As pessoas ao redor do mundo confiam nas empresas de setores como energia, saúde, tecnologia e alimentação, mas desconfiam de inovações trazidas por elas, como inteligência artificial, medicina genética e alimentos geneticamente modificados. A exceção são as fontes de energias renováveis, que já contam com avaliação positiva. A conclusão é da pesquisa Edelman Trust Barometer, realizada anualmente e focada no tema da inovação em 2024.
A pesquisa foi realizada em 28 países, incluindo o Brasil ― foram mais de 32 mil entrevistados, 1.150 em cada país. Foram ouvidos tanto cidadãos de países desenvolvidos como Estados Unidos, Japão, Espanha e França, quanto de outros em desenvolvimento, como China, Tailândia, Nigéria, Argentina e Colômbia. Foi a 24ª edição da Edelman Trust Barometer.
No Brasil e no mundo, os dados apontaram a discrepância entre a visão que o público tem das empresas e das inovações delas. As empresas de tecnologia são consideradas confiáveis por 79% dos brasileiros, mas apenas 53% sentem segurança na inteligência artificial.
Na saúde, 70% confiam nas empresas, mas 56% nas novas terapias genéticas (como as vacinas de mRNA). Os piores números são no setor alimentício, onde 75% tem confiança nas companhias, mas apenas 31% nos alimentos geneticamente modificados.
“As inovações têm acontecido numa velocidade muito intensa e, às vezes, as pessoas não têm uma visão clara do benefício que trarão”, avalia Ana Julião, gerente geral da Edelman Brasil, empresa de relações públicas.
A situação é inversa na confiança do setor de energia. Enquanto as empresas do setor são vistas como dignas de confiança por 69% dos brasileiros, 78% aprovam as tecnologias de energia limpa como biocombustíveis e as fontes eólica e solar. Isso pode apontar um caminho: como essas fontes são debatidas há mais tempo e se tornaram comuns no cotidiano, o tempo fez a diferença para torná-las bem vistas.
A gerente geral da empresa realizadora da pesquisa cita como a percepção pode mudar e demonstrar benefícios: no caso da energia limpa, nem sempre é possível ver que evitar combustíveis fósseis diminui o aquecimento global e desastres climáticos, mas uma redução na conta de luz é bem-vinda. “Quando elas realmente entendem com mais clareza, tendem a se aproximar mais. Os setores vão ter que atuar muito sobre comunicação e conhecimento para transferir essa relação de confiança para as inovações”, afirma Julião.
Comunicação
A comunicação será o ponto-chave. Na pesquisa, uma das questões foi sobre em quem as pessoas confiariam na hora de receber informações sobre as novas tecnologias. A categoria mais escolhida, com 80%, foi “alguém como eu”, termo propositalmente vago para demonstrar que depende da identificação pessoal.
“Cientistas” apareceram na segunda posição, com 75%, à frente de especialistas técnicos de empresas (70%), CEOs (57%) e representantes de ONGs (54%). Já jornalistas (49%) e autoridades do governo (44%) foram mal-avaliados.
As pessoas demonstraram interesse em buscar informações, mas ainda é necessário ter fontes confiáveis. Na pesquisa, apenas 36% acreditam que os cientistas tornam suas pesquisas compreensíveis ao público. “As pessoas ainda têm uma crença no trabalho dos cientistas, mas a ciência tem se comunicado bem mal, tem tido uma dificuldade em colocar aquilo que é técnico de forma compreensível. E quando não entendem, tendem a se afastar daquilo em debate”, cita Julião.
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A polarização da sociedade também prejudica: no Brasil, 57% acreditam que a ciência se tornou politizada e 61% acreditam que o governo e outras organizações que financiam pesquisas influenciam em como elas são feitas. A situação é ainda pior nos Estados Unidos, onde 12% das pessoas que se consideram de esquerda rejeitam as inovações, mas 53% dos cidadãos de direita não gostariam de adotar as mudanças.
A desconfiança leva para o campo da opinião, em vez dos fatos, e a categoria “uma pessoa como eu” não necessariamente é técnica. Assim, podem surgir teorias da conspiração e tornar a adoção de tecnologias benéficas mais lenta, e gerar a percepção de que os benefícios são apenas para os mais ricos. Por outro lado, 77% esperam que os cientistas estejam à frente da implementação das tecnologias.
A maior parte dos cidadãos também não acredita que os governos vão conseguir regular as inovações tecnológicas da forma adequada. No Brasil, 56% não vê os entes governamentais legislando bem sobre os temas, enquanto a média global é de 59%. A Arábia Saudita foi o único país em que houve mais confiança do que desconfiança nas regulamentações (apenas 45% acham que está indo mal no reino árabe).
Com a confiança nos governos em baixa, fica uma lacuna sobre como serão as regulações, ainda mais em temas que avançam em alta velocidade. Uma possível solução é a busca por parcerias entre governos e empresas — 59% dos brasileiros responderam positivamente à seguinte afirmação: “se as empresas se juntassem ao governo, eu confiaria mais nelas para fazerem mudanças por meio da tecnologia”.
Esse número subiu 6 pontos porcentuais entre 2015 e 2024, e também vem subindo nos outros países. “É uma tendência dos últimos anos, não acontece só no Brasil. Se as empresas buscarem inovação, mas puderem contar com os governos para atuar sobre legislação, isso pode abrir portas. Quando a sociedade nota que esse trabalho não precisa ser uma dicotomia ou disputa, sai beneficiada”, acredita Julião.
Empresas bem, governos e mídia mal
Assim como nos últimos anos, as empresas foram mais bem avaliadas que governos, ONGs e mídia. Em 2024, 66% dos brasileiros confiam nas empresas, 59% em ONGs, 45% na mídia e 42% em governos.
Em relação aos governos, isso é visto como falta de entrega das promessas, enquanto para a mídia, a polarização afeta muito, levando a respostas emocionais.
Já para as empresas, apesar do maior escrutínio e pedidos por posicionamentos perante temas sociais, o efeito parece ter sido o oposto, aproximando-as do público, como nas doações que ajudam as vítimas da pandemia e outras tragédias.
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