Petrobras: Como fica venda de ativos com a queda de braço entre governo e empresa

Lula tem pedido a suspensão imediata das vendas, mas há pelo menos 23 negócios já em estágio adiantado; ruído tem provocado impacto nas ações da estatal e das empresas compradoras

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RIO - A Petrobras tem assistido a uma queda de braço interna sobre a venda de ativos à iniciativa privada. De um lado estão a diretoria e o Conselho de Administração da estatal que, formados no governo anterior, pregam ao menos a conclusão das vendas que já tiveram contratos assinados e aguardam o chamado fechamento (closing) dos negócios, com a transferência das operações. Do outro lado, o novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem cobrado, até publicamente, a suspensão imediata dos 23 processos em andamento que constam do portfólio de desinvestimento da estatal. O governo, no entanto, não deixa claro quais ativos deseja que fiquem com a empresa, uma dúvida que deve durar até a próxima Assembleia Geral Ordinária (AGO), prevista para 27 de abril.

Lula disse ter determinado a Prates, presidente da Petrobras, o fim dessas vendas e a busca de uma "saída política, não judicial" para a questão Foto: Sergio Moraes/Reuters

Desde a transição de governo, o hoje presidente da estatal, o ex-senador pelo PT Jean Paul Prates, fala em paralisação das vendas para reavaliação, sem que isso signifique cancelamento sumário. Prates e outros membros da transição descartaram as vendas de refinarias, mas sempre deixaram em aberto o futuro dos campos maduros, manifestando atenção a multas ligadas ao cancelamento de contratos, que gerariam custos indesejados à estatal.

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Na terça-feira, 23, porém, em entrevista a ao site Brasil 247, Lula disse ter determinado a Prates o fim dessas vendas e a busca de uma “saída política, não judicial” para a questão. Alas do PT e sindicatos, como a Federação Única dos Petroleiros (FUP), são contra as vendas e pregam, inclusive, a reversão de negócios fechados no passado.

Analistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast reconhecem que esse ruídos, somados ao imposto sobre exportação de petróleo, têm deteriorado o ambiente de negócios do setor no País, mas dizem se tratar somente de discurso político de Lula. Eles apostam em condução pragmática de Prates, o que passa pela conclusão dos negócios que já têm contratos assinados.

Ao todo, 12 vendas, entre campos maduros e refinarias, foram fechadas em 2022 e uma 13ª veio em janeiro deste ano, envolvendo o campo de Albacora Leste, comprado pela petroleira independente Prio. Hoje, 12 ativos estão na fase vinculante da negociação, ou seja, já recebem propostas. Outros seis ainda não chegaram lá, e seguem na fase anterior das negociações, chamada de “não vinculante”.

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A situação mais crítica envolve cinco ativos com negociações avançadas, ou seja, que têm contratos assinados, mas ainda aguardam o fechamento e a transferência dos ativos, o que vem com o aval de órgãos reguladores. São quatro conjuntos de campos de produção no Espírito Santo e no Rio Grande do Norte, e a refinaria de lubrificantes Lubnor, do Ceará. No caso dos campos, as compradoras são as petroleiras 3R Petroleum, Seacrest e BW Energy. Em função das aquisições, elas se alavancaram, caso da 3R Petroleum, ou abriram capital, caso da Seacrest, que fez o processo de forma inédita na Bolsa de Oslo, na Noruega.

A maior atenção do mercado recai sobre o Polo Potiguar, negociado com a 3R Petroleum. Na última sexta, 17, porém, a Petrobras notificou a empresa reiterando a disposição em concluir o negócio, o que fez as ações ganharem algum fôlego. Caso que também chama atenção é o do Polo Bahia Terra, de extração de petróleo na bacia do Recôncavo, na Bahia. Em fase vinculante de negociação com o consórcio de empresas Petrorecôncavo e Eneva, o processo caminha lentamente, tendo sido interrompido por judicializações e interdições da ANP. Segundo a Petrobras, ainda não foi tomada qualquer decisão a respeito dos ativos.

Impacto nas ações

Essas incertezas têm provocado um vaivém nas ações das empresas envolvidas, inclusive da Petrobras, que em um mês perdeu quase 10% do valor de mercado. A perda da Prio é de cerca de 16%; da 3R, de 23%; a PetroRecôncavo recuou 29% no período, e a Eneva, 6%.

Secretário-executivo da Associação Brasileira de Produtores Independentes de Petróleo e Gás Natural (ABPIP), Anabal Santos Jr. disse enxergar na fala de Lula, sobre “saída política e não jurídica”, um aceno ao diálogo com o setor. “Apesar dos ruídos, o presidente sinaliza que vai buscar uma saída consensuada. De nossa parte, não queremos trazer agravantes para a questão da segurança jurídica do País, que já está abalada. Queremos apenas que o que já foi negociado seja honrado”, disse.

Na leitura de Santos, há forte pressão política de sindicatos contra eventual transferência de empregados da Petrobras para outras regiões após a venda dos ativos. “Mas isso, que envolve cerca de 2 mil pessoas, não pode travar os benefícios à economia dessas regiões, com 300 mil, até 400 mil pessoas”, afirmou. Segundo a ABPIP, a venda de ativos traz investimentos para regiões onde a Petrobras já não tem interesse em atuar, como o polo de Golfinho (ES), que já estava em descomissionamento (processo de desativação), quando foi adquirido pela BW Energy.

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“Os campos em terra têm média de produção de 33 barris diários por poço. Em águas rasas, cada poço rende 2 mil barris por dia, o que no pré-sal chega ao exuberante número de 25 mil barris. A Petrobras não tem mais interesse nos campos menores, e faz sentido que sejam vendidos, em continuidade a um processo que começou lá no governo Dilma Rousseff, também do PT”, afirmou.

Lubnor

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Na sexta-feira, 17, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) revogou a resolução que permitia a venda de ativos de refino da estatal, o que sinalizou suspensão da operação da Lubnor (CE), único dos ativos desse tipo à venda que chegou à fase de assinatura, um passo antes do fechamento do contrato.

As outras unidades, Rnest (PE), Repar (PR) e Refap (RS), apesar de estarem sob o guarda-chuva do Termo de Cessação de Conduta (TCC) do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), estão na fase não vinculante e não devem mais ser vendidas, em linha com o que Prates e membros do governo têm dito desde dezembro.

De acordo com o sociólogo Mahatma dos Santos, pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), os prazos de venda da empresa acordados com o Cade já caducaram em dezembro de 2021, mas a Petrobras pediu prorrogação no caso da Lubnor, o que ainda não foi decidido.

Segundo o especialista, as decisões do CNPE se sobrepõem às do Cade, e tanto diretoria e o Conselho atuais, quanto os que serão eleitos para a nova gestão terão de levar em consideração a decisão do órgão. “Há múltiplos atores querendo interferir nessas decisões (sobre os ativos da Petrobras) e tem o aspecto jurídico da discussão com o Cade”, afirmou.

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Ele disse que o prazo de 90 dias solicitado pelo Ministério de Minas e Energia (MME) para avaliação dos desinvestimentos da empresa, publicado em 1º de março, dará tempo para a realização da Assembleia Geral Ordinária (AGO), prevista para 27 de abril, quando entram executivos e executivas mais alinhados com o atual governo, e que devem encerrar de vez o processo.

Analistas apostam em pragmatismo

Para o analista de óleo e gás da Wood Mackenzie, Marcelo de Assis, a resistência de momento a vendas avançadas é cálculo político para mobilizar a base eleitoral e não encontra eco na realidade. “A tendência é que prevaleça o pragmatismo: o que já tem contrato deverá ser concluído e o que ainda está precoce, deve ser cancelado”, disse Assis.

Ele afirmou se tratar de negócios pequenos no “universo Petrobras” e que qualquer insistência em manter, tanto os campos maduros, quanto a Lubnor, não “para em pé” do ponto de vista econômico-financeiro e pode arranhar a imagem da companhia, que ficaria em posição jurídica “frágil”.

Na visão do analista Pedro Galdi, da Mirae Asset, além de não renderem nada relevante para a Petrobras, os ativos à venda, principalmente de exploração e produção, têm sido fundamentais para o desenvolvimento de outras petroleiras de menor porte no País.

“Afeta sim (as ações da Petrobras), pois fica obrigada a ficar com ativos que não remuneram adequadamente a empresa. Além disso, a venda desses ativos tem sentido para que as pequenas (3R, PRIO e PetroRecôncavo) possam ampliar sua capacidade de produção. Pesa também a taxação sobre exportação de óleo cru”, disse Galdi ao Estadão/Broadcast.

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Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos, observou que Lula sempre se mostrou contra a venda de ativos da empresa, e o movimento já era esperado pelo mercado. Mas alertou que a empresa teria um ônus muito grande em romper contratos que já estão assinados. “Isso traz maior indefinição e deflagra uma situação para os ativos que não estão assinados, como o Polo Bahia Terra, que estava sendo negociado com a PetroRecôncavo e Eneva”, avaliou.

Já o Polo Potiguar, que está sendo negociado com a 3R, não tem cláusula de desistência, e por esse motivo, Arbetman prevê que será efetivado. “Os que não estão assinados não vão para frente, e nos assinados, na falta de possibilidade de serem cancelados, poderá haver judicialização”, afirmou.

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