‘Meta de fim do desmatamento ilegal no País deveria ser antecipada para 2025′, diz Pedro de Camargo

Ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira diz que falta prioridade ao governo e que há uma confusão em tratar desmatamento ilegal e legal como igual

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Foto do author Isadora Duarte
Foto: Arquivo pessoal
Entrevista comPedro de Camargo NetoPecuarista e ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB)

BRASÍLIA - Pecuarista e ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), o empresário Pedro de Camargo Neto avalia que o governo precisa tratar o fim do desmatamento ilegal com maior prioridade e com estratégias para além do comando e controle. Para Camargo Neto, o País perde protagonismo ao chegar na 28ª Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-28), na próxima semana em Dubai, com o compromisso de zerar o desmatamento até 2030, conforme o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm).

“É um erro pensar em admitir mais sete anos para combater a ilegalidade”, disse Camargo Neto, em entrevista ao Estadão/Broadcast. Ele defende que o compromisso do País seja revisto para 2025, quando o Brasil vai ser a sede da COP-30, em Belém (PA). “É possível fazer muito mais desde que exista prioridade.”

Na avaliação do empresário, com cerca de 1,5% das emissões de gases relacionados ao efeito estufa, o Brasil tem uma posição geopolítica privilegiada para pressionar os grandes emissores na revisão de seus compromissos, mas para isso precisa enfrentar o desmatamento na Amazônia, principal fonte das emissões domésticas.

“Infelizmente, me parece que não terá liderança para utilizar essa posição ao falar em desmatamento zero somente em 2030 e ao tratar tudo junto impedindo enxergarem o importante posicionamento do Brasil”, diz.

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Queimada na Amazônia: Brasil deveria chegar à COP-28 com metas mais ambiciosas, diz pecuarista Foto: Gabriela Biló/Estadão

Liderança ativa no setor, Camargo Neto foi secretário de Produção e Comercialização do Ministério da Agricultura no governo de Fernando Henrique Cardoso e uma das vozes dissonantes quando o setor se alinhou às práticas do ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

O desmatamento na Amazônia caiu 45% neste ano, segundo os dados divulgados pelo governo. É um número a ser comemorado?

É um número positivo, mas é o fácil, porque existia um ambiente de descontrole e uma certa indução à ilegalidade. O garimpo era praticamente aceito, assim como a exploração madeireira ilegal. O governo chegou, pôs controle e conseguiu. Agora, a próxima etapa será cada vez mais difícil. O governo, em vez de sinalizar prioridade no enfrentamento do desmatamento, com aumento de efetivos, aumento de recursos, uma estratégia nova, ele inclui na NDC (sigla em inglês para Contribuição Nacionalmente Determinada) 2030 e sinalizou 2030 como o fim do desmatamento. Com isso, leio que ele não está com pressa.

Na sua opinião, a meta de fim de desmatamento ilegal deveria ser antecipada?

Ao meu ver, o fim do desmatamento ilegal teria de ser antecipado para até a COP-30, que será realizada em Belém em 2025. Cada país tem um desafio para enfrentar em relação à emissão de gases de efeito estufa, como trocar a matriz de combustíveis fósseis e adotar carros elétricos. Todos são difíceis. O nosso desafio é a criminalidade na Amazônia. Acho que o nosso desafio é até mais fácil que o dos Estados Unidos e o da China, porque para o deles existe um debate público sobre realizar ou não a mudança. O nosso consiste no combate ao crime e, para isso, não precisa de debate público. Exige estratégia, mais polícia, mas não há contrariedade em combater criminalidade. Contudo, não existe prioridade e há uma confusão em tratar desmatamento ilegal e legal como igual no Prodes (Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite do Inpe).

É danosa para o Brasil e para o mundo, porque o papel geopolítico do Brasil hoje era pressionar a Europa e a China quanto à redução das emissões. Para ter uma posição geopolítica forte, não basta sediar a COP-30 em Belém. É preciso chegar lá com força política de mostrar “estou fazendo a minha parte enfrentando o crime e vocês não estão mudando e continuam usando petróleo”. O Brasil perde oportunidade. O agro está nessa conta toda. Se o governo não tem capacidade, ele que confesse que não dá conta de controlar o crime e fica proibido de atribuir a culpa aos alimentos. É possível fazer muito mais desde que exista prioridade. É responsabilidade do Brasil enfrentar a sua maior fonte de emissão, que é o desmatamento, em momento de mudanças climáticas.

