Os planos da fundadora da Tok&Stok para recuperar o prestígio - e as finanças - da empresa

Depois de seis anos, Ghislaine Dubrule voltou em 2023 ao comando da Tok&Stok com a missão de reerguer a empresa; estratégia é focar no DNA da varejista, valorizando lojas físicas, coleções exclusivas de produtos e uma administração enxuta

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Foto do author Márcia De Chiara
Foto: Felipe Rau/Estadão
Entrevista comGhislaine DubruleFundadora e CEO da Tok&Stok

Depois de seis anos fora do dia a dia da operação da Tok&Stok, Ghislaine Dubrule, voltou em julho do ano passado ao comando da rede de lojas de móveis que fundou com o marido, Régis Dubrule, em 1978. Aos 73 anos de idade, Ghislaine tem trabalhado duro nos últimos meses para tentar reerguer a companhia submersa em dívidas e resultados negativos.

Só com os bancos as pendências renegociadas somam R$ 350 milhões. A empresa tem outros R$ 250 milhões de passivos em recebíveis. Para tentar amenizar a situação, o fundo Carlyle, dono de 60% da companhia, injetou R$ 100 milhões para dar novo fôlego ao negócio.

No momento, a executiva corre contra o tempo para virar o jogo. Em 2025, começam a vencer as dívidas renegociadas com os bancos. Até lá, o plano é trazer a companhia de volta às origens. Isto é, uma varejista espartana, como ela mesmo a qualifica, que “vende” o estilo e as tendências de casa, focada em lojas físicas. Essa estratégia vai exatamente no sentido oposto à que foi empreendida pelos cinco CEOs que comandaram a empresa antes do seu retorno.

Em seis meses da administração da fundadora, foram fechadas 17 lojas, a maioria da bandeira Studio, voltada para itens de decoração – hoje são 51 pontos de venda. Também foram demitidos 300 funcionários. Atualmente, a varejista emprega 2.605 pessoas.

Apesar do enxugamento, o desempenho de 2023 ficou abaixo do previsto. A expectativa para este ano é ampliar em 25% as vendas, chegando a um faturamento de R$ 1,5 bilhão. A executiva acredita que, como nos velhos tempos, os lançamentos de coleções assinadas – neste ano serão 8, uma delas pelo estilista Alexandre Herchcovitch – vão turbinar o desempenho da companhia e trazer a empresa de volta ao azul, atraindo investidores.

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Quanto à fusão com a concorrente Mobly, que chegou a ser aventada, Ghislaine diz que seria difícil imaginar a união das empresas neste momento de reestruturação da companhia. No futuro, quando a varejista voltar a ser rentável, ela não descarta uma capitalização da própria família Dubrule e até a entrada de bancos como sócios, como está ocorrendo no Magalu, exemplifica. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Como está sendo a volta ao comando da Tok&Stok?

A gente está fazendo um trabalho duro e difícil. Voltei em maio de 2023 e assumi definitivamente em julho, depois do quinto CEO, após a minha saída, em maio de 2017. Fundei esta empresa em 1978 com o meu marido. Após a venda da participação para o fundo (Carlyle), fiquei por cinco anos como CEO, de 2012 a 2017.

Por que a senhora deixou o comando?

Em 2017, o fundo quis contratar profissionais de mercado para fazer a abertura de capital na Bolsa, entendendo que esses profissionais tinham boa experiência de varejo e de abertura de capital. Daí, entraram vários profissionais. E não deu certo.

Por quê?

Eram profissionais super renomados, com experiência em grandes empresas, tanto na gestão como em resultados. Mas talvez tenha havido um descolamento da especificidade da nossa marca com o varejo. O varejo é muito específico, muito detalhista na questão da gestão da operação. Talvez eles não quiseram entrar a fundo na gestão da operação. Também houve todo um contexto diferente a partir de 2017. E, depois, veio a pandemia.

Como assim?

Durante esse período, o mercado tinha o foco muito forte no digital, antes mesmo da pandemia. O digital deveria ter participação acima de 40% na venda.

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Ghislaine Dubrule, CEO da Tok&Stok e fundadora, não descarta a possibilidade de a família capitalizar a empresa no futuro  Foto: FELIPE RAU

Essa era a orientação dos CEOs que a precederam?

Dos analistas de mercado em geral para a entrada das empresas na Bolsa. Durante esse período tivemos dois grandes concorrentes, a Mobly e a Westwing, que entraram na Bolsa porque eram nativos digitais. Esse movimento para o digital dá certo para algumas empresas. Mas percebemos que muitas dessas empresas têm muita dificuldade de entregar geração de caixa operacional (Ebtida) positivo, porque o digital é uma venda não lucrativa.

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É uma venda extremamente competitiva, de produto pelo produto. Tem de dar desconto e frete grátis o tempo todo. Portanto, é extremamente difícil lucrar. Além disso, o site consegue pouco demonstrar o sonho do que é o morar, o life style de uma casa, as tendências. Foi nesse contexto que o mercado focou em digitalizar as empresas. Isso significa digitalizar processos, controles internos. Significa contratar muitos analistas de dados, vários aplicativos, que demandam muito dinheiro. Foi o que foi feito (na Tok&Stok).

