PARIS - A cobertura de dois quartos tem vista panorâmica da Torre Eiffel e de praticamente todos os outros monumentos do horizonte de Paris. O aluguel, de 600 euros por mês, é uma pechincha.
Marine Vallery-Radot, 51 anos, inquilina do apartamento, disse que chorou quando recebeu a ligação, no verão passado, dizendo que a sua estava entre as 253 famílias de baixa renda escolhidas para um lugar no l’Îlot Saint-Germain, um novo complexo de habitação pública a uma curta caminhada do Musée d’Orsay, da Assembleia Nacional e do túmulo de Napoleão.
“Tivemos muita sorte em conseguir este lugar”, disse Vallery-Radot, uma mãe solteira que mora aqui com seu filho de 12 anos, enquanto olhava pelas janelas do quarto com vista para o Quartier Latin. “É isso que eu vejo quando acordo.”
Moradias públicas podem evocar imagens de torres sombrias e quadradas na periferia de uma cidade, mas essa habitação social foi construída nos antigos escritórios do Ministério da Defesa da França, no 7º arrondissement (divisão administrativa francesa), um dos bairros mais chiques de Paris.
Ela faz parte de um esforço ambicioso e agressivo para manter os moradores de renda média e baixa e os proprietários de pequenas empresas no coração de uma cidade que, de outra forma, seria inacessível para eles — e, por extensão, para preservar o caráter inefável de uma cidade adorada por pessoas do mundo todo.
Neste verão, quando a capital francesa receber mais de 15 milhões de visitantes para os Jogos Olímpicos, ela mostrará uma cidade projetada por políticas governamentais para alcançar a mixité sociale (diversidade social) — residentes de um amplo espectro da sociedade.
Um quarto de todos os residentes de Paris agora vive em moradias públicas, em comparação com 13% no final da década de 1990. A política de mixité sociale, promovida com mais força pelos partidos políticos de esquerda, principalmente o Partido Comunista Francês, tem como alvo a segregação econômica observada em muitas cidades do mundo.
“Nossa filosofia orientadora é que aqueles que produzem as riquezas da cidade devem ter o direito de viver nela”, disse Ian Brossat, um senador comunista que atuou por uma década como chefe de habitação da prefeitura. Professores, trabalhadores do saneamento, enfermeiros, estudantes universitários, padeiros e açougueiros estão entre os que se beneficiam do programa.
Tornar a filosofia uma realidade é cada vez mais difícil — a lista de espera para moradias públicas em Paris é de mais de seis anos. “Não vou dizer que isso é fácil e que resolvemos o problema”, disse Brossat.
Paris está sendo afetada pelas mesmas forças de mercado que atormentam outras cidades chamadas de superestrelas, como Londres, São Francisco e Nova York — um santuário para os mais ricos do mundo estacionarem seu dinheiro e comprarem uma parte de um museu vivo. Atualmente, o preço médio de um apartamento de 92,9 metros quadrados no centro da capital é de 1,3 milhão de euros (cerca de US$ 1,41 milhão), de acordo com a Câmara de Notários de Paris.
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A Fondation Abbé Pierre, uma instituição de caridade influente, foi excepcionalmente enfática em seu relatório anual, publicado em fevereiro, chamando a crise de acessibilidade econômica da França de “bomba social”, com o aumento da falta de moradia e 2,4 milhões de famílias aguardando pedidos de moradia pública, em comparação com 2 milhões em 2017.
Ainda assim, as medidas adotadas por Paris para manter os moradores de baixa renda na cidade vão muito além das iniciativas da maioria das outras cidades europeias, para não mencionar as americanas.
Todas as quintas-feiras, Jacques Baudrier, o conselheiro municipal de Paris responsável pela habitação, percorre a lista de propriedades que estão sendo trocadas por vendedores e compradores no mercado privado. Com algumas exceções, a cidade tem o direito legal de impedir a venda de um edifício, comprar a propriedade e convertê-la em moradia pública.
“Estamos em uma batalha constante”, disse Baudrier, que administra um orçamento anual de 625 milhões de euros.
A luta, segundo ele, é contra as forças que tornam a compra de imóveis parisienses impossível para todos, exceto para os mais abastados, incluindo os compradores que adquirem apartamentos como pieds-à-terre (segunda casa) e depois os deixam vazios durante a maior parte do ano. Paris também restringiu drasticamente os aluguéis de curto prazo, depois que as autoridades ficaram alarmadas quando bairros históricos, incluindo o antigo bairro judeu, o Marais, pareciam estar perdendo moradores em tempo integral, pois os investidores compravam lugares para alugar para turistas.
Ao mesmo tempo, a cidade construiu ou reformou mais de 82 mil apartamentos nas últimas três décadas para famílias com crianças. Os aluguéis variam de 6 a 13 euros por metro quadrado, dependendo da renda familiar, o que significa que um apartamento de dois quartos e 92,9 metros quadrados pode sair por apenas 600 euros (US$ 650) por mês. O país também construiu 14 mil apartamentos para estudantes nos últimos 25 anos; os aluguéis mensais em um complexo que está prestes a ser concluído no 13º arrondissement começam em 250 euros por mês.
A agência de estatísticas francesa, Insee, informa que Paris abriga mais de 10 mil enfermeiros, 1.700 padeiros, 470 açougueiros, 945 coletores de lixo e 5.300 zeladores. A pressão por mais moradias sociais e outros programas para tornar a cidade mais acessível coincidiu com o domínio dos partidos políticos de esquerda, que chegaram ao poder em 2001 após décadas de governo de direita.
Mas François Rochon, consultor de planejamento urbano, disse haver um consenso funcional entre a direita e a esquerda na França hoje sobre a necessidade de moradias públicas que reflete algumas outras nações europeias, mas não os Estados Unidos. “Viver em moradias sociais não é estigmatizado”, disse Rochon, que apontou suas raízes há um século na França, quando as empresas construíam apartamentos para seus funcionários.
Como uma medida do alinhamento entre esquerda e direita sobre a questão, Benoist Apparu, ex-ministro da Habitação que atuou em um governo conservador, descreveu a habitação social como “absolutamente essencial”.
“Uma cidade, se for composta apenas por pessoas pobres, é um desastre”, disse Apparu, que agora trabalha para uma incorporadora imobiliária. “E se for composta apenas por pessoas ricas, não é muito melhor.”
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