Rio - O economista americano Paul Krugman, vencedor do Prêmio Nobel de Economia em 2008, disse nesta terça-feira, 26, que o fato de a inflação nas economias globais ter desacelerado sem causar recessões dificulta a redução dos juros. Segundo ele, este cenário deixa as autoridades monetárias com medo de causar um superaquecimento da economia, e portanto da inflação, caso cortem os juros no curto prazo.
“A economia tem sido muito resiliente diante da alta dos juros. É bom saber que não vimos uma recessão até agora”, disse, durante participação na Fides 2023, evento internacional do mercado de seguros que acontece no Rio de Janeiro. “Os reguladores podem comemorar, mas o fato de que as economias não desaceleraram faz com que tenham medo de reduzir juros, porque a economia pode superaquecer, então se fala em manter os juros mais altos por mais tempo, ou então para sempre.”
Segundo ele, é “surreal” o fato de que o aperto monetário global não levou a recessões nas maiores economias do mundo. Krugman afirmou que provavelmente a inflação de fato era transitória, embora mais duradoura do que se esperaria.
Na visão do Nobel de Economia, preços de alimentos e de energia não são as melhores medidas da alta de preços no período pós-pandemia, porque são mais voláteis. De acordo com ele, isso faz com que os países comecem a buscar novas leituras sobre os índices inflacionários.
“A maior parte dos países agora também calcula algum tipo de núcleo inflacionário, o que ajuda a extrair um sinal dos ruídos”, disse.
Estabilidade financeira no foco
Krugman disse também que a principal preocupação econômica ao redor do mundo está mudando da alta da inflação para a estabilidade financeira. De acordo com ele, as economias têm lidado melhor que o esperado com a alta dos preços, o que reduz preocupações vistas no início deste ano.
“Estamos em uma fase em que algumas das maiores preocupações que tivemos no começo do ano estão recuando, mas talvez algumas novas preocupações estejam chegando. Estamos mudando de um mundo em que a inflação é a principal preocupação para um mundo em que a estabilidade financeira se torna uma grande preocupação”, disse.
Para o economista, boa parte dos debates econômicos no começo do ano girava em torno do custo que as economias teriam para controlar a inflação. Krugman disse que o combate à inflação nos Estados Unidos e na Europa na década de 1980 trazia temores sobre o impacto da alta dos juros sobre a atividade. “Controlar a inflação era uma proposição custosa, e havia temores de que houvesse uma repetição dessa experiência [dos anos 1980]”, disse ele.
O economista afirmou que estava errado ao estimar a inflação que a pandemia da covid-19 provocaria no mundo todo. Segundo ele, ao longo da emergência sanitária, a capacidade produtiva das economias foi reduzida, mas os programas de auxílio dos governos mundo afora mantiveram a capacidade de consumo das famílias - um cenário que gerou inflação.
Elevar juros era a única opção
Na avaliação dele, os bancos centrais do Brasil, dos Estados Unidos e da zona do euro não tinham outra opção no período pós-pandemia se não elevar as taxas de juros. Segundo ele, guardadas as devidas diferenças, o cenário visto no Brasil não é tão diferente do que se viu nas outras duas economias.
“Não acho que esses bancos centrais (do Brasil, dos EUA e da UE) tinham outra opção que não elevar os juros”, disse. Krugman afirmou que o cenário visto após a reabertura das economias não era de superaquecimento, mas que os BCs tiveram de apertar a política monetária para evitar que esse risco se concretizasse.
O economista afirmou que não comentaria de forma mais específica sobre o caso do Brasil, por conhecer pouco das especificidades do atual cenário econômico brasileiro. De modo geral, segundo ele, os juros poderiam ser mais baixos nas principais economias do mundo se as políticas fiscais estivessem menos expansionistas. “Os Estados Unidos estão gerando gigantescos déficits fiscais”, disse ele, em um exemplo.
Krugman afirmou ainda que os juros mais altos por mais tempo trazem riscos à estabilidade financeira global, por dois motivos. O primeiro é o fato de que as instituições financeiras detêm uma série de títulos públicos, que perdem valor de face com a alta dos juros. O segundo é a própria dívida pública, que está alta na maioria dos países. “Se os juros ficam mais altos por mais tempo, esses fatores se tornam uma preocupação.”
Mudanças climáticas
Para o economista, os riscos trazidos pelas mudanças climáticas começam a aparecer no presente. Segundo ele, a tecnologia pode ajudar a evitar perdas maiores, mas o mundo corre contra o tempo para controlar os efeitos da crise do clima. “A mudança climática não é mais uma fonte hipotética de preocupação, os desastres estão acontecendo no presente”, disse.
Krugman afirmou que a tecnologia é aliada da humanidade no combate às mudanças climáticas, o que é uma boa notícia. Segundo ele, os benefícios estão na capacidade de prever eventos e os efeitos da própria mudança climática. Entretanto, essa ajuda não significa que os efeitos não existirão. “A questão é se vamos fazer o suficiente a tempo”, disse ele.
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