O Brasil cresce, o emprego aumenta, o consumo se expande, e o governo se mexe, mas essas boas notícias soam como alerta para o Banco Central (BC). Prosperidade pode ser sinal de pressão inflacionária – motivo para uma nova fase de aperto monetário, com aumento imediato de juros e mais dois na pauta do primeiro trimestre. A justificativa mais simples o mercado financeiro já havia produzido, ao projetar para os próximos dois anos taxas de inflação próximas de 4,8% e 4,6%. Os dois números são bem superiores à meta central, 3%, e também ultrapassam o teto, fixado em 4,5%.
A atenção da autoridade monetária ao dinamismo da economia contém, de forma implícita, um importante recado ao governo e ao empresariado. A economia só pode crescer de forma vigorosa e continuada se houver suficiente investimento na capacidade produtiva. Esse recado é especialmente importante no caso do Brasil, onde o risco inflacionário se manifesta quando a expansão tende a se manter, por alguns anos, acima da faixa próxima dos 2%. É como se aos brasileiros estivesse vedada uma prosperidade semelhante à de outros países emergentes e também à de alguns avançados.
Ao citar as fontes de inflação, o Copom menciona em seu comunicado um “hiato do produto”. