Apesar de economista, Gilberto Nogueira é um simpático participante da atual edição do Big Brother Brasil. Conversando com outros participantes, em um inusitado papo-cabeça para o programa, o aluno do doutorado em Economia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) compartilhou o resultado de um estudo que concluíra que regiões que mais utilizaram a escravidão acabaram tendo um crescimento econômico menor no longo prazo. O que aconteceu?
Com base na lição de Gilberto, outros participantes deram sequência à conversa: para eles esses locais sofreram com uma espécie de carma, uma vingança do universo contra a escravidão. No Econtwitter, a bolha que discute economia naquela rede social, usuários especularam que a referência era na verdade a pesquisa do economista armênio-americano Daron Acemoglu, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).
O trabalho de Acemoglu, já citado aqui nesta coluna, dá especial ênfase ao papel das “instituições” para o desenvolvimento econômico. Nesta acepção, instituições não são pessoas jurídicas ou órgãos do governo, mas um conjunto de regras que regem o funcionamento da sociedade – sejam as regras formais (como leis) ou informais.
Nesse sentido, a escravidão teria levado a instituições pouco amigáveis ao crescimento econômico no longo prazo. No jargão, instituições mais extrativas (em que elites improdutivas extraem a riqueza do país por meio de privilégios) do que inclusivas (em que as regras do jogo recompensam o esforço e o talento dos cidadãos). Com o cientista político James Robinson (Universidade de Chicago), Acemoglu popularizou os conceitos no best-seller Por que as Nações Fracassam.
A relação entre instituições e escravidão é aprofundada no estudo empírico Encontrando Eldorado. Nele, Acemoglu, Robinson e Camilo García-Jimeno detectam que regiões mineradoras da Colômbia, que demandavam mais trabalho escravo, viviam séculos depois com indicadores piores de pobreza, vacinação e educação – além de desigualdade. Com os métodos quantitativos apropriados, os autores descartam que os indicadores reflitam outras influências daquele período. Concluem que “os efeitos persistentes da escravidão são provavelmente devido em grande parte ao complexo institucional que apoiava a escravidão”. Para piorar, os efeitos parecem até ter piorado ao longo do tempo.
Economistas brasileiros também têm feito um esforço em anos recentes em compreender como a escravidão afetou o País no longo prazo, inclusive pelo seu papel de moldar as instituições. De 2017, o estudo de Humberto Laudares (Universidade de Genebra), Thomas Fujiwara (Princeton) e Felipe Valencia Caicedo (Vancouver School of Economics) aponta para os efeitos persistentes da escravidão sobre a desigualdade. Cada 1% a mais na participação de escravos na população de um município em 1872 estaria associado a um aumento hoje de mais de 0,10 no Índice de Gini. Nesse índice, de 0 a 1, quanto maior o valor, maior é a desigualdade de renda.
Mais recentemente, Thales Pereira, Leonardo Weller (ambos da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas), Nuno Palma (Universidade de Lisboa) e Andrea Papadia (Universidade de Bonn) mostraram como a escravidão prejudicou o processo de industrialização do País. A existência de escravos teria atrasado esforços de alfabetização e a própria imigração: “Não há evidências de que a escravidão beneficiou as sociedades que dependiam amplamente dela. Não só a escravidão é abominável de uma perspectiva normativa moderna, mas também teve consequências negativas para o desenvolvimento: enquanto os proprietários de escravos e alguns poucos setores lucraram com isso, a sociedade em geral perdeu.”
Esses estudos quantitativos vão ao encontro de visões de outros cientistas sociais e da percepção de muitos cidadãos: a escravidão não ficou em nosso passado. Como fazer com que esse legado não seja uma sentença?
*DOUTOR EM ECONOMIA
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