Quanto foi investido?

Tudo o que temos de dívida. Hoje a dívida está em R$ 600 milhões (R$ 350 milhões com bancos e R$ 250 milhões em recebíveis). Mais da metade dessa grande dívida diz respeito a todo esse movimento de fortalecer o digital e digitalizar a empresa. Foram comprados muitos aplicativos, investiu-se muito em informatização, foram contratados muitos especialistas em TI (Tecnologia da Informação). Passamos de 60 profissionais de TI para 350, uma proporção gigante dentro escritório central. O digital chegou a representar 23% do faturamento. Quando eu deixei a empresa, estava em 7%, 8% (atualmente está em 15%). Mas a custo do quê? De uma venda não lucrativa.

Esse foi o erro?

Não foi um erro, porque era a estratégia.

Não teria sido uma estratégia errada?

Mas o mercado olhava tão somente a venda digital, a linha de cima, não o lucro. Porque era muito significativa a venda deste canal. É impressionante ver a cegueira de alguns analistas, no bom sentido. Eles entendem que se uma empresa está crescendo a venda com o digital, ela vai superar o mercado como um todo e se posicionar como top de linha nesse movimento. Depois, lá na frente, recupera o equilíbrio da geração de caixa (Ebtida). Nesse período, essa foi a estratégia dos CEOs, monitorada pelo fundo, para abrir o capital na Bolsa. Demonstrar para os analistas que esse crescimento seria exponencial. Também íamos capturar o benefício fiscal com a mudança do nosso centro de distribuição para Extrema, em Minas Gerais.

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Por que essa estratégia não deu certo?

O primeiro problema foi a pandemia. De repente, as lojas físicas foram fechadas. A mudança para Extrema não foi bem-sucedida. Antes, estávamos em Itapevi (SP), com 45 mil metros quadrados. Fomos para um centro de distribuição muito maior (65 mil metros quadrados) e a venda não veio. Além disso, o custo do novo centro de distribuição é extremamente elevado. Estávamos contado com o sucesso do digital, com o crescimento da venda e com o benefício fiscal. Para engrossar o caldo, havia a estratégia de abrir, em dois anos – um tempo recorde – 100 lojas de artigos de acessórios e decoração (com a bandeira Studio) em todos os shoppings. Essa equação poderia ter dado certo se não tivesse tido a pandemia e a crise pós-pandemia.

O quadro macroeconômico contribuiu para essa situação?

Estamos no momento (econômico) de dez anos atrás, com juros extremamente altos. Com tanta dívida, apostas e juros altos, empréstimos junto a bancos, foi realmente essa situação que levou em 2022 a empresa a não poder honrar seus compromissos.

Como foi o seu retorno para empresa?

No final do segundo trimestre de 2023, o último CEO ( Roberto Szachnowicz) teve dificuldade. Conhece o varejo, mas não tinha o DNA da Tok&Stok, de coleções exclusivas, esse aspiracional, o desenho das nossas lojas e a governança dos processos. Insistimos junto ao fundo que o momento era difícil e que não poderíamos perder tempo. Um CEO novo iria perder tempo, porque não conhece a gestão dos processos. Porque o varejo pede que você tenha muita governança na operação e agilidade. Durante esse período de preparação para o IPO, os nossos CEOs não conseguiram governar a operação e teve realmente muito escape. Temos uma logística capilarizada, temos lojas de Manaus (AM) a Porto Alegre (RS). Assumi definitivamente em julho e o fundo injetou R$ 100 milhões em 1º de julho.

O que a senhora tem feito de lá para cá, qual é o seu foco?

O redirecionamento do negócio para a loja física, mas sem esquecer o digital, e o corte nas despesas. Temos hoje 90 funcionários de TI, eram 350. Cortamos muitas camadas de gestão. De seis a sete diretorias, hoje temos três: operações, comercial e financeira. Temos muitas gerências gerais que são importantes (marketing, design, planejamento). Mas cortamos muitas camadas abaixo dessas gerências. Somos uma empresa enxuta, espartana. Na época em que eu sai da empresa, em 2017, éramos uma empresa espartana. Faturávamos R$ 1,6 bilhão e com um Ebtida muito alto, porque a gente tinha as despesas muito controladas e uma venda forte.

O que mais está sendo feito?

Estamos retomando o foco na gestão das coleções, no desenvolvimento de coleções exclusivas. Durante os últimos tempos, inúmeros segmentos dentro das coleções não tiveram renovação. Nosso DNA é a valorização, desde o artesanato até o desenho de móveis, as coleções de tecidos.

A Tok &Stok está voltando às origens?

Estamos voltando a esse DNA, coleções assinadas por designers brasileiros, lançamentos de eventos. Vamos lançar evento com Alexandre Herchcovitch, renomado designer no segmento de moda. Somos moda também e temos de ser moda. A arte de escolher um móvel é a arte da moda. Ou seja, definir o life style, tendências de morar, trabalhar. Mais no final, um dos CEOs contratou muitos engenheiros. Eles tinham uma cabeça fantástica, mas raciocinavam tudo pelo número. Com isso, começaram a decorar as lojas com os produtos de maior giro. E as lojas ficaram pretas ou marrons, porque o preto e o marrom (são as cores que) saem mais. Mas as nossas lojas têm de mostrar as tendências, uma loja colorida, aspiracional. A nossa loja foi sempre um tipo de ‘Casa Cor’, onde cliente vai lá para se inspirar.

Essa arrumação da casa já apareceu nos resultados da empresa?

Não tivemos muito tempo. O aporte do fundo foi em julho de 2023 e a negociação com os bancos (Santander, Itaú e Bradesco) foi também em 2023. Temos dois anos de carência (até 2025) para começar a pagar a dívida com os bancos, a primeira parcela e os juros. Felizmente, as parcelas começam baixas e serão completadas até 2029, quando será paga a maior parte, 60% da dívida.

Daqueles R$ 600 milhões?

Dos R$ 350 milhões. Se considerar o aporte do Carlyle, dá R$ 450 milhões. É uma corrida contra o tempo. Mas entendemos que é factível, estamos otimistas.

No ano passado a empresa conseguiu ter lucro?

Infelizmente não tivemos lucro, porque tivemos de carregar o primeiro semestre que foi bem difícil. Fizemos o possível e o impossível para reequilibrar a geração de caixa e, ainda assim, 2023 acabou com o Ebitda negativo, mas perto de atingir o ponto de equilíbrio. É o primeiro ano que estamos no ponto de inflexão, de voltar a entregar um Ebitda muito melhor do que esses três anos de queda consecutiva.

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E o faturamento de 2023?

Tínhamos a expectativa de voltar a R$ 1,5 bilhão, mas não chegamos, ficamos 25% abaixo. Primeiro porque fechamos lojas ao longo de 2023. Depois, tivemos perda de SKU (produto). Até agosto, setembro os fornecedores entregavam a metade do pedido, com medo de não receber o pagamento. Com o aporte de R$ 100 milhões em julho – ele chegou tarde –, começamos a fazer a roda a girar.

Quais as perspectivas para 2024?

Acreditamos que será muito melhor. Esperamos que o faturamento chegue a R$ 1,5 bilhão, com crescimento de 25% e Ebtida positivo. Estamos fazendo um trabalho imenso de correr atrás do prejuízo, de correr atrás dessas coleções, lançamentos de eventos, esquecidos durante os últimos anos. Vamos fazer 12 campanhas e 8 coleções assinadas.

Como está a fusão com a Mobly?

Tinham conversas, análises para entender se havia sinergias. Essas conversas existem e o fundo está sempre aberto a esse tipo de conversa de fusão e aquisição. São duas empresas (Tok&Stok e Mobly) que passaram por dificuldades. Nós estamos com essa dívida que é muito alta. Do lado da Mobly, não é uma questão trivial. Do nosso lado, estamos avaliando. A ação da Mobly caiu muito desde a abertura de capital.

Mas as conversas continuam?

Não tem muito mais sinais de conversas. Ou o fundo está totalmente independente nessas conversas ou nós estamos tendo pouca informação. Mas está muito no silêncio hoje. Temos muita dificuldade de imaginar uma fusão neste momento em que estamos restabelecendo o controle sobre a geração de caixa, sobre a nossa coleção, sobre as nossas lojas físicas.

Então, a fusão está descartada?

Não vou dizer que esteja descartada. Sei que o fundo continua conversando (com a Mobly), como também com outros parceiros do setor.

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O fundo vai sair do negócio?

O fundo continua enquanto não achar essa possibilidade de abertura de capital ou uma fusão/aquisição ou a venda de sua participação para uma empresa estratégica do mesmo setor.

Qual é a saída mais viável hoje para Tok&Stok?

Tentar restabelecer o resultado da empresa, a geração de caixa. Em função disso, vamos poder atrair outros investidores que possam aportar valor para capitalizar a empresa. Talvez a família (Dubrule) também queira capitalizar novamente.

Essa capitalização da família Dubrule seria para quando?

Não se sabe ainda, muito lá na frente. Os bancos também podem participar como hoje estão fazendo no Magalu. Eles estão recomprando parte da dívida em ação. Mas nada será tratado antes de 2025 e até entendermos o ritmo que vamos imprimir na empresa nesses dois anos. O foco é reorganizar a casa e tornar o ativo atraente.

O que é o varejo para senhora?

Varejo em francês chama comércio de detalhes. Para mim, varejo é detalhes. Ou seja, cada detalhe é importante no varejo. Esses detalhes envolvem tudo: arquitetura da lojas, coleção, produto, governança desse negócio, comunicação, marketing e as equipes treinadas.

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