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Pisos de saúde e educação vão deixar governo sem dinheiro para habitação, Auxílio Gás e Defesa Civil

Projeções do governo mostram que pisos de saúde e educação vão consumir 112% das despesas não obrigatórias até 2028, tirando dinheiro de outras áreas e tornando orçamento impraticável

Foto do author Daniel  Weterman
Atualização:

BRASÍLIA - Os gastos mínimos com saúde e educação exigidos pela Constituição vão consumir todo o espaço das despesas não obrigatórias e comprometer o dinheiro destinado ao custeio e ao investimento nas outras áreas da União até 2028, tornando o orçamento impraticável.

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Conforme levantamento do Estadão com base em projeções do Ministério do Planejamento e Orçamento e informações do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PDLO), os pisos de saúde e educação vão consumir 112% das despesas não obrigatórias até 2028.

Os números reforçam a conclusão de especialistas que o governo vai ter de escolher entre manter os mínimos de saúde e educação e o novo arcabouço fiscal.

Mantidas as regras atuais, faltaria dinheiro para o programa Minha Casa, Minha Vida, recuperação de rodovias federais, pagamento do Auxílio Gás a famílias carentes, obras de saneamento básico, ações de Defesa Civil para prevenir desastres naturais e manutenção de todos os órgãos federais.

Presidente Lula em reunião com ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, em janeiro de 2023. Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

O cenário foi antecipado pelo Estadão no dia 21 de abril com estimativas do piso da saúde. Agora, a reportagem obteve projeções do Ministério do Planejamento via Lei de Acesso à Informação que confirmam a tendência e apresentam um cenário ainda mais desafiador, com a inclusão dos gastos com educação e a distribuição do dinheiro no Orçamento.

Ao mesmo tempo que despesas obrigatórias e impositivas pela Constituição crescem, entre elas aposentadorias, emendas parlamentares, saúde e educação, o arcabouço fiscal impõe um limite para os gastos públicos (2,5% de crescimento real em relação ao ano anterior), o que diminui o espaço para investimentos em outras áreas.

A Constituição determina um gasto mínimo com saúde e educação atrelado à receita. A saúde tem 15% da Receita Corrente Líquida (RCL) e a educação tem garantia de 18% da Receita Livre de Impostos (RLA). O dinheiro serve para custear a manutenção de postos de saúde, hospitais, escolas e universidades, além de novos investimentos nos dois setores.

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Pisos de saúde e educação vão consumir 112% das despesas não obrigatórias até 2028

Os pisos de saúde e educação vão somar R$ 336,3 bilhões em 2025, de acordo com as projeções do governo. O dinheiro é dividido entre despesas obrigatórias e discricionárias (não obrigatórias). Os recursos vão consumir 44% do orçamento disponível para todas as despesas não obrigatórias, espaço disputado com outras áreas. O porcentual subirá para 51% em 2026, 63% em 2027 e 112% em 2028.

Em 2027, sobrariam apenas R$ 45 bilhões para gastos não obrigatórios nas outras áreas, um cenário considerado impraticável por integrantes do governo e economistas. Em 2028, faltariam R$ 12 bilhões para custeio e investimento em outras áreas, paralisando o Orçamento. Isso significa que o governo terá de rever os gastos mínimos com saúde e educação ou mexer no arcabouço fiscal.

Dentro das despesas não obrigatórias, há dois tipos de programações: custeio (manutenção de órgãos e serviços públicos) e investimentos (obras e equipamentos). Como os investimentos ainda têm um mínimo exigido pelo arcabouço, que é de 0,6% do Produto Interno Bruto (PIB), as despesas que correm mais risco são as de custeio: manutenção de todos os ministérios, autarquias e órgãos federais, Auxílio Gás e ações de Defesa Civil, entre outras.

Após a publicação da reportagem, o Ministério do Planejamento e Orçamento apresentou uma nova resposta ao pedido via Lei de Acesso à Informação formulado pelo Estadão pontuando que as estimativas do governo consideram uma separação entre emendas parlamentares e outras despesas discricionárias (não obrigatórias) nos limites totais. Dessa forma, em 2028, não faltariam R$ 12,6 bilhões, mas sobrariam R$ 11,75 para outras despesas não obrigatórias, ainda assim um recurso insuficiente para financiar essas ações. O ministério sustenta que o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias foi elaborado à luz do novo arcabouço fiscal e desses desafios.

Revisão de gastos não tem consenso dentro do próprio governo

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Integrantes da equipe econômica defendem uma revisão dos pisos de saúde e educação. O Tesouro Nacional tem estudos para alterar o índice que reajusta o crescimento dessas despesas, saindo de porcentuais vinculados à arrecadação e partindo para um mínimo vinculado ao crescimento da população ou do Produto Interno Bruto (PIB). Na prática, as mudanças poderiam tirar até R$ 131 bilhões da saúde e educação até 2033, distribuindo o recurso para outras áreas.

Internamente, os ministérios da Saúde e Educação não querem rever os pisos atuais, argumentando que um crescimento menor compromete os investimentos nas duas áreas e a manutenção das unidades de saúde e de ensino nos próximos anos. Não há consenso no governo. As bancadas dos dois setores no Congresso também são contra, assim como parlamentares do PT, partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Em entrevista ao Estadão, na última quinta-feira, 9, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que não vê muito espaço para a desvinculação dos benefícios previdenciários (do salário mínimo) e que a discussão sobre rever os pisos de saúde e educação “não prosperou” no governo.

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A ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, defende uma revisão dos gastos obrigatórios, incluindo um plano para desvincular os benefícios da Previdência Social do salário mínimo. “Ninguém está falando em mexer em nada em 2024 e 2025. O meu papel é mostrar que, a partir de 2026, nós começamos a não ter recursos para as despesas discricionárias livres, tirando emenda parlamentar. A gente vai para um limite insustentável”, afirmou Tebet ao Estadão na última sexta-feira, 10.

O Executivo deve elaborar o Orçamento de 2025 sem mexer nas premissas, mas integrantes da equipe econômica não veem espaço para manter as regras atuais por mais tempo. “É um fator de preocupação para nós, é um desafio que já está colocado nesse cenário de médio prazo e aqui entra a importância redobrada da agenda de revisão de gastos obrigatórios”, afirmou o secretário de Orçamento Federal, Paulo Bijos, em coletiva de imprensa no dia 15 de abril.

Procurado pelo reportagem para comentar as projeções oficiais, o Ministério do Planejamento ressaltou que o cenário para as contas públicas do País é desafiador e afirmou que o projeto das diretrizes orçamentárias de 2025 foi elaborado à luz do novo arcabouço fiscal.

“Questões como a dinâmica prevista para as despesas obrigatórias e o encurtamento do espaço para as despesas discricionárias foram abordadas e estão contempladas nos parâmetros do PLDO, bem como a importância da revisão de gastos, que ganhou pela primeira vez e por determinação do Regime Fiscal Sustentável um anexo exclusivo dedicado ao tema”, disse a pasta.

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