BRASÍLIA - Dois benefícios fiscais bilionários não foram contemplados pelo governo na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2025, ampliando as dúvidas sobre a capacidade de o País cumprir a meta de déficit zero no ano que vem.
Um deles é a prorrogação do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), aprovada pelo Congresso Nacional e à espera de sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O outro é a desoneração da folha de pagamento dos municípios, suspensa por decisão liminar do Supremo Tribunal Federal (STF), mas ainda pendente de resolução política ou jurídica definitiva.
A extensão do Perse, após acordo entre o Ministério da Fazenda e as empresas, está dada e significará R$ 15 bilhões a menos nos cofres da União até 2027. O benefício às prefeituras, por sua vez, segue em aberto e deverá voltar à mesa de negociação nesta segunda-feira, 13.
Está prevista uma reunião entre o presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, e membros do governo para tratar do assunto. Nesse caso, são R$ 10,4 bilhões em receitas da Previdência Social que estão em jogo, segundo projeção da própria CNM.
A entidade afirma que a desoneração é apenas a ponta do iceberg e que as cidades acumulam dívidas previdenciárias da ordem de R$ 248,6 bilhões com a União, para as quais pedem parcelamento de até 25 anos.
Na próxima semana, ocorrerá em Brasília a marcha anual em defesa dos municípios, que é usada como instrumento de pressão por parte dos gestores locais. Em ano eleitoral, como agora, isso ganha ainda mais força. Por isso a expectativa de que a Fazenda - mesmo amparada pela liminar do STF, que derrubou a desoneração - tenha de ceder em alguns pontos, em busca de acordo político com os prefeitos.
Apesar de não ter colocado esses dois programas nas diretrizes do Orçamento, o governo incorporou outro que também estava pendente e foi alvo de acordo na semana passada: a desoneração da folha salarial de empresas de 17 setores da economia (leia mais abaixo).
Na prática, deixar de estimar uma perda de receita aumenta a incerteza sobre o cumprimento das contas estimadas e do novo arcabouço fiscal, além de fazer com que o setor público tenha de empenhar um esforço a mais do que está previsto atualmente.
“Essas duas premissas que foram colocadas na LDO (de impacto zero com Perse e municípios) eram muito otimistas. Calculo que pelo menos uns R$ 15 bilhões a mais terão de ser adicionados à conta do governo (devido à perda de arrecadação com esses dois benefícios) para se conseguir chegar à meta zero”, afirma Tiago Sbardelotto, economista da XP e auditor licenciado do Tesouro Nacional.
Ele também chama a atenção para outros dois “furos” existentes nas diretrizes orçamentárias de 2025. A falta de previsão de correção da tabela do Imposto de Renda, uma vez que o governo vem adotando a política de isentar quem ganha até dois salários mínimos. Logo, se isso for mantido no ano que vem, significará R$ 3,5 bilhões a menos para o Fisco.
Além da abertura, por parte do governo, de um crédito suplementar de até R$ 15,7 bilhões, que elevará o nível de despesa no próximo ano. Após manobra no Congresso Nacional, o Palácio do Planalto conseguiu antecipar a utilização desse valor em 2024, elevando de forma permanente o “pé direito” dos gastos dentro do novo arcabouço fiscal.
Para tapar todos esses “buracos” na arrecadação e fazer frente ao aumento de gastos, economistas projetam que o governo terá de garantir cerca de R$ 85 bilhões em receitas extras para alcançar a meta zero em 2025 – valor bem acima da cifra projetada pelo Tesouro Nacional, de R$ 50 bilhões.
Alguns analistas, porém, falam em números mais expressivos, que superariam os R$ 100 bilhões. É o caso do ex-secretário do Tesouro e economista da Asa Investments, Jeferson Bittencourt.
Bittencourt alerta para uma lista ainda mais extensa de incertezas relacionadas ao Orçamento do próximo ano, como, por exemplo, a elevada previsão de arrecadação com as concessões públicas, estimada pela equipe econômica em R$ 23,3 bilhões. Em 2026, 2027 e 2028, essa cifra está prevista num patamar bem inferior: ao redor de R$ 6 bilhões.
Fora isso, Bittencourt cita as projeções macroeconômicas mais otimistas do que as realizadas pelo mercado. “A LDO tem um problema na largada, que é um cenário macro bastante otimista. A estimativa de PIB, que afeta diretamente as receitas, está acima do PIB potencial (o quanto o País consegue crescer de forma sustentável, sem gerar inflação) que o próprio governo estima”, diz o ex-secretário, referindo-se à projeção de crescimento de 2,8% para 2025.
Bittencourt destaca, ainda, que o mercado já vê uma piora do déficit primário na passagem de 2024 para 2025. Segundo o relatório Prisma Fiscal, divulgado pela Fazenda com base em projeções de economistas, o rombo nas contas do governo central deve ficar em R$ 87,5 bilhões em 2025, ante R$ 76,8 bilhões neste ano, de acordo com a mediana das estimativas.
Governo pode ter duas ajudas
Dois fatores, porém, poderão ajudar a equipe de Haddad a equilibrar parte dessa equação em 2025. O primeiro é a reoneração parcial da folha de pagamento das empresas, que começa a partir do ano que vem.
Ao contrário dos municípios, esse benefício a 17 setores da economia foi previsto na LDO de 2025, com um impacto de R$ 11,9 bilhões. Após acordo com os empresários, porém, essa perda de arrecadação não será tão expressiva. Logo, o governo terá uma “sobra” nessa rubrica que poderá ser remanejada.
Já o segundo ponto que pode jogar a favor do governo é a possibilidade de o acordo com os municípios prever a compensação da eventual renúncia fiscal – o que ajudaria no trabalho de se perseguir a meta zero.
Nesse cenário de estrada esburacada e ventos pouco favoráveis no Congresso Nacional, cresce a cobrança sobre a equipe econômica para que haja um ajuste pelo lado da despesa e não apenas da receita. A LDO de 2025 chegou a prever a revisão de gastos com o INSS e o Proagro, uma espécie de seguro rural voltado à agricultura familiar. A iniciativa, porém, foi vista como insuficiente.
“O escopo da revisão de gastos em 2025 vai ter de ser ampliado para ser efetivo. Além disso, há o desafio de se transformar a revisão num real instrumento de ajuste fiscal, e não só de realocação. O que se vê muito é uma pressão para que essa economia se reverta em outras despesas”, afirma Daniel Couri, consultor legislativo do Senado e ex-secretário-adjunto de Orçamento Federal do Ministério do Planejamento.
“Essa pressão é legítima, há uma série de demandas, mas uma parte dessa reavaliação precisa ser usada para o ajuste fiscal, para se gastar com os encargos da dívida”, diz Couri, alertando que o Brasil já tem um patamar de endividamento bem acima dos seus pares emergentes.
Questionado pela reportagem, o Ministério do Planejamento e Orçamento direcionou o atendimento à Receita Federal, alegando que premissas de arrecadação na LDO dizem respeito ao órgão. O Estadão procurou o Ministério da Fazenda e o Fisco, mas não obteve resposta.
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