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O Prodes não separa. Se tiver Cadastro Ambiental Rural (CAR) é possível separar pela delimitação das áreas e cruzamento com as autorizações de desmate nas áreas legais. A grande fonte do desmatamento ilegal é área de grilagem, as áreas não denominadas. Ao meu ver, a maior parte das áreas não denominadas na Amazônia são áreas federais. Hoje, há pouca área privada que pode ser desmatada. É preciso que o governo trabalhe em conjunto com as Secretarias de Meio Ambiente dos Estados, com ICMBio, com Polícia Federal e Ministério da Gestão - responsável pela gestão do CAR.

O que precisa ser feito nessa segunda fase de combate e controle do desmatamento, que o senhor considera que será mais difícil?

Falta orçamento, a Garantia da Lei e da Ordem (GLO) na Amazônia não deu certo, a força policial é pequena. É uma questão também de estratégia de utilizar a tecnologia disponível, como imagem de satélite. Com essa informação, tem de haver ação policial imediata. Alguns Estados, como Mato Grosso e Pará, fazem esforços, mas há questões que têm de ser feitas pelo governo federal. Existe um trabalho de recomposição de orçamento federal, mas para ser o líder mundial precisamos fazer mais do que está sendo feito.

Há uma estimativa de que o Brasil sairia de 6º maior emissor de gases ligados ao efeito estufa para 23º emissor com o fim do desmatamento. O desmatamento precisa ser visto, para além do uso da terra, como também ação para redução das emissões de carbono?

Em tese, está relacionado. O Brasil tem 1,5% das emissões de gases de efeito estufa, enquanto a China tem 30% e os Estados Unidos têm 20%. A maior parte deles é desmatamento, porque não se coloca prioridade nisso e se aceita até 2030. Acho que não zeramos até 2030, mas podemos chegar próximo. Se fizermos isso, mostramos prioridade ao mundo em combater o nosso maior emissor, o desmatamento ilegal, e com força para exigir que mundo encare os seus emissores. Se o Brasil enfrentar desmatamento ilegal com prioridade e destinação de recursos, mostraria ao mundo que está levando questão a sério e poderia exigir mais. Se chegar na COP-30 em Belém com desmatamento correndo, o País perde protagonismo.

O governo incluiu acabar com desmatamento legal até 2030, mas não começou o debate ainda. Concordamos que o ilegal é a maior parte do desmatamento e que o enfrentamento do ilegal precisa de política. Então, vamos enfrentar isso com rigor. Quando estiver enfrentado com rigor e sob controle, colocamos o desmate legal em debate, com transparência. Este seria o momento de abrir o debate sobre o desmate legal com transparência. Mudança no Código Florestal ou permiti-lo até 2030 poderia ser uma proposta. O governo pode por meio de mecanismos financeiros induzir para não haver desmatamento, mesmo o legal.

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A legislação do mercado de carbono é outra estratégia. Em paralelo, temos os biocombustíveis de segunda geração e a energia fotovoltaica indo bem, o que de repente permite aceitar a emissão que precisaria para alimentos. É algo a ser debatido depois de virar a página do ilegal. Quem vai decidir é a sociedade. O País até pode iniciar debate antes ou em paralelo, mas deveria começar depois de tratar o ilegal, desde que tenha convencido que está tratando o desmatamento ilegal e que precisa disso nas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs). Uma alternativa de mecanismo financeiro para recompensar o não desmate poderia ser o pagamento com crédito de carbono. Mas está errado deixar junto o desmatamento ilegal e legal. Isso é reflexo para política externa que trata ambos como iguais, mas para política doméstica são fatos que têm de ser tratados separados e com transparência.

O agronegócio é muito associado ao desmatamento ilegal. Como mudar isso e como o setor pode contribuir para a redução do ilegal, de forma geral, na sociedade?

