A diarista Conceição Maria Pereira da Silva, de 42 anos, teve uma semana tumultuada por conta da greve dos caminhoneiros, como a maioria dos brasileiros. De sua casa no Jardim Angela, zona sul da cidade, até a avenida Paulista, onde faz faxinas, normalmente gasta uma hora e meia. Tomando dois ônibus, ela levou duas horas e chegou atrasada.
O filho de 4 anos não foi para creche porque a perua escolar não tinha combustível e o maior, de 15 anos, não teve aula porque a professora não foi. No supermercado, pagou mais caro por alguns produtos. Outros ela deixou de comprar por causa do preço, como batata e repolho. “Eles seguraram os ônibus por causa do combustível e muita gente não conseguiu ir trabalhar. Eu consegui, mas cheguei atrasada”, diz.
A sua colega, Nazaré Barros de Souza, de 40 anos, casada, mãe de dois filhos adolescentes, faxineira e também moradora do Jardim Angela, na última semana andou meia hora a pé diariamente por falta de ônibus. Normalmente, ela pega três ônibus para ir da sua casa ao bairro do Panambi, onde trabalha, mas um deles deixou de circular.
No supermercado, Nazaré cortou a salada, por causa dos preços das hortaliças, e vai se virar com a carne que está no freezer. Por sorte, ela acabou de comprar o gás de cozinha. Pelo botijão, que está quase cheio, pagou R$ 65. “Essa greve foi ruim para todos, mas os menos favorecidos foram os que mais sofreram: não temos condições de comprar e guardar produtos.”
O que Conceição, que tem renda mensal de R$ 1.500, e Nazaré, que tira R$ 2.700 com faxinas, viveram na prática nos últimos dias é observado pelos economistas. O impacto da greve dos caminhoneiros que provocou desabastecimento de produtos e restrições na oferta de serviços públicos, como transporte, e afetou os preços desses itens deve penalizar mais a população de baixa renda.
André Braz, economista do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV), diz que o impacto da greve na inflação, que pegou num primeiro momento os produtos in natura, prejudica principalmente as camadas de menor renda. “Os mais pobres consomem mais alimentos in natura”, observa. Ele, que é responsável pela índice de inflação da FGV das famílias com renda mensal de até 2,5 salários mínimos (R$ 2.385), o IPC- C1, constatou altas diárias expressivas na última semana na batata (150%), tomate (40%) e cebola (35%), por exemplo, em São Paulo.
Em apenas uma semana, o preço da cesta básica pesquisa da pela Fundação Procon de São Paulo e pelo Dieese, que engloba cerca de 30 itens de primeira necessidade, subiu 4,61%. O valor médio da cesta, que no dia 23 de maio era R$ 652,18, passou para R$ 682,25 em 30 de maio. E os alimentos subiram mais do que o valor da cesta como um todo no período, 5,21%.
Braz ainda não concluiu a apuração do índice de inflação da baixa renda de maio, que será conhecido na semana que vem e certamente será influenciado pelo efeito da greve. Em abril, o indicador tinha subido 0,31%.
Longo prazo. O economista do Ibre, pondera, no entanto, que o impacto da greve na inflação dos mais pobres, que ocorre hoje por causa dos produtos in natura, com peso maior no orçamento dessas famílias, deve ser contrabalançado a médio prazo. Ele explica que a redução nos preços do óleo diesel, acordo entre o governo e os caminhoneiros, pode resultar em reajustes menores nas tarifas de ônibus nos próximos meses. Essa hipótese ganha força em anos eleitorais. E o transporte público tem peso importante no orçamento da baixa renda.
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