um bom motivo para realizar lucros, principalmente nas ações ligadas à tecnologia”, explicou o economista Alvaro Bandeira, coordenador de economia da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais do Brasil (Apimec). “A alta dos juros no Japão também contribuiu para isso. E aí lançam, com os dados que saíram, que a economia americana poderia entrar em recessão. Isso assustou o mundo todo, já que a China também está derrapando”, afirmou.

Nvidia perdeu US$ 446 bilhões; Amazon, US$ 254 bilhões; Apple, US$ 187 bilhões; Alphabet, US$ 154 bilhões; Microsoft, US$ 148 bilhões; Tesla, US$ 128 bilhões. Apenas a Meta, dona do Facebook, teve valorização de US$ 36 bilhões nesse período.

Publicidade

A perda supera o valor de mercado de todas as empresas brasileiras na B3, convertidas para o dólar, que soma US$ 826 bilhões. No Brasil, o dólar deu um salto em relação ao real, saindo de R$ 5,72 para R$ 5,85 na abertura do pregão.

Para o País, um dos efeitos da alta do dólar é o impacto sobre a inflação. Isso pode ser observado principalmente nos preços no atacado, que já refletem a valorização da moeda americana ao longo deste ano – antes, portanto, dessa última turbulência.

A inflação medida pelo IGP-DI, da Fundação Getúlio Vargas, saiu de -3,61% no acumulado em 12 meses até janeiro, para uma alta de 4,16% em julho, refletindo a forte valorização do dólar, que começou 2024 cotado em R$ 4,85.

6 a 8 de agosto: Mercados se recuperam

Depois da forte queda no dia 5, a bolsa do Japão subiu 10%, no dia seguinte, recuperando parte das perdas. Desde a divulgação da taxa de desemprego, no próprio dia 2, a economista Claudia Sahm concedeu uma série de entrevistas para defender a sua teoria, de um lado, mas também para tentar acalmar investidores, afirmando que não necessariamente os EUA estão em recessão.

Publicidade

“O aumento da taxa de desemprego em julho para 4,3% levou a regra de Sahm para 0,53 – logo acima do gatilho. Mesmo assim, há boas razões para ver o aumento atual da taxa de desemprego como um exagero da dinâmica recessiva, pelo menos um pouco”, escreveu a economista na rede social X.

Segundo ela, desta vez pode ser diferente, principalmente pelos impactos da pandemia no mercado de trabalho e o aumento da imigração nos EUA. “Já argumentei antes que pode ser diferente desta vez – isto é, a regra Sahm dispara sem recessão. As mudanças abruptas na força de trabalho desde a pandemia, incluindo o aumento da imigração, contribuiriam substancialmente para o aumento do desemprego”, disse.

Declarações de autoridades monetárias do Japão também ajudaram a melhorar o quadro, com a sinalização de que a taxa de juros por lá não vai continuar subindo.

Para o economista-chefe de Austin Rating, Alex Agostini, o mercado se precipitou com a leitura dos dados da economia dos EUA. “Foi um susto momentâneo, não uma mudança estrutural na macroeconomia ou na economia global. Pra mim, o cenário para os EUA ainda é de ‘pouso suave’ sem uma forte recessão. Os riscos são menores do que o que foi compreendido na segunda-feira”, afirmou.

Publicidade

E o Brasil?

No Brasil, o Banco Central divulgou a ata do Copom na terça-feira, dia 7, dizendo que não “hesitará” em subir a Selic em caso de piora do cenário. O tom mais duro agradou investidores, o que também ajudou a reverter as perdas da moeda brasileira. Na sexta-feira, dia 9, o dólar já estava cotado a R$ 5,51.

Mesmo com a melhora dos mercados, os títulos públicos de cinco anos do governo dos EUA, considerados o ativo financeiro mais importante do mundo, despencaram. Isso significa que o mercado está prevendo uma forte queda da taxa americana, acompanhando a desaceleração no país.

Para o Brasil, isso ajuda a valorizar o real e a diminuir o risco de um novo ciclo de alta da taxa Selic. Mas também reflete uma piora de dinamismo na principal economia do mundo – o que poderá afetar o comércio internacional e produtos que o Brasil exporta.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.