Esse atrelamento ao agro é o resultado de deixar o ilegal e o legal juntos. É uma decisão política. É instrumentalizar essa decisão com política pública de diminuir drasticamente a emissão do Brasil, sabendo que a maior parte dela é do desmatamento ilegal. Para desmatamento ilegal, é polícia na rua. As entidades do setor vêm se manifestando contra o desmatamento ilegal. Ainda existe uma polarização partidária e na gestão Bolsonaro houve crescimento do desmatamento ilegal. Esse vínculo acaba pesando. É um movimento de deixar claro que isso não é assim e que o setor se desatrelou disso. As lideranças do agro defendem o fim do desmate ilegal.

Nem o agro e nem o Brasil estão preparados, até porque o debate não se iniciou. Ouvi pela primeira vez a meta incluindo fim do desmatamento legal do secretário Extraordinário de Controle dos Desmatamentos e Ordenamento Ambiental e Territorial do Ministério do Meio Ambiente, André Lima, e não ficou claro se estará contemplado na própria lei do mercado regulado de carbono. O debate não se iniciou nem pelos ambientalistas, nem pelo governo e nem pelo agro. O desmatamento legal está na lei, portanto, ou se muda a lei ou se traz incentivos para isso. Há um debate enorme a ser feito e que ainda não foi iniciado.

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Há um lema no agro de que o setor pode dobrar a produção de alimentos sem derrubar uma árvore sequer a partir dos 40 milhões de hectares de pastagens degradadas. É realmente possível?

A ocupação das pastagens é um processo natural. É possível. Então, não precisa derrubar mais nenhuma árvore? Ou você muda o Código Florestal ou incentiva o produtor a não desmatar. Isso é um debate. Quem está lá com uma fazenda e tem o direito de desmatar pode ser recompensado por algum instrumento financeiro. Mas é um debate que ainda não foi iniciado. É um debate tão relevante como foi o do Código Florestal. Eu sou contra mudar o código. Sou a favor de incentivos para evitar o desmate. O Brasil ainda não sabe o quanto de área foi desmatada. Não sabemos nem o número exato que precisa ser feito regularização ambiental e quem ainda tem direito a desmatar.

Enxergo que houve omissão do Brasil quando a lei foi aprovada. Na tramitação da lei no Parlamento Europeu não houve a participação de exportadores brasileiros. Primeiramente, precisamos assumir essa omissão. Agora a lei está na fase da regulamentação. Acho que para preservar o comércio, precisamos ampliar a rastreabilidade. Já fizemos rastreabilidade para a Encefalopatia Espongiforme Bovina (EEB), conhecida como o mal da vaca louca. É possível rastrear a cadeia para comprovar a não ligação com desmatamento. Para a cadeia bovina, podemos resolver com certificação privada. Para a soja, já existem certificações de rastreamento no mercado. Na minha opinião, a lei da União Europeia está em desacordo com as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), mas a OMC demora tempo para avaliar as questões e não necessariamente resolve. Não será solução levar a questão para a OMC como estratégia prioritária.

Neste momento, também acompanhamos queimadas no Pantanal. É outra pauta a ser priorizada? Esse tema está de fato sendo concretizado pelo setor privado e governo?

É uma pauta complexa. No governo Bolsonaro, durante as queimadas no Pantanal, vi relações equivocadas com desmatamento. O fogo do Canadá e o da Califórnia têm origens distintas das queimadas do Brasil e tem que ser tratados de maneira distinta O fogo do Pantanal não é ligado ao desmatamento, e sim às altas temperaturas, com a maioria dos focos de causas naturais. O enfrentamento está, de fato, sendo concretizado.

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O Brasil discute seu mercado regulado de carbono. O agronegócio ficou de fora da regulamentação. O setor perde ao não participar?

Não estávamos preparados para entrar. O mercado de carbono foi desenvolvido na Europa e nos Estados Unidos para pressionar a energia e os combustíveis fósseis, como maior emissor de carbono nestes mercados. Ele foi pensado para pressionar o fóssil e não para a compra de créditos de carbono. Na produção de alimentos se visa a incentivar a redução das emissões e não a penalização aos produtores. A produção de alimentos não pode ser vista como passiva e sim tem de integrar a rota da redução da emissão. Ela produz algo que é essencial, mas usina a carvão pode ser substituída por outras fontes, por exemplo.

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