Economia e renda crescem, desemprego cede. Mas analistas veem problemas. Por quê?

Mais do que otimismo, analistas veem números como sinal de alerta, de que um crescimento sem avanço nas reformas estruturais, sem corte de gastos públicos e sem aumento de investimento tende a pressionar os preços e, assim, gerar a temida inflação

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Foto do author Beatriz Bulla
Atualização:

A economia brasileira cresceu 1,4% no segundo trimestre e mais uma vez surpreendeu positivamente. A inflação tem perdido força. Os números de desemprego têm caído e chegaram ao menor nível da série histórica para o trimestre. E a renda, crescido. Mas analistas veem problemas na economia brasileira. Por quê?

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Em março, em entrevista ao Estadão, o economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central, disse algo que, na época, incomodou o governo, mas agora ganha espaço entre economistas: “Se a gente continuar crescendo 3% ao ano, vamos ter alguma dificuldade com pressão inflacionária”. Isso porque, apontava Schwartsman, o crescimento brasileiro está sistematicamente acima do seu potencial.

Parte do crescimento do Brasil, na visão de analistas, está relacionada a um aumento de gastos por parte do governo visto desde a pandemia de covid-19. Isso impulsiona o consumo das famílias, como também acontece em outros países — os Estados Unidos são exemplo disso.

“As reformas estruturais são importantes, mas não acho que elas tenham trazido crescimento potencial perto de 2,5% ou mais, que é o que temos visto nos últimos anos no Brasil. Acredito que estamos sendo puxados mais por forças cíclicas do que estruturais. Alguma coisa estrutural pode estar acontecendo, só que isso vai demorar para ser medido”, afirma a diretora de macroeconomia para o Brasil do UBS Global Wealth Management, Solange Srour.

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Ela destaca que os dados divulgados nesta terça-feira, 3, apontam que o investimento está realmente retomando, mas ainda está abaixo do necessário para aumentar a capacidade produtiva. “Esse aumento que está acontecendo na margem nem recompõe a depreciação do capital. O Brasil precisa aumentar muito sua taxa de investimento para chegar a um potencial acima de 2,5%”, diz a economista.

Ela cita como relevantes, do ponto de vista estrutural, a reforma trabalhista, microrreformas no crédito e a abertura do mercado de óleo e gás. Do outro lado, diz, o fato de o investimento no País não ter crescido nos últimos anos e a perspectiva de envelhecimento populacional ligam o sinal de alerta. “É muito difícil ficar otimista com a perpetuação de um crescimento perto de 3% para frente”, afirma.

O fato de a produtividade em muitos setores não ter melhorado também é um indicador de que a atual taxa de crescimento pode não ser sustentável.

“Esse é o quarto ano que os economistas — nós incluídos — subestimam o crescimento econômico do País. Ou seja, que as nossas projeções no início do ano são muito menores do que o que efetivamente a gente tem de crescimento no final do ano. Aconteceu em 2021, 2022, 2023 e agora em 2024 também”, diz a economista do BNP Paribas Laiz Carvalho. Segundo ela, os economistas podem, sim, estar subestimando o PIB potencial (a capacidade de o País crescer sem gerar desequilíbrios, como a inflação) do Brasil — mas isso não explicaria sozinho o crescimento. “É muito difícil medir PIB potencial, cada economista tem um jeito de fazer, mas a gente sabe que ele aumentou”, diz Carvalho.

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Antes da pandemia, o PIB potencial brasileiro era apontado como próximo ao 1,5% ou 1,6%. Segundo ela, o PIB potencial hoje é algo próximo a 2%. “Mas ainda temos uma certa dificuldade de ver um PIB potencial de mais de 2%, 2,5%, que é o que explicaria esse crescimento tão alto”, diz a economista do BNP.

Sem mudança estrutural

“Fizemos várias reformas nesses últimos dez anos. A da Previdência, a tributária, estamos vendo uma mudança no mercado de trabalho, mas o nosso nível de investimentos não está muito mais alto do que a média histórica, a nossa produtividade também, tirando no agro. Não estamos vendo uma mudança estrutural nisso e nem grandes investimentos de longo prazo no Brasil, seja ele público, seja ele privado”, explica Laiz Carvalho.

O problema de um crescimento não sustentável e estrutural é que ele tende a pressionar os preços — e gerar a temida inflação. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, argumenta que o aumento de investimentos é que vai fazer com que o crescimento não gere inflação. “O crescimento com investimento maior é garantia de equilíbrio entre oferta e demanda”, afirmou Haddad nesta terça-feira, 3, após a divulgação do PIB do segundo trimestre.

Haddad admitiu que o País pode ter dificuldade de continuar a crescer sem que a inflação suba Foto: Diogo Zacarias/MF

O ministro comemorou o resultado da atividade da indústria no segundo trimestre, que cresceu 1,80%, mais do que o esperado. “A indústria voltou forte, a FBCF (Formação Bruta de Capital Fixo) está correspondendo, veio acima das projeções, o que significa mais investimento”, disse Haddad. Ele admitiu, no entanto, que o País pode ter dificuldade de continuar a crescer sem que a inflação suba. “Se não aumentar nossa capacidade instalada, vai chegar momento que teremos dificuldade de crescer sem inflação. Algumas indústrias ainda estão com muita margem para crescer a produção, mas isso não diz respeito à economia como um todo. Tem setores que já estão inspirando atenção e os investimentos vão ter que acelerar para que não haja gargalo na oferta”, afirmou.

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Investimento insuficiente

O crescimento da FBCF na divulgação do PIB desta terça fez o governo Lula comemorar o que identifica como uma melhoria na qualidade do crescimento econômico. No Estadão, o colunista Rolf Kuntz aponta, no entanto, que os números estão muito distantes do patamar desejável.

“Governo e setor privado só investiram em obras, máquinas e equipamentos o valor de R$ 484,4 bilhões, soma equivalente a 16,8% do PIB. Além disso, no acumulado de quatro trimestres, o valor diminuiu 0,9%. Para manter uma expansão econômica na vizinhança de 4% ao ano, o País deveria investir pelo menos 20% do PIB, taxa frequentemente alcançada em outros emergentes”, escreve Kuntz.

O mercado aposta em um cenário de alta da taxa básica de juros, a Selic, já que não há sinais de que o governo pretende mudar o cenário de gastos. Até agora, as previsões da equipe econômica têm se baseado em um aumento na receita.

“Conforme destacado em nossos Boletins passados, não há almoço grátis em economia. Se a atividade cresce acima do seu potencial, a inflação não cede e precisamos de juros mais altos para controlá-la. Mesmo com muita incerteza sobre o valor da taxa de juros neutra (taxa de juros consistente com inflação na meta e crescimento potencial da economia, nem expansionista, nem contracionista) que não no Brasil, tudo indica que hoje esse valor é mais elevado do que aquele com que se trabalhava antes. A política fiscal expansionista cobra o seu preço. E, pelo menos por enquanto, não há sinais de que será revista”, escreveram os economistas Armando Castelar Pinheiro e Silvia Matos no mais recente boletim macroeconômico do Ibre/FGV.

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Castelar e Matos também afirmam que o Banco Central “arriscará sua reputação” caso não altere a Selic na reunião de setembro. Os economistas apostam em uma alta de 0,50 ponto porcentual.

Ao Estadão/Broadcast nesta terça, após a divulgação do PIB do segundo trimestre, Silvia Matos disse ver confirmação, nos números mais recentes, do diagnóstico de que a economia brasileira tem crescido acima do seu potencial, o que tende a gerar pressão inflacionária e alta na Selic na reunião do Comitê de Política Monetária de setembro. Ela acrescenta ainda que, embora as taxas de crescimento do PIB deste ano estejam parecidas com as de 2023, a atividade doméstica agora tem apresentado uma dinâmica positiva mais disseminada, e menos dependente do setor agropecuário, como aconteceu no ano passado. Ela também cita o forte desempenho do setor da construção, que expandiu 3,5% na margem, muito acima do esperado. “Fica a dúvida de onde está vindo essa força (da construção), ou se temos algum outro componente de investimento que não está assim tão bom”, emenda.

“Estamos vendo as projeções de crescimento todas dos analistas indo para cima de 2,5% , vários com com número próximo de 3%, ao mesmo tempo que a inflação parou de melhorar nos seus aspectos mais relacionados à demanda”, diz Solange Srour. Segundo ela, com uma política fiscal atual “bastante expansionista”, a política monetária vai precisar ficar mais restritiva.

Economistas já apostam em uma alta de 0,50 ponto porcentual na taxa básica de juro pelo Banco Central em setembro Foto: André Dusek/Estadão

A renda disponível total do brasileiro também tem crescido. Nessa conta entram os salários, no mercado formal e informal, e também os benefícios vindos de programas sociais. “Desde o fim da pandemia, temos visto a renda disponível das famílias crescendo em termos reais todos os anos. A nossa expectativa é de que este ano cresça 5% e no ano que vem também cresça 5%. É um um ímpeto de consumo muito grande”, afirma Laiz Carvalho. “Então, por isso também vemos esse PIB mais alto, mas que não acreditamos que seja algo estruturalmente mais alto, porque, quando olhamos os números atuais, vemos que são muito muito puxados pelo consumo das famílias”, diz a economista.

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Como crescer sem gerar inflação

Como fugir da armadilha de um crescimento que gere inflação a ponto de aumentar juros e, com isso, segurar o crescimento?

“Uma maneira é com a parte fiscal. Precisávamos ter uma política fiscal que fosse mais contracionista. Reduzir gastos. Talvez falar de novo de reformas, seja a da Previdência, seja a administrativa”, afirma Laiz Carvalho. Para atrais mais investimentos, segundo ela, o Brasil deve aproveitar a agenda de sustentabilidade, como forma de tentar contornar a aversão ao risco global, que tem mantido mais capital nos Estados Unidos.

Solange Srour afirma que é preciso garantir um ambiente institucional estável ao investidor e, para isso, é crucial trazer clareza sobre a regulamentação da reforma tributária. O fato de o governo estar apostando em aumento de arrecadação, segundo ela, também tem gerado aumento das incertezas aos empresários.

“Como temos um desequilíbrio fiscal muito grave, que está sendo tratado mais por medidas de aumento de arrecadação do que por medidas de controle de gasto, isso está trazendo paras as empresas um ambiente de insegurança jurídica muito grande, porque todo dia temos notícia de que algum imposto vai mudar. Falamos com muitos empresários e é muito difícil você investir se você não sabe nem qual é o seu estoque de passivo tributário”, afirma a economista.

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“A própria falta de regulamentação na reforma tributária do consumo tem afetado o investimento deste ano e, se não for esclarecida em breve e ficar para o ano que vem, vai afetar o investimento em 2025, porque vários setores não têm a menor ideia de qual vai ser sua alíquota final”, diz Srour. /Colaboraram Amanda Pupo e Daniel Tozzi Mendes

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