BRASÍLIA - Parlamentares das bancadas ligadas às demandas empresariais avaliam propor uma lei para adiar por 90 dias a reoneração da folha de pagamento das empresas. A criação dessa noventena seria uma medida paliativa para evitar que as companhias já tenham de recolher a contribuição patronal pela alíquota cheia no próximo dia 20, data do pagamento.
“É uma das possibilidades que está sendo estudada”, afirmou ao Estadão o senador Efraim Filho (União-PB), autor do projeto que prorrogou a desoneração de 17 setores da economia até 2027, que inclui milhares de empresas que contratam mais de 9 milhões de pessoas. Atualmente, o benefício está suspenso por decisão liminar do Supremo Tribunal Federal (STF).
Questionado se a ideia seria propor uma lei específica sobre o tema ou incluir um artigo sobre o assunto em texto correlato, Efraim diz que “ambas as hipóteses” estão sendo consideradas. Segundo ele, o objetivo é tentar construir uma saída mediada, que envolva o Ministério da Fazenda. “Uma solução pela via da política e não jurídica, que é o melhor”, disse.
Segundo Efraim, seria uma forma de reduzir a insegurança jurídica do setor produtivo e ajudar a amenizar “o desgaste do governo com o segmento”.
Questionado pelo Estadão, o Presidente da Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE), Joaquim Passarinho (PL-PA), confirmou que a proposição de uma lei prevendo a noventena é uma das possibilidades em estudo, mas afirmou que os parlamentares ainda vão dialogar sobre o tema. “Vamos conversar ainda hoje”, disse.
O presidente da Frente Parlamentar do Comércio e Serviços (FCS), deputado Domingos Sávio (PL-MG), reforçou que há várias frentes de trabalho relacionadas à desoneração. A principal delas, segundo ele, é continuar insistindo para que a decisão do STF seja revertida, se não integralmente, ao menos parcialmente.
“O Supremo poderia dar ganho de causa parcial (à União), descartando (da lei) apenas aquilo que o Congresso acrescentou durante a tramitação”, afirma Sávio. Dentre os itens inseridos pelos parlamentares está a desoneração da folha dos municípios, também suspensa pela liminar do Supremo.
Outra possibilidade seria emendar algum projeto de lei que tenha fonte de compensação para prever a desoneração da folha das empresas até 2027 e, se possível, também das prefeituras. “E a terceira via de trabalho é a pressão política sobre o Executivo”, diz Sávio.
Empresas vão procurar a Fazenda
Em um esforço articulado, os empresários vêm pressionando para que a própria Receita Federal adie a reoneração, e não descartam a convocação de um ato conjunto com as centrais de trabalhadores, uma vez que esses setores são grandes empregadores. A manifestação está sendo avaliada para esta quinta-feira, em São Paulo, mas dependerá das negociações políticas até lá.
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“É imprescindível que não haja obrigatoriedade de pagamento do imposto majorado no próximo dia 20 e que haja um prazo para que possamos alcançar um entendimento definitivo”, afirma Vivien Suruagy, presidente da Feninfra, entidade que representa as empresas do setor de infraestrutura de telecomunicações.
Após reunião nesta segunda-feira, 6, os empresários que representam os 17 setores afetados pela reoneração da folha decidiram procurar o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para fazer um pedido formal de adiamento da cobrança.
Dentro da Fazenda, porém, há uma série de resistências a essa ampliação de prazo - que impactaria as contas públicas. Interlocutores da equipe econômica ouvidos pelo Estadão citam ao menos dois fatores que impossibilitariam tal flexibilização por parte do Fisco.
Primeiro, alegam que não há que se falar em noventena quando há uma declaração de inconstitucionalidade, em referência à liminar do ministro Cristiano Zanin, do STF, que acatou ação protocolada pelo governo e suspendeu a desoneração. Esse entendimento, porém, é questionado por tributaristas, que citam jurisprudência do próprio STF em direção contrária.
O segundo ponto destacado pelos interlocutores da equipe econômica, é o fato de o governo não poder abrir mão de receita pública sem que haja previsão legal para tal. Membros da pasta dizem que o artigo 150 da Constituição é bastante claro ao dizer que qualquer subsídio, isenção ou anistia de impostos, taxas e contribuições só poderão ser concedidos “mediante lei específica”.
Ou seja, segundo essas fontes, a noventena só poderia ser concedida se houvesse amparo legal para tal e não poderia ser um “jabuti”, em referência à inclusão de artigos que não guardam relação com o texto principal do projeto. Precisaria ser uma lei específica, na visão da Fazenda.
A aprovação da lei pelo Congresso, no entanto, ainda assim pode não garantir a aplicação da noventena. Isso porque, para ter efeito, o texto precisaria ser sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e membros do governo avaliam que “seria difícil alguém fazer um parecer defendendo a sanção”, tendo em vista que vai na contramão de liminar do STF.
Um caminho mais pacificado, mas que pode ser mais demorado, seria o Supremo modular os efeitos da sua decisão, determinando que ela só entre em vigor após noventa dias. Mas, para isso, seria necessário aguardar o fim do julgamento, que foi paralisado após pedido de vista do ministro Luiz Fux.
Fux tem prazo de até 90 dias para devolver o processo. Até a suspensão, havia cinco votos para a manutenção da liminar, ou seja, faltava apenas um para formação de maioria a favor do governo.
Tributaristas não descartam, porém, a possibilidade de Zanin atender a um pedido da Confederação Nacional dos Serviços (CNS) e conceder a noventena no âmbito da sua própria liminar, sem que haja decisão final da Corte. Essa alternativa é vista como mais remota, mas não está descartada.
Na semana passada, a CNS enviou manifestação ao STF pedindo que a decisão de Zanin fosse derrubada pelo plenário da Corte e que, caso fosse mantida, tivesse efeito prático apenas a partir de 1º de agosto para respeitar a quarentena de 90 dias.
Entenda a desoneração da folha
A desoneração da folha é um benefício fiscal que substitui a contribuição previdenciária patronal de 20% incidente sobre a folha de salários por alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta. Ela resulta, na prática, em redução da carga tributária da contribuição previdenciária devida pelas empresas.
Ela vale para 17 setores da economia. Confira abaixo quais são:
- Confecção e vestuário;
- Calçados;
- Construção civil;
- Call center;
- Comunicação;
- Empresas de construção e obras de infraestrutura;
- Couro;
- Fabricação de veículos e carroçarias;
- Máquinas e equipamentos;
- Proteína animal;
- Têxtil;
- TI (tecnologia da informação);
- TIC (tecnologia de comunicação);
- Projeto de circuitos integrados;
- Transporte metroferroviário de passageiros;
- Transporte rodoviário coletivo;
- Transporte rodoviário de cargas.
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