A desaceleração da economia brasileira observada no fim de 2022 deve se intensificar ao longo de 2023, de acordo com Silvia Matos, economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). E pior: ela já vê um cenário difícil para o próximo ano. “Hoje, o que a gente está vivendo não é só 2023. É também vislumbrar um 2024 muito ruim.”
Por ora, o Ibre tem uma das projeções mais pessimistas para a economia brasileira em 2023. Antes da divulgação do resultado do Produto Interno Bruto (PIB) de 2022, o instituto projetava um crescimento econômico de apenas 0,2%. No último relatório Focus, do Banco Central, por exemplo, os analistas consultados apontaram para um desempenho um pouco melhor, com crescimento de 0,84%.
Na leitura da economista, o País sente os efeitos da elevada taxa de juros - atualmente em 13,75% ao ano - e da piora das condições financeiras, diante da falta de clareza da agenda econômica do novo governo. “Há um conflito interno (no governo) sobre qual vai ser a condução da política econômica, se vão ser reeditadas políticas do passado, de mais intervencionismo”, afirma.
A seguir os principais trechos da entrevista concedida ao Estadão.
Por que o cenário do Ibre é tão pessimista?
Há muita incerteza sobre o desempenho da economia brasileira em 2023, mas será um ano de desaceleração muito forte. E por quê? Aquelas atividades mais cíclicas e que dependem da política monetária estão mostrando uma desaceleração, como a gente percebeu ao longo do segundo semestre de 2022. A avaliação geral dos principais setores da economia, excluindo a agropecuária, é de que há uma piora da atividade econômica. E essa desaceleração que já está em curso deve se intensificar.
Por quê?
Umas das formas de a gente perceber que essa intensificação da desaceleração ocorra ao longo do ano é por meio de um índice que tenta agregar todos os efeitos negativos que estão pairando sobre a economia brasileira, como juros mais apertados, risco país, situação dos ativos, das bolsas, situação internacional. A gente agrega tudo isso num índice de condições financeiras. Quando as condições estão apertadas, há uma desaceleração. E, quando essas condições estão mais positivas, menos apertadas, o PIB acelera. Por esse canal de transmissão das condições financeiras para atividade econômica, só agora esse aperto começa a atuar.
Não é só a política monetária, então, que está afetando a economia?
Esse impacto é importante, mas não é único. O problema todo é que as condições financeiras pioraram, o que já levaria a uma desaceleração do PIB, mas elas não melhoraram ainda. Há eventos que não estão relacionados com a política monetária e que pioram as condições financeiras, como risco país, cenário internacional. Também tem essa avaliação do cenário como um todo, se a economia está sendo pior ou bem avaliada por meio dos preços dos ativos. A gente acredita que isso tem um bom poder preditivo sobre o desempenho da atividade futura. E o que eu posso dizer é que a manutenção das condições financeiras em patamares elevados se dá por conta de uma piora da avaliação sobre a condução da política econômica em geral.
E o que levou a essa avaliação mais negativa?
Uma das razões tem a ver com a política fiscal. A gente ainda não tem um novo arcabouço fiscal, não temos sustentabilidade fiscal no radar, temos ainda uma dualidade de agenda. Há um conflito interno (no governo) sobre qual vai ser a condução da política econômica, se vão ser reeditadas políticas do passado, de mais intervencionismo. Essa incerteza, essa dualidade presente nesse governo, leva a uma visão mais negativa.
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Se a proposta de arcabouço fiscal for bem recebida, esse cenário pode mudar?
É difícil uma mudança muito grande de cenário dado o que a gente já tem visto da atividade recente. Mas pode ser melhor, sem dúvida. Toda vez que você observa um avanço na direção de gerar maior previsibilidade, sustentabilidade fiscal, os juros futuros cedem. Se tivermos um arcabouço fiscal bem crível, não tivermos ruído sobre a discussão independência do Banco Central, sobre mudanças de meta de inflação, essas condições podem melhorar. O impacto maior será para 2024. Mas, hoje, o que a gente está vivendo não é só 2023. É também vislumbrar um 2024 muito ruim.
Como chega a economia no próximo ano, então?
O ano de 2024 está em risco. O natural seria, depois desse início de ano um pouquinho conturbado, ter uma redução da taxa de juros já percebida pelos agentes, e o próprio Banco Central poderia se sentir confortável para reduzir os juros. No entanto, tudo o que estamos vivendo está impossibilitando - pelo menos nos nossos modelos - a redução de juros, porque a inflação está resistente e as expectativas estão desancoradas.
E como fica o papel do Banco Central nesse cenário?
O Banco Central tem uma tarefa a ser cumprida. Ela estava bem mais fácil. Era um plano de voo bem definido, sem tempestade no horizonte. No entanto, agora, é uma situação muito mais complicada, porque o Banco Central vê a atividade desacelerando, um componente favorável para a desaceleração da inflação, mas, por outro lado, as expectativas jogando contra. É como se fosse um período de tempestade nesse plano de voo. É muito mais arriscado para o Banco Central reduzir os juros, porque o risco é gerar mais volatilidade, mais subida de inflação futura. Então, o que quero dizer é que 2024 depende muito desse ciclo da política monetária.
O País saiu polarizado da eleição. Se esse cenário de baixo crescimento se confirmar, qual será a capacidade política do governo em aprovar reformas importantes?
A gente viu, claro, em outro contexto, uma mobilização com o governo Temer de fazer reformas e mudar o cenário, com teto dos gastos, agenda de reformas, pessoas com credibilidade na equipe econômica trabalhando em conjunto para convencer o Congresso para uma agenda de reformas. Várias coisas podem aliviar um pouco esse cenário conjuntural. Uma delas é avançar em reformas estruturais
O governo aposta na reforma tributária. A sra. acredita na aprovação?
Dado que o governo tem consciência, e os Estados também, da necessidade da reforma tributária, sou otimista. A pergunta é: a reforma será a que gostaríamos, será que vão ter muitos jabutis? Essa é a grande dúvida.
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