O crescimento de 0,9% do produto interno bruto (PIB) no terceiro trimestre veio um pouco acima da expectativa do mercado (0,8%). E, apesar de significar uma desaceleração em relação ao segundo trimestre, quando teve alta de 1,4%, mostra uma economia ainda aquecida. É um dado positivo que se soma a um outro muito bom: a taxa de desemprego, no trimestre encerrado em outubro, estava em 6,2%, o nível mais baixo da série histórica da Pnad Contínua, do IBGE. Mesmo assim, há uma desconfiança cada vez maior dos analistas com os rumos da economia. Por que isso acontece?
O quadro atual guarda semelhanças com o governo da ex-presidente Dilma Rousseff. Em 2012 e 2013, os números de atividade econômica eram também robustos. O PIB cresceu 1,9% em 2012 e 3% em 2013. A taxa de desemprego, por sua vez, estava em 6,9% em dezembro de 2012 e em 6,3% em dezembro de 2013 - números tão baixos quanto os de agora. Mas os economistas apontavam que uma tempestade estava se formando.
E foi o que ocorreu, efetivamente. O PIB teve forte desaceleração em 2014 (0,5%) e em 2015 e 2016 o País viveu a grande recessão - com quedas de 3,5% e 3,3%. O desemprego, em 2016, foi de 11,5%.
Qual a semelhança entre esses períodos? Basicamente, o descontrole fiscal. Gastar mais (muito mais) do que arrecada nunca parece ter sido um problema para os governos petistas. Exceto no início do primeiro mandato do presidente Lula, a política do “gasto é vida” é sempre o que parece nortear algumas das cabeças mais importantes do executivo.
O próprio Lula faz questão de deixar isso claro. “Aqui no governo federal é muito desagradável porque tudo que você faz é tratado como se fosse gasto. Isso inibe a gente. Porque a gente começa o nosso orçamento pensando o que tem que deixar de reserva para pagar. A última coisa que a gente pensa é em que investir... Vai investir o que sobrar. E, assim, é muito difícil imaginar que a gente vai chegar no lugar que a gente quer com muita rapidez”, disse, em abril.
Em outubro, durante um evento do programa Pé de Meia, na Bahia, voltou ao assunto. “Tem muita gente que acha que nós estamos gastando muito dinheiro. Primeiro, eu não acho que é gasto, acho que é investimento. Segundo, ficaria muito mais caro gastar fazendo cadeia para prender a meninada que não teve oportunidade do que investir na escola”, disse.
O resultado dessa insistência em negar o óbvio ficou muito claro nos últimos dias. Após semanas de muita expectativa, o governo finalmente apresentou seu pacote de corte de gastos. Foi considerado pífio. O governo estimou a economia com o pacote em cerca de R$ 70 bilhões em dois anos. Para muitos analistas, porém, deve ser metade disso. Muito pouco para as necessidades fiscais do País.
Além disso, para contrabalançar as “maldades” do corte de gastos - como mudanças na política de reajuste do salário mínimo e no BPC -, veio junto com o pacote a divulgação da isenção de imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil (uma promessa de campanha). E uma taxação para rendas superiores a R$ 50 mil, como compensação. Anúncios que provocaram ainda mais ruído em um tema já bastante complicado.
O resultado dessa falta de apetite pelo ajuste fiscal veio a galope. O dólar saltou da casa dos R$ 5,80 na quarta-feira, 27, para R$ 6,11 na sexta-feira, 29. As taxas de juros futuros esticaram para mais de 14%. O mercado passou a prever uma alta de 0,75 ponto porcentual na próxima reunião do Copom, agora em dezembro. E uma Selic chegando a 13,5% para conter uma inflação que insiste em ficar fora da meta do Banco Central - e que tende a ficar ainda mais alta com o dólar acima dos R$ 6.
Um ajuste fiscal sério seria importante em qualquer situação. Mas, para os emergentes em geral, e o Basil em particular, tornou-se ainda mais necessário após a eleição de Donald Trump nos EUA. Tudo o que novo presidente tem prometido - tarifas extras às importações, deportação de imigrantes - tem potencial para elevar a inflação americana. Inflação alta, como estamos cansados de saber no Brasil, se combate com juros altos.
Mas juros mais altos na maior economia do mundo mexem com todos os outros países. Investidores tendem a levar seu dinheiro para lá, dada a segurança do investimento. Perdem com isso os emergentes, que são considerados mais arriscados - e por isso têm de pagar juros reais (acima da inflação) cada vez mais altos para atrair os investidores.
Menos investidores de fora significa menos dólares na economia. E isso faz com que a moeda americana se fortaleça ainda mais, com impacto direto na inflação. E torna a tarefa do Banco Central de controlar a alta dos preços cada vez mais desafiadora.
Portanto, ajuste fiscal não é uma coisa de analistas do mercado financeiro sem pé na realidade. O descontrole dos gastos tem efeito direto na vida das pessoas, e é algo que deveria ser levado mais a sério pelos petistas, em geral, e Lula, em particular - afinal, a caneta está com ele. Por isso, não devemos nos iludir com dados positivos e fortes, como o PIB e o desemprego. O governo Dilma já deu mostras do que pode acontecer quando não há o mínimo compromisso com essa agenda.
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