Brasil vive pleno no mercado de trabalho qualificado; veja profissões mais demandadas

Taxa de desemprego de profissionais com curso superior completo, com mais de 25 anos e experiência é de 3,5% no trimestre encerrado em junho, praticamente a metade do desemprego geral no mesmo período

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Foto do author Márcia De Chiara
Atualização:

Se a falta de mão de obra em geral é um dos principais problemas enfrentados hoje pelas companhias, a situação está ainda mais complicada para contratar profissionais qualificados. No trimestre encerrado em junho, a taxa de desocupação para os trabalhadores com ensino superior completo, com mais de 25 anos e ao menos uma experiência profissional era de 3,5% da População Economicamente Ativa (PEA). Esse resultado é praticamente a metade do indicador de desemprego em geral que, no mesmo período, estava em 6,9%.

“Estamos em pleno emprego (quando todos que estão dispostos a trabalhar encontram emprego) no recorte de profissionais qualificados”, afirma Amanda Adami, gerente de recrutamento da Robert Half, diante da dificuldade de encontrar candidatos. Com base nos micro dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a consultoria faz um levantamento comparativo da desocupação entre os profissionais mais qualificados e os trabalhadores em geral para orientar o seu trabalho de recrutamento e seleção.

O estudo mostra que, desde o segundo trimestre de 2023, a taxa de desemprego dos profissionais mais qualificados tem ficado abaixo de 4% e atingiu o menor nível (3,3%) no terceiro trimestre do ano passado. Esses resultados reforçam a acirrada disputa por talentos, já que a maioria dos profissionais qualificados está empregada.

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Um desses talentos é programador de jogos digitais Vinícius França, de 25 anos. Ele concluiu em 2020 a faculdade e depois de três meses estava trabalhando em uma empresa da área, mas como autônomo. Lá ficou por dois anos, até decidir procurar algo melhor.

Menos de duas semanas depois de deixar a empresa, ele foi procurado por outra companhia para uma vaga com salário quase 30% maior que o anterior. Além disso, desde que começou no novo emprego, saltou três cargos de uma só vez e com registro em carteira. Atualmente, ocupa o cargo de analista programador.

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“Toda a semana recebo uma proposta diferente, a maioria de empresas estrangeiras da área de jogos, querendo marcar entrevista”, conta França. Os convites têm sido recusados pelo programador que se diz satisfeito no emprego atual. A maior parte do tempo ele trabalha de casa, com flexibilidade. “Estou buscando estabilidade financeira, estou feliz e gosto do projeto da empresa.” A nova companhia usa a ferramenta de jogos para desenvolver soluções para o setor aeronáutico, como simuladores de voo.

Só salário não basta

A decisão de profissionais qualificados, como França, de recusar ofertas de trabalho revela um desafio crescente no mercado de contratação. Embora o salário continue sendo o principal fator para atrair e reter talentos — citado por 72,4% dos participantes em uma pesquisa recente da empresa de recrutamento Michael Page —, sua influência parece ter diminuído.

Lucas Oggiam, diretor-executivo da consultoria, explica que os salários já atingiram um patamar elevado, limitando a capacidade das empresas de utilizá-los como diferencial competitivo. “Com os salários no topo, as empresas precisam buscar outras formas de se destacar.”

A isca para atrair esses profissionais tem sido as ofertas de benefícios e principalmente flexibilidade, com a possibilidade de trabalhar de casa, como ocorre com França. “Oferecer flexibilidade aumenta a chance de encontrar esse profissional sem que necessariamente seja preciso ampliar salário”, afirma Amanda.

Ela acrescenta que, no caso dos benefícios, eles variam de acordo com perfil dos candidatos. Para os mais seniores, por exemplo, o cardápio pode incluir uma assistência médica diferenciada, enquanto para os mais jovens, um crédito para fazer aulas de ginástica em diferentes academias.

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Oggiam, da Michael Page, observa que atualmente as contratações de profissionais qualificados estão mais difíceis, embora a consultoria encerre 2024 como seu o melhor ano no País.

Em 2020, 2021 e 2022, os profissionais escolhiam as oportunidades, diz o consultor. Em anos anteriores, eram as empresas que escolhiam os profissionais e agora a situação está equilibrada. “Hoje, você tem um mercado mais seletivo tanto da parte dos profissionais como das empresas.”

Onde estão as menores taxas de desemprego

As menores taxas de desemprego das profissões mais qualificadas estão no Sul, com 2,3%, e Centro-Oeste, com 3,4%. Nessas regiões, os índices de desocupação estavam abaixo da média nacional de 3,5% no segundo trimestre deste ano, segundo o levantamento da consultoria Robert Half. Já as regiões Nordeste (4,5%), Norte (3,9%) e Sudeste (3,6%) superaram a média.

Em relação às profissões, o estudo não faz esse detalhamento. No entanto, com base em outras pesquisas, o economista da LCA Consultores, Bruno Imaizumi destaca que as profissões mais demandadas e, portanto, com menores índices de desemprego são aquelas relacionadas à Tecnologia da Informação (TI), como engenheiros de software, especialistas em ciber segurança, analistas e cientistas de dados, economistas, desenvolvedores, por exemplo.

O programador Vinícius França, de 25 anos, não imaginava que seria tão assediado profissionalmente para trocar de emprego Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Outros segmentos aquecidos são de profissões ligadas à saúde, sobretudo depois da crise sanitária, como médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos, por exemplo. Também estão nessa tendência as profissões ligadas ao mundo financeiro, como contabilidade, gestão de projetos, especialmente os relacionados a questões ambientais, sociais e de governança (ESG, na sigla em inglês).

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Diferença histórica

No Brasil, a taxa de desemprego entre profissionais mais qualificados e experientes é historicamente menor do que a taxa de desemprego total. Isso ocorre porque a fatia da população com ensino superior ainda é relativamente baixa no País, cerca 19% da população conforme os dados do IBGE. Esse porcentual está bem abaixo da média dos 38 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que é de 40%, segundo o economista André Mancha, gerente da Iniciativa de Empregos e Oportunidades Brasil (JOI Brasil), da organização J-PAL, fundada por ganhadores de prêmios Nobel em Economia.

Como a oferta de profissionais qualificados é reduzida, explica Mancha, esses trabalhadores têm maior poder de barganha comparativamente aos profissionais sem ensino superior. Normalmente, diz ele, a diferença entre as taxas de desemprego tende a se ampliar em períodos de crise econômica e a se reduzir em períodos de crescimento e estabilidade.

Impacto na remuneração

Lucas Assis, economista da consultoria Tendências, observa que mesmo em setores onde uma parcela significativa dos profissionais graduados ocupa funções que não demandam alta qualificação, a diferença de remuneração em relação àqueles que concluem apenas o ensino médio é elevada.

No momento atual, ele diz que o mercado de trabalho em geral apresenta sinais de forte aquecimento, com sucessivas expansões da população ocupada e aumentos da renda média, mantendo a desocupação em níveis historicamente baixos.

A prova disso é que a taxa geral de desemprego recuou para 6,4% no trimestre encerrado em setembro, com queda de 1,3 ponto ante igual período de 2023 (7,7%). Segundo a Tendências, a taxa de desemprego livre de influências sazonais foi de 6,5% no trimestre terminado em setembro. É o menor patamar da série histórica iniciada em 2012.

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