Um estudo realizado pela Iniciativa Brasileira para o Mercado Voluntário de Carbono estimou que deter o que é chamado de arco do desmatamento - o trecho no sul da Amazônia onde está concentrada grande parte da devastação atualmente e que cruza vários estados - custaria entre US$ 1,9 bilhão e US$ 2,3 bilhões por ano. De acordo com o artigo, seria necessário aumentar os recursos em 20 vezes em relação ao que é gasto atualmente, um total de US$ 104 milhões advindos do Fundo Amazônia e da venda de créditos de carbono.
Em artigo revelado com exclusividade ao Estadão, o cálculo é feito com base na criação de uma zona de amortecimento em que os proprietários de terras seriam remunerados por conservar a floresta. Foi estimado que, somando o custo de preservar (com a criação de planos de manejo, de monitoramento e de como lidar com desastres), mais o custo de oportunidade de não utilizar a terra para outros fins, chega-se a um total de US$ 12,40 (R$ 60,65) por hectare.
A partir disso, foram calculados valores totais para a preservação com zonas de extensão de 50 a 100 quilômetros, em um total de 200 a 255 milhões de hectares e descontando áreas que no momento já são destinadas para conservação ou para comunidades tradicionais (total de 68 a 100 milhões de hectares), o resultado é uma despesa anual de US$ 1,9 bilhão a US$ 2,3 bilhões.
Esse total é apenas 1% da estimativa do valor econômico da Amazônia para o planeta atualmente, calculado em US$ 317 bilhões pelo Banco Mundial. “A floresta em pé é algo que tem valor difuso, beneficia o mundo inteiro, mas para quem efetivamente tem aquela terra com cobertura florestal ela tem baixo valor agregado”, comenta Henrique Ceotto, sócio da McKinsey, consultoria que produz conteúdo para a Iniciativa Brasileira para o Mercado Voluntário de Carbono.
Assim, tornar a terra rentável permite que a floresta seja mantida de pé. A geração de créditos de carbono é vista como fundamental para isso. O mercado de créditos de carbono se baseia na premissa de que, ao diminuir as emissões de gases de efeito estufa em determinado período, ou compensá-las por meio de outras formas, como a regeneração de matas, uma empresa pode vender esses créditos para outras que emitiram mais do poderiam.
Na Amazônia, os créditos são vistos como forma de gerar renda de forma perene para produtores locais ao longo do ano, sem depender de safras de determinadas plantas. Contudo, a utilização de “coprodutos”, como frutos da mata ou outros da bioeconomia, também é vista como uma forma de preservação, relata Fernanda Facchini, gerente de Sustentabilidade da Natura. “A compra de créditos combinada à compra dos ingredientes é muito bem sucedida”, diz. A empresa de cosméticos afirma ter como uma de suas bandeiras estimular a utilização de substâncias encontradas na mata e extraídas de forma sustentável em seus produtos.
Para Munir Soares, CEO da Systemica, empresa de análise de dados que atua no mercado de carbono, o ponto principal do estudo é demonstrar alternativas para a geração de recursos e a preservação. “Queremos demonstrar que existe um vácuo e que o mercado de carbono pode suprir esse vácuo. Os créditos de carbono podem trazer recursos de forma significativa”, menciona.
Questão fundiária
O relatório traz seis recomendações para que os esforços sejam frutíferos, dos quais o primeiro é bem claro: regularizar a questão da posse de terras é um passo importantíssimo. Segundo os autores, boa parte das terras analisadas estão na categoria “sem destinação”, ou seja, pertencem a diferentes esferas de governo mas não está definido se serão destinadas à conservação, a povos tradicionais ou a outras formas de uso, como parques nacionais.
Leia também
Assim, tornar essas áreas rentáveis com o mercado de carbono pode fazer com que recebam uma destinação, gerando um interesse maior de prefeituras, governos estaduais e da União em protegê-las. “Isso pode financiar estados e municípios para que possam acelerar processos de destinação de uso”, diz Soares, da Systemica.
A questão se torna mais fundamental após denúncias de vendas de créditos de carbono que teriam sido gerados em terras griladas, surgidas em 2023. Os especialistas ouvidos pelo Estadão garantem que a credibilidade e integridade dos créditos são fundamentais para o mercado e, portanto, precisam ser auditados com frequência.
“A Iniciativa Brasileira desenvolveu um repositório de projetos e um padrão de auditoria que pode ser consultado dentro da plataforma desenvolvida, e deve evitar ou minimizar muito o risco de fluxo de crédito indo para o grileiro” conta Ceotto. O trabalho passa por checar os documentos de posse para garantir que não há sobreposição com terras públicas. A esperança é que, por ajudar a melhorar a qualidade da informação sobre posse da terra, os grileiros também sejam impedidos de atuar.
Fundo Amazônia
Os US$ 104 milhões foram calculados a partir do rendimento e das doações recebidas pelo Fundo Amazônia, criado pelo governo brasileiro para apoiar projetos de conservação e comunidades locais, e da venda de créditos de carbono gerados na floresta. O Fundo tem promessas de doações de governos estrangeiros, no total de US$ 1,5 bilhão, abaixo do indicado pelo relatório. “O Fundo Amazônia tem papel na política pública e o mercado voluntário complementa o vácuo de financiamento, cada fonte tem seu papel”, diz Soares.
A participação no mercado de créditos de carbono pode ser feita por empresas de diversos setores - a Iniciativa Brasileira para o Mercado Voluntário hoje conta com empresas como Vale, Itaú e Bayer. A Natura também integra, e avalia que a importância da preservação vai além da possível venda dos créditos. “O desenvolvimento dos mercados também tem viés do gerenciamento de risco dos negócios, pois se o desmatamento crescer, pode ameaçar fornecimento de substâncias que utilizamos nos cosméticos”, cita Facchini.
Para serem bem-sucedidos, os projetos de créditos de carbono precisam ser construídos em conjunto com as comunidades locais. “O projeto de carbono cria ponte entre o presente e o futuro que queremos, para que sejam criados planos de vida para as pessoas e famílias acompanhados de planos de investimento”, garante Munir Soares sobre a importância social para os projetos ambientais. As comunidades precisam sempre discutir na iniciativa a repartição de benefícios, seja em áreas privadas ou coletivas.
Entre as outras recomendações feitas no relatório, estão escalonar metodologias e mecanismos para mais projetos, aumentar as doações dos governos e da iniciativa privada para o Fundo Amazônia e viabilizar também projetos de restauração de áreas florestais anteriormente degradadas, como forma de ampliar ainda mais as áreas de amortecimento do desmatamento.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.