O economista-chefe da XP Investimentos, Caio Megale, avalia que a combinação do Produto Interno Bruto (PIB) mais forte - o crescimento no terceiro trimestre foi de 0,9% -, do câmbio mais desvalorizado e das expectativas de inflação em alta devem obrigar o Banco Central a adotar uma postura mais dura na próxima reunião - o Comitê de Política Monetária (Copom) se reúne na próxima semana.
“A probabilidade de uma alta (de juros) de 0,75 ponto percentual ou de 1 ponto percentual cresce substancialmente”, afirma Megale. “Como o mercado já está na discussão entre as duas, até uma alta de um ponto percentual poderia fazer sentido.”
Na leitura do economista, o pacote fiscal apresentado pelo governo e o cenário internacional mais difícil levaram “economistas, empresas e mercado a perderem um pouco a referência de onde o câmbio, a inflação e os juros podem parar”.
“Num momento como esse, faz sentido o Banco Central, como a gente fala no jargão da economia, pular na frente da curva, se antecipar ao processo e tomar uma atitude um pouco enérgica, até para retomar a rédea e trazer as expectativas de volta para a terra”, afirma.
A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Estadão.
Qual é a avaliação do resultado do PIB do terceiro trimestre?
O PIB mostrou mais ou menos a tendência dos últimos trimestres. Há uma demanda interna bem robusta e firme, um crescimento do consumo bem forte no trimestre contra trimestre, (o setor de) serviços com uma resiliência bem interessante e vários trimestres de crescimento seguidos. O PIB também mostra a combinação de algumas reformas que foram feitas ao longo dos últimos tempos e que trouxeram produtividade, junto com um impulso de demanda também bem forte na margem. É uma demanda interna forte e até forte demais, porque estamos vendo sinais de importação subindo muito rápido, pressões inflacionárias. São sinais de algum desequilíbrio, mas ainda são sinais incipientes. Não tem um endividamento das famílias e empresas muito preocupantes.
E o que os números divulgados mostram para a economia no 4.º trimestre?
Estamos com um crescimento de 0,3% para o quarto trimestre. Em cima de um crescimento de 0,9%, está ótimo. Quando há um crescimento bem forte, é até normal ter alguma volta, alguma coisa perto de zero. No ano, deve dar um PIB que fecha em 3,4%. O resultado do ano passado foi revisado para cima, de 2,9% para 3,2%. É o segundo ano com o crescimento acima de 3% e um pouco mais forte do que o de 2023.
E o cenário de 2025?
Esperamos uma composição diferente, porque devemos ter uma política monetária bem mais apertada. Estamos vendo o BC voltando a subir juros e, possivelmente, acelerando o ritmo de alta em dezembro. As condições de crédito, que foram muito fortes este ano, têm alguns sinais de reversão, de desaceleração. Por exemplo, o crédito ao consumo de bancos públicos cresceu, este ano, algo como 30%, 40% em termos nominais. Ou seja, é um crescimento muito forte. É até normal que, depois de um crescimento tão forte como esse, venha alguma acomodação, ande um pouquinho de lado para consolidar esse nível mais alto. Do lado fiscal, também é esperada alguma desaceleração. A política fiscal vai continuar expansionista, mas, com essas medidas de (contenção de) despesa e o arcabouço mais restritivo, haverá, possivelmente, um crescimento um pouco menor das despesas. Com a combinação dessas duas coisas e o próprio nível do PIB, projetamos um certo freio de arrumação, alguma acomodação. E pode até ser saudável, porque, como eu falei, já começamos a ver alguns sinais de desequilíbrio nas contas externas, na inflação.
Como fica o BC nesse cenário de economia aquecida e desvalorização cambial?
São dois níveis de pressão em cima do Banco Central. De um lado, ele já está vendo há algum tempo esse desequilíbrio de muita demanda, puxando os custos de produção, taxa de câmbio depreciada desde o início do ano e expectativas de inflação subindo. A gente já vinha vendo isso acontecer, tanto que o BC começou a aumentar os juros e sinalizou que eles poderiam subir para 12%, 13%. E, mais recente, o segundo nível de preocupação é o que tem acontecido na dinâmica dos mercados nas últimas semanas. Eu caracterizaria como uma desancoragem adicional, tanto de inflação quanto de câmbio. Parece que economistas, empresas e mercado perderam um pouco a referência de onde o câmbio, a inflação e os juros podem parar em um ambiente como esse. O câmbio estava em R$ 5,6, R$ 5,7 e, de repente, ele pula para seis e pouco. Teve a ver com pacote fiscal, discussões políticas e cenário internacional. Independentemente de qualquer coisa, isso gera pressões adicionais sobre a inflação e com características que saem um pouco dos fundamentos e entram nesse processo de desancoragem, um processo de perda de referência.
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E o que pode fazer o BC, então?
Num momento como esse, faz sentido o Banco Central, como a gente fala em jargão da economia, pular na frente da curva, se antecipar ao processo e tomar uma atitude um pouco mais enérgica, até para retomar a rédea e trazer as expectativas de volta para a terra. A probabilidade de uma alta (de juros) de 0,75 ponto porcentual ou de 1 ponto porcentual cresce substancialmente.
Como o mercado já está na discussão entre as duas, até uma alta de um ponto porcentual poderia fazer sentido. Não é um ritmo que vai seguir por várias reuniões para a frente, não necessariamente os juros no final vão ser muito mais altos do que ao redor de 14%. Faria sentido um movimento como esse, porque esse ambiente de perda de referência acaba saindo um pouco dos fundamentos econômicos e entra em um processo de profecia autorrealizável. Às vezes, um choque externo pode fazer sentido para trazer o sistema de volta para o equilíbrio.
A Selic ao fim do ciclo de alta deve ficar em qual patamar?
Hoje, a nossa projeção oficial está em 13,25%. Mas tem o PIB mais forte, o câmbio mais desvalorizado e as expectativas de inflação, que continuam subindo. Quando você junta essas três coisas, as projeções do BC dão um salto de um Copom para outro. Então, a Selic de 13,25%, que víamos há um mês e pouco, quando fizemos essa revisão no dia do Copom passado, já parece não ser suficiente. Algo em torno de 14% parece mais adequado. Estamos refinando os números. E uma coisa importante: quando há um movimento como esse, de uma dose mais intensa no curto prazo e conseguir fazer um reequilíbrio mais rápido, tem espaço para cortar mais na frente. Não significa que esse nível de juros vai ficar para sempre. Fazer um movimento mais intenso agora abre espaço para quedas de juros a partir, provavelmente, do final do ano que vem.
Os preços dos ativos podem melhorar com a aprovação do pacote de contenção de gastos ou ele é insuficiente?
De fato, o pacote é aquém do que o País precisa para reequilibrar as contas. Dito isso, tem um desafio grande de aprovação este ano. São três semanas. Pensando nos próximos dias, se nós tivermos uma combinação de uma postura mais tempestiva do Banco Central e, do lado fiscal, pelo menos, o que está no pacote for implementado rapidamente, pode trazer as expectativas de volta para a terra. O câmbio pode voltar para R$ 5,70, R$ 5,80, alguma coisa mais condizente com os fundamentos da balança comercial. Não é mais aquele câmbio do início do ano, mas, talvez, não seja tão depreciado e pouco sólido com os níveis de preço que estamos vendo agora.
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