RIO - O presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Marcio Pochmann, indicou uma possível mudança nas divulgações de estatísticas do instituto ao classificar o modelo atual como “comunicação do passado”. A declaração foi dada em palestra a funcionários no dia 24 de outubro numa cerimônia transmitida e gravada no YouTube, embora não esteja listada (veja o vídeo abaixo).
“O IBGE produzia as informações e os dados, fazia uma entrevista coletiva e transferia a responsabilidade para o grande público através dos meios de comunicação tradicional. Isso ficou para trás”, disse. Ele não detalhou como será a nova forma de transmitir as informações dos estudos feitos pela instituição. Procurado, o IBGE não respondeu até a publicação deste texto. O Estadão não conseguiu contato com Pochmann.
Segundo o presidente do IBGE, cada pessoa hoje tem capacidade de se comunicar, de produzir análise, dar opiniões. “Isso tem gerado uma sociedade complexa, inclusive, pelo fato da difusão de fake news, de mentiras”, frisou, fazendo alusão às redes sociais.
Hoje, os resultados de pesquisas e estudos do IBGE — que fornece números oficiais, como de inflação e PIB — são informados, simultaneamente, a diversos órgãos de imprensa, em entrevistas a jornalistas concedidas pelos técnicos.
O presidente do IBGE disse ainda que a estrutura “verticalizada, hierárquica, e muitas vezes autoritária, ficou para trás”. “Precisamos urgentemente construir um IBGE contemporâneo, de uma administração transparente, que dialoga, que assume responsabilidades conjuntas e que tenha um rumo, uma direção.”
Pochmann lembrou que, até 1985, o índice de inflação oficial do Brasil não era do IBGE, mas da Fundação Getúlio Vargas e que esse índice foi manipulado. Citou também que o Estudo Nacional de Despesa Familiar (Endef), em 1974, feito pelo IBGE e divulgado com 200 cópias, foi censurado na época. O estudo constatou que 62% da população brasileira passava fome, na época.
Ele defendeu a transparência dos dados e disse que estudos do IBGE censurados sobre o trabalho infantil e o trabalho escravo serão divulgados neste mês. Ele não especificou quais estudos e quando foram censurados. “Não basta apenas produzir, temos que ter a capacidade de divulgar.”
A cerimônia marcou a posse de Daniel Castro como coordenador-geral do Centro de Documentação e Disseminação de Informações (CDDI), cargo com nível de diretoria. Até então, Castro era coordenador de comunicação social, área ligada à presidência do órgão. Agora, o setor de comunicação social fica abaixo do CDDI, departamento responsável pelas publicações, eventos, comercialização, marketing e portal do IBGE.
Castro, por sua vez, disse na cerimônia que, atualmente, o grande desafio do IBGE “é chegar na dona Maria diretamente”. “Porque a tecnologia, hoje, possibilita que a gente chegue na dona Maria, no seu João. Que eles possam ter acesso diretamente às informações do IBGE. Isso não é desconsiderar todos os veículos que existem, todas as formas de comunicação. Nada é substituído”, completou.
Não é a primeira vez que Castro trabalha com Pochmann. Durante a gestão do economista à frente do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), de 2007 a 2012, Castro foi assessor-chefe de comunicação e diretor da revista Desafios do Desenvolvimento, de 2009 a 2012, conforme currículo disponível no site do IBGE. Depois, de 2013 a 2015, foi coordenador nacional de comunicação da Fundação Perseu Abramo.
A fundação foi instituída pelo PT em 1996 e dirigida por Pochmann de 2012 a 2020. Pochmann, depois da FPA, dirigiu o Instituto Lula (2020-2023).
Modelo de produção
Na mesma ocasião, Pochmann observou que o modelo de produção de estatísticas do IBGE foi desenhado a partir de critérios aprovados em países do Ocidente. “Hoje, com o deslocamento do centro dinâmico do mundo para o Oriente, já não estão perceptíveis as melhores soluções apenas no Ocidente. O Oriente também traz informações.”
Ele contou que teve um diálogo com o órgão chinês de estatística. “Tivemos oportunidade, num diálogo com a direção do Instituto Nacional de Estatística da China, que está entrando em curso um censo econômico que visa justamente identificar, capturar o valor agregado das atividades digitais”, disse.
Segundo servidores que falaram sob condição de anonimato, as declarações não estavam em debate até que a ex-diretora de pesquisas Martha Mayer publicasse artigo crítico no jornal O Globo, no último dia 12, destacando que a China suspendeu a publicação de dados sobre desemprego entre os jovens, segmento no qual os índices costumam ser mais altos.
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