BRASÍLIA - Em meio à disputa entre bancos e maquininhas independentes de cartão de crédito, que já chegou à esfera jurídica, o presidente da Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB), Alfredo Cotait, afirma que o parcelado sem juros é vital ao varejo, mas admite que se trata de um “marketing” do setor.
“Nunca foi sem juros. Não existe nada sem juros. Mas é uma questão do comerciante. Ele, ao vender um produto, sabe qual será o custo (para antecipar aquele valor) e qual é o preço para vender. Tem um cálculo da taxa de juros, porque, no dia seguinte, ele vai lá e desconta (o recebível). Já tem um acordo com o cartão”, diz Cotait ao Estadão.
O empresário e ex-senador complementa: “Acontece que, se você falar que quer pagar à vista, ele (comerciante) não dá esse desconto. Porque ele fala: ‘É parcelamento sem juros’. É o marketing dele. Se te der o desconto, irá contra o próprio marketing.”
Questionado se não falta transparência na relação com o cliente, Cotait diz que o modelo já está consolidado no País e ajuda a acomodar as compras no bolso do consumidor. “Daqui a pouco vai ser o Pix parcelado”, diz ele, prevendo que, independentemente do meio de pagamento, a prática irá se manter.
“As drogarias fazem três ou seis parcelas. O comércio, principalmente de vestuário, faz em dez parcelas. Tem de tudo: até passagem aérea em 12 vezes. Você acha que não tem juro? O juro já está computado dentro (do preço)”, reforça.
Coluna
Cotait foge do tom beligerante adotado por maquininhas e bancos e diz que a saída seria construir um meio-termo. Ele sugere a adoção de um limite de oito parcelas, e afirma que vem conversando com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, sobre o assunto.
“O que pode ser estudado, e eu acho que convém, é o seguinte: em vez de dez parcelas, faça oito. Para que o cliente possa pensar melhor durante a compra. Acho que é saudável para o próprio consumidor”, afirma. Segundo ele, o objetivo é dar maior sustentabilidade ao parcelado sem juros, para não correr o risco de o instrumento ser extinto, o que seria muito prejudicial ao varejo.
Bancos X maquininhas
Segundo a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), 75% das compras realizadas com cartão de crédito no País não preveem o pagamento de juros aos bancos emissores. Mas os varejistas, como explicou Cotait, pagam juros às maquininhas para antecipar os valores parcelados, e embutem isso no preço final.
O problema, alegam os bancos, é que as instituições financeiras ficam com todo o risco de inadimplência sem serem remuneradas por isso, uma vez que o juro embutido nos preços acaba indo para as maquininhas. Algumas delas, as maiores, fazem parte dos mesmos conglomerados dos bancos, mas novos entrantes vêm abocanhando fatias relevantes do mercado e há uma disputa feroz por espaço.
Esse é o pano de fundo do impasse em torno do rotativo do cartão, a linha de crédito mais cara do País, que teve os juros limitados pelo Congresso - a dívida só poderá aumentar 100%, ou seja, dobrar de tamanho. As travas entrarão em vigor em janeiro, caso o setor não se autorregule. Um acordo, porém, ainda está distante de ser alcançado.
Para os bancos, só é possível reduzir o juro, de forma estruturada e saudável, se houver limitação no parcelado sem juros. As maquininhas, porém, dizem que não há relação direta entre a taxa do rotativo e o parcelado, e veem uma tentativa de restringir a competição.
Parcelado ‘pirata’
Na semana passada, a disputa ganhou contornos jurídicos, com a Febraban denunciando ao Banco Central (BC) e ao Ministério Público a existência de um parcelado sem juros “pirata” - exatamente pelo fato de as maquininhas se apropriarem dos juros do varejo sem correr o risco da inadimplência e sem deixar clara a cobrança das taxas.
O próximo capítulo desse embate está marcado para o dia 21, quando o Conselho Monetário Nacional (CMN) se reúne para discutir o tema. O colegiado é formado pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto, e pelos ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet.
A proposta dos bancos, entregue ao BC e rejeitada pelas maquininhas, prevê limitar as vendas sem juros a seis parcelas e, em caso de calote, prevê a possibilidade de consolidação do saldo total da fatura. Ou seja, as parcelas futuras do cartão teriam o vencimento antecipado e seriam reparceladas com juros inferiores aos do rotativo.
Pessoas que acompanham de perto as negociações dizem, no entanto, que a possibilidade de acordo ficou muito distante e admitem que a tendência é a limitação dos juros entrar em vigor no início de 2024, como determina a legislação aprovada pelo Congresso.
As instituições financeiras, porém, não jogaram a toalha e afirmam, nos bastidores, que há disposição de continuar perseverando para conseguir alguma limitação no parcelado. Para isso, o CMN poderia marcar uma reunião extraordinária ainda em 2023 ou, o mais provável, seguir discutindo o assunto em 2024.
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