BRASÍLIA - Presidente do Conselho Superior de Inovação e Competitividade da FIESP, o empresário Pedro Wongtschowski, diz em entrevista ao Estadão que a Taxa de Longo Prazo (TLP) foi uma solução errada e precisa ser alterada urgentemente. A TLP é usada nos empréstimos concedidos pelo BNDES e está no centro do debate econômico após o governo sinalizar que quer fazer ajustes para torná-la menos volátil para as empresas tomadoras dos empréstimos.”Houve um equívoco, um erro técnico, na forma como a TLP foi fixada”, diz ele, que integra os conselhos de Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) e de várias empresas. Apoiador da atual ministra do Planejamento, Simone Tebet, nas eleições do ano passado, Wongtschowski fala também da reforma tributária, situação econômica do País, além de fraudes e roubos que estão tirando receita de empresas como energia e saneamento
O cenário para o crédito tem se mostrado bem adverso com risco de restrição e impacto nos investimentos. Como avalia o quadro daqui para frente?
Sim, de fato existe um risco. Há uma preocupação quanto à disponibilidade de crédito. Está havendo certa retração de crédito na economia e isso pode, sim, representar um problema, especialmente para o varejo, que tem margens menores e está menos capitalizado. Há sinais preocupantes quanto ao próprio nível de atividade no Brasil nos próximos neste ano e no ano que vem. É um pouco reflexo do ambiente econômico, de certa incerteza em função de o governo ainda não ter apresentado como pretende tratar a questão fiscal. E a existência de um juro básico da economia, a Selic, muito elevado. Esse jogo está atingindo os objetivos, talvez de maneira exagerada, que é a redução do nível de atividade econômica no País.
De que forma isso se reflete na economia?
Há uma questão quanto ao crescimento da inadimplência nos meses seguintes em função de uma eventual retração da demanda e em função da elevação da taxa de juros.
O Banco Central está errando na calibragem dos juros?
Não entro nesse mérito. O que eu digo é que o juro está alto, o que é ruim para atividade econômica. Eu tenho esperança que o governo demonstre uma responsabilidade fiscal e crie uma âncora ou pelo menos uma trajetória previsível e favorável para a evolução das contas públicas. Vai ser difícil reverter essa situação. O juro alto é muito ruim para economia real, desincentiva o investimento, o consumo. A discussão específica sobre qual nível exato que o juro deveria estar eu deixo a cargo dos economistas.
Qual a sua opinião sobre a mudança da Taxa de Longo Prazo (TLP) para os empréstimos do BNDES?
A TLP foi uma solução ruim e tem que ser urgentemente modificada. É extremamente volátil. Quando ela foi criada, em 2017, ao mesmo tempo se criou um fator de redução porque é o IPCA mais a média da NTN-B de cinco anos. E havia um fator de redução que vigorou durante cinco anos, de 2018 a 2022, aplicado sobre a taxa da NTN-B, mas esse fator de redução acabou. Ele começou com 0,57% em 2018 e, em 2022, era 0,92% e acabou. A NTN-B hoje para quem contrata financiamento para 6,08% ao ano e a isso soma o IPCA e o spread bancário. Se chega facilmente em 15% ao ano a taxa de juros hoje de um empréstimo tomado na base da TLP. Entre 15% e 18% dependendo do mês em que o empréstimo é tomado e do spread. Simplesmente é um juro muito alto e mais do que isso é muito volátil. Quer se contrata o financiamento a taxa a parte uma parte é congelada, é travada, varia com o IPCA, MAS ele tem ideia travada, mas faria para o IPCA, mas o IPCA é extremamente volátil.
Quando a TLP foi criada, havia um discurso em defesa da redução dos subsídios após o início da devolução dos empréstimos do Tesouro ao BNDES. Esse debate mudou?
O funding principal do BNDES é o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador). Não vejo nenhuma razão para remunerar o FAT na base de 15% ao ano, com a inflação correndo na faixa de 6% ao ano. Então, eu acho que houve um equívoco, um erro técnico, na forma como a TLP foi fixada. À medida que as pessoas se dão conta disso, a TLP precisa ser corrigida para criar uma taxa razoável, positiva, que remunere adequadamente ao FAT, mas que dê previsibilidade para quem quer investir com base nos recursos do BNDES. Me parece que o discurso da atual gestão do BNDES é correto. A ênfase que o banco está dando em inovação, exportação, infraestrutura, pequena e média empresa, sustentabilidade, são todas absolutamente corretas. O BNDES precisa, sim, aumentar o seu volume de operações para atender a todas essas demandas.
Qual a sua proposta para mudar a TLP?
Deixo isso a cargo dos economistas, que eu não sou. Sou um engenheiro. No entanto, eu sei distinguir uma taxa certa de uma errada e eu posso dizer que essa está errada com base nas evidências numéricas.
Há risco de se continuar com a TLP para os investimentos, o crescimento do País, num cenário desafiador pós-pandêmico transição ecológica para uma economia de baixo carbono?
As consequências são duas. Ou o dinheiro vai empossar no BNDES, que é péssimo, ou o banco vai criar outros programas que fujam da TLP. As duas alternativas são ruins.
Há risco de uma recessão econômica no Brasil?
Eu acho que vai haver um crescimento da economia este ano baixo. A grande preocupação é o ano que vem. Dependendo de como o governo vai definir uma política industrial, ancorar as expectativas em relação às contas públicas, fixar as taxas de juros do BNDES, pode induzir o Banco Central num caminho virtuoso de redução das taxas de juros. E pode levar a um ano muito bom de 2024 em diante.
A aprovação da reforma tributária ajuda de fato?
O sistema tributário é arcaico, complicado, cercado de exceções por todos os lados. Com benefícios fiscais, regimes especiais, isenções e reduções de bases de cálculo. É um sistema extremamente complexo, de difícil fiscalização, implantação, de uma litigiosidade gigantesca. O passivo tributário que está hoje em disputa no Brasil corresponde a 75% do PIB. Isso cria uma insegurança jurídica, uma dificuldade de operar imenso. A reforma tributária é absolutamente essencial para destravar um processo de crescimento da economia brasileira, do setor industrial.
Como uma das lideranças industriais, como responde às críticas dos outros setores de que a proposta de reforma está sendo feita para a indústria?
A reforma tributária é para o crescimento da economia brasileira como um todo. Ela vai trazer benefícios para todos os setores, serviços, indústria e o agronegócio porque vai distribuir melhor a carga tributária e tornar a concorrência mais leal. Hoje, uma das implicações do nosso sistema tributário é não só o alto grau de litígio, mas também de sonegação, de fraude. A sonegação irá diminuir dramaticamente se for criado um sistema muito mais simples, transparente, cuja auditoria será muito melhor. Estão equivocados aqueles que acham que acham que haverá prejuízo para algum setor da economia.
Mas há uma grande resistência desses setores.
Eu fico um pouco irritado quando tentam criar um antagonismo entre o setor de serviços, da agricultura e o setor industrial. Não existe o agronegócio moderno sem colheitadeiras, irrigação, equipamento agrícola, drones, sensores, fertilizantes, defensivos agrícolas. Não existe um agronegócio competitivo sem uma indústria forte por trás. O setor de serviços depende de equipamento de computação, de comunicação, de telefonia, ou seja, depende também de uma indústria bem equipada e competitiva.
Como os setores podem se unir no esforço para o Congresso aprovar a reforma, que há 30 anos se tenta no Brasil?
Chegou a hora porque já começo a ver uma convergência em torno das PECs 45 e 110 e dos secretários da Fazenda dos Estados. Temos que aproveitar esse momento para fazer a reforma. As ideias estão organizadas e estruturadas. As resistências decorrem mais de má informação e preconceito do que efetivamente dificuldades de implantação. O Bernard Appy (secretário extraordinário de reforma) terá que continuar pregando, mostrando as vantagens da reforma e que elas atingem a economia como um todo e não favorecem ninguém. Mas é a indústria hoje que é mais tributada do Brasil. Os números são conhecidos a indústria de transformação tem 11% do PIB e paga 25% dos tributos do Brasil.
O agronegócio, que paga menos, é um dos mais refratários e diz que não é subtributado ...
Veja bem, o agronegócio continuará sendo pouco tributado porque o agronegócio brasileiro muito grande é voltado para exportação. E um dos princípios basilares desta reforma tributária é desonerar investimento, exportação, ter restituição automática em prazo curto de créditos fiscais. Com liquidez dos créditos. O Brasil exporta 15% do seu PIB aproximadamente. Uma meta ambiciosa do Brasil seria dobrar isso em cinco anos. Passar a exportar 30% e são números parecidos ao que acontece com outros países.
O sr. citou o problema da sonegação. E tem também o problema cada vez maior de “roubo” dos serviços oferecidos pelas empresas, como energia e água. Como enfrentar esses problemas?
Este é um problema cada vez mais dramático no Brasil. A estimativa feita pelo Instituto Etco, com suporte da FGV, é que o mercado ilegal no Brasil, entre 2014 e 2021, triplicou. O setor de combustíveis, por exemplo, tem hoje uma sonegação estimada de R$ 14 bilhões por ano. No setor de cigarros, R$ 10 bilhões por ano. O que acontece com a água: 40% da água produzida não é faturada. No Rio de Janeiro, a Light não consegue cobrar 54% da energia que distribui. Na Enel do Rio, 31% da energia elétrica é furtada. Esses índices no Brasil atingem níveis absolutamente insuportáveis. É muito dinheiro. Os fiscos municipal, estadual e municipal precisam desesperadamente de recursos. Veja como estão o Ibama, ICMbio, as agências regulatórias, a estrutura de defesa agropecuária no Brasil, Anvisa. São todas instituições que precisam de recursos adicionais. A capacidade de fiscalização da ANP é baixíssima. A CVM tem um orçamento ridículo para a responsabilidade que tem.
Tem um desmonte da capacidade fiscalizatória do Estado?
A gente faz uma afirmação genética de que o Estado brasileiro é muito grande, mas ele pode ser muito desigual. Olha o que acontece nesses locais, tem uma falta crônica de gente qualificada. Há um envelhecimento e um empobrecimento da atividade pública no Brasil e que precisa ser combatido e revertido. Para isso, precisa de dinheiro.
O dinheiro está onde?
Está numa reforma tributária que permite o crescimento. O dinheiro está num combate duro à fraude, à sonegação, à irregularidade. O dinheiro também vai estar numa reforma da tributação sobre a renda, que é inadequada e desigual do Brasil. As faixas de maior renda são subtributadas. Há necessidade de recursos públicos para fazer com que a máquina do Estado funcione adequadamente. Há muitas áreas do estado ineficientes, mas há muitas áreas sem recursos humanos e materiais.
Qual o risco para a economia do crescimento dos casos como o da Light e das empresas de saneamento?
É insustentável no médio longo prazo. Das duas uma. Ou elas serão estatizadas, o que é uma péssima solução, ou vão começar a cobrar tarifas tão altas que vai haver uma grita generalizada, reduzindo competitividade dos setores que pagam adequadamente a sua energia.
O presidente Lula e o vice-presidente Geraldo Alckmin prometeram o processo de reindustrialização do País. O que esperar?
É mais do que bem-vindo acelerar um processo de industrialização no Brasil. Depende da situação da economia como um todo, de condições precedentes para que a reindustrialização aconteça. Segurança institucional, jurídica, uma trajetória favorável para as contas públicas, redução da desigualdade social, reforço na parte sustentabilidade ambiental são pré-condições para que a economia como um todo desabroche. Além das questões específicas da Indústria. Tem que haver um processo de integração da indústria brasileira para que o crescimento se dê em áreas em que o Brasil tem vantagens competitivas. Isso inclui investimento em ciência, tecnologia e inovação.
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