Em um campo de refugiados em Bangladesh, economistas separaram pessoas do povo ruainga em três grupos. Elas foram designadas aleatoriamente ou para um grupo de controle ou para um grupo que recebia emprego ou para um grupo que recebia um benefício financeiro equivalente ao salário dos que foram empregados. O estudo concluiu que aqueles que recebiam o dinheiro, sem o emprego, não tiveram o mesmo ganho de bem-estar psicológico do que os empregados.
Publicado recentemente, o trabalho de pesquisadores do Banco Mundial e das universidades de Harvard, Nova Iorque e American (Hassam et al., 2021) vai ao encontro de vários outros resultados das ciências sociais. Eles identificam que o desemprego não prejudica o indivíduo apenas pela privação da renda, mas também por privá-lo do contato com uma comunidade e privá-lo de um propósito. Há repercussões sobre a sua identidade e autoestima.
Economistas mostram que o desemprego tem relação não somente com a violência contra outros (Daniel Cerqueira e Rodrigo Moura estimaram aumento de 1,8% na taxa de homicídios para cada aumento de 1% na taxa de desemprego dos homens), tendo relação também com a violência contra si. A associação entre desocupação e suicídio já foi observada em vários países. Para o Brasil, Paulo Loureiro, Mario Mendonça e Adolfo Sachsida identificaram a causalidade principalmente para grupos mais jovens.
O IBGE divulgou na última semana os dados mais novos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad contínua mensal). Houve um recuo na taxa de desemprego para 14,1% no trimestre móvel encerrado em junho. Mas esse indicador não contempla toda a magnitude do nosso desastre.
Muitos milhões de brasileiros deixaram de trabalhar desde o início da pandemia e ainda não recuperaram seus empregos. Muitos não são contados nas estatísticas de desemprego por questões metodológicas, grosso modo por não buscarem um emprego em um determinado período, ainda que queiram um (estão fora da chamada força de trabalho). O número oficial de desempregados (14,4 milhões) tem só 3 milhões de pessoas a mais em relação ao final de 2019.
Já outro indicador do IBGE, mais abrangente, incluindo quem está fora da força de trabalho, mostra uma situação mais dramática: mais de 32 milhões de brasileiros classificados como “população subutilizada”. A taxa de subutilização, de 29%, ainda está bem acima do já alto nível anterior à pandemia, de 23%. Esta é uma métrica melhor que a taxa de desemprego para a população cuja saúde mental está ameaçada pela economia.
As estimativas para o aumento do risco de suicídio com o desemprego variam na literatura, mas para diversos países o risco foi encontrado, com a preocupação se centrando nos homens e nos casos de desemprego de longa duração. Outros estudos revelam relação entre desemprego e aumento de mortes decorrentes de abuso de álcool ou overdose de drogas, o que junto com suicídio tem se convencionado chamar de “mortes por desespero” nos EUA – a partir dos escritos do economista Angus Deaton , um prêmio Nobel.
Outro prêmio Nobel, o indiano Amartya Sen já há décadas chamava atenção para outro efeito do desemprego: a perda da própria liberdade. De fato, o desemprego limita a capacidade de planejar a vida e fazer escolhas.
O momento atual, sabemos, é de crise sanitária, mas é também de uma profunda crise econômica: é um cenário desafiador que exige nossa atenção e carinho em nossas redes pessoais. O próximo dia 10 é o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio: a partir da data, a Associação Brasileira de Psiquiatria e o Conselho Federal de Medicina promovem o Setembro Amarelo. A campanha que ocorre neste mês é voltada à conscientização e à prevenção – além da diminuição do estigma. Visite setembroamarelo.com para saber sobre fatores de risco e sinais de alerta, bem como para compartilhar o conteúdo da campanha. Agir salva vidas. * DOUTOR EM ECONOMIA
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