Um estudo realizado pela Confederação Nacional de Municípios (CNM) aponta que a criação de um piso salarial da enfermagem sem o apontamento de uma fonte de custeio para bancar essa conta poderia levar ao desligamento de 32,5 mil profissionais, quase um quarto dos 143,3 mil profissionais de enfermagem no País. Com isso, 35 milhões de brasileiros ficariam sem atendimento médico, segundo a entidade. Essa é a dimensão do impacto financeiro, caso este fosse repassado ao contingente de enfermeiros em atividade no País.
Os dados divulgados nesta segunda-feira, 12, apontam que a criação do piso salarial poderia gerar despesas de R$ 9,4 bilhões por ano apenas aos cofres municipais, uma cifra que, atualizada pela inflação, chegaria hoje a R$ 10,5 bilhões. Na semana passada, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso suspendeu a lei que definiu a aplicação do piso salarial de R$ 4.750 para profissionais de enfermagem. Até o momento, o placar no STF é de 5 a 3 pela suspensão do piso.
A proposta foi aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro, mas sem deixar claro de onde sairá o recurso para bancar este piso salarial.
A CNM foi intimada pelo STF a apresentar, em até 60 dias, dados sobre os impactos da Lei aos municípios, como forma de sustentar a avaliação de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), que pede a suspensão dos pisos salariais profissionais para enfermeiros, técnicos de enfermagem, auxiliares de enfermagem e parteiras.
O presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, afirmou que todos reconhecem a importância de valorizar esses profissionais, mas chamou a atenção sobre inviabilidade no atual cenário e os efeitos da medida na prestação de serviços à população.
“Nenhum cidadão é contra o piso salarial da enfermagem, mas nós não temos como suportar isso. Não somos contra, mas não temos como suportar”, disse. “Não há que se discutir a importância dos profissionais da saúde, especialmente pelo que vivemos no enfrentamento à pandemia. Porém, sem que seja aprovada uma fonte de custeio, conforme o Congresso havia se comprometido, veremos a descontinuidade de diversos programas sociais, o desligamento de profissionais e a população que mais necessita desassistida.”
A CNM traz um panorama sobre os programas federais na área de saúde e como esses poderiam ser impactados pelo piso, segundo o estudo. Um exemplo é o incentivo destinado ao financiamento das equipes de Saúde da Família (eSF), principal eixo da atenção primária à saúde. Atualmente, 5.563 municípios integram o programa, que conta com 52.193 equipes credenciadas, além de representar uma cobertura cadastral de 153,8 milhões de pessoas, o que corresponde a 73,19% da população brasileira.
O impacto do piso da enfermagem somente na estratégia Saúde da Família, será superior a R$ 1,8 bilhão no primeiro ano e, para manter os atuais R$ 6,1 bilhões de despesas com os profissionais de enfermagem, os municípios brasileiros terão que descredenciar 11.849 equipes de eSF/eAP, representando uma redução de 23% no total de equipes.
“Tem que sair de algum lugar o dinheiro para colocar no piso”, disse o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski. Ele explicou, porém, que as eventuais demissões são apenas uma referência, uma forma de estimar o impacto da medida, a partir do valor comprometido. Se não houver demissões, portanto, outro eventual impacto seria a redução de remédios e exames oferecidos, por exemplo.
Entre as regiões do país, a região Nordeste será a mais afetada pelo piso da enfermagem, com impacto financeiro de R$ 939,3 milhões no primeiro ano de vigência. Estima-se que o conjunto de Municípios nordestinos terá de desligar 6.645 equipes da atenção primária à saúde (eSF/eAP), o que representa 37% do total de equipes credenciadas. Aproximadamente 17,9 milhões de nordestinos poderão ficar sem as ações e os serviços básicos de saúde; além disso, deverão ser desligados cerca de 17.963 profissionais da enfermagem.
O Estado mais afetado pelo desligamento de equipes é a Paraíba, com 49% das equipes podendo ser desligadas. Em seguida, estão Amapá (44%), Pernambuco (42%), Maranhão (41%) e Rio Grande do Norte (40%). Já em relação ao número de pessoas atingidas, em termos absolutos, Minas Gerais é o que apresenta o maior cenário, com 4,7 milhões de pessoas correndo o risco de ficarem desassistidas. Em seguida, estão a Bahia, com 4,2 milhões; e Pernambuco, com 3 milhões.
Autor de projeto acredita em aprovação do piso
O senador Fabiano Contarato (PT-ES), autor do texto que deu origem ao piso salarial da enfermagem, disse que, apesar dos questionamentos dos municípios e da suspensão dos efeitos da lei pelo STF, acredita que a suspensão cairá.
“Temos absoluta certeza de que o piso salarial da enfermagem será efetivado em todo o País. O presidente do Congresso Nacional está pessoalmente empenhado, junto conosco e atendendo a nossos pedidos, em viabilizar a questão da fonte de recurso que motivou a suspensão judicial do pagamento, solicitada por parte do segmento patronal privado”, declarou, em resposta à reportagem.
O piso da categoria foi criado após a aprovação de uma proposta de emenda constitucional (PEC) em 13 de julho, pelo Congresso Nacional. A lei que também garante o mínimo à categoria foi sancionada no dia 4 de agosto pelo presidente Jair Bolsonaro.
“Fui autor do projeto de lei que criou o piso salarial da enfermagem, uma conquista histórica que faz justiça a profissionais que dedicam a vida para cuidar da saúde da população, muitas vezes arriscando a própria vida, como fizeram na linha de frente de combate à pandemia. O Judiciário certamente será sensível à constitucionalidade do piso”, disse Contarato.
Categoria reage e faz mobilizações pelo País
A discussão em torno do piso salarial tem sido marcada por mobilizações da categoria em todo o País. No último fim de semana, o Fórum Nacional Enfermagem realizou diversas manifestações, pedindo a derrubada da suspensão pelo STF.
“Sabemos que tal decisão interessa tão somente aos setores econômicos, ao empresariado que tanto lucrou durante a pandemia, que explora as trabalhadoras e os trabalhadores de enfermagem, que não valoriza e desrespeita a luta histórica desta categoria”, afirma o fórum.
“A conquista do direito ao piso salarial foi construída pela soma dos e articulação legislativa do Congresso Nacional, foi capaz de superar barreiras, e comprovar, por estudos, que o impacto financeiro do piso nacional da enfermagem representa somente 4% do investimento do SUS e apenas 5% do faturamento dos obstante, a enfermagem responde por mais de 50% da força de trabalho da saúde.”
A Federação Nacional dos Enfermeiros (FNE) criticou duramente o posicionamento da Confederação Nacional dos Municípios (CNM). “É uma afronta não só a enfermagem, mas, ao povo brasileiro. Houve estudos feitos pelas entidades nacionais da enfermagem e um trabalho intenso de deputados federais para essa aprovação”, declarou.
Segundo a FNE, o piso não tem nenhuma ilegalidade e, para ser aplicado, não precisaria de nenhuma legislação complementar. “Quando os municípios precisaram da enfermagem e não deixaram os trabalhadores tirarem férias, licença e não concederam reajuste, nenhum deles perguntou qual seria a fonte de recurso para essas pessoas sustentarem suas famílias e pagar seu tratamento médico por desgaste físico e mental. Então, não é justo que essas lideranças ataquem o direito da enfermagem.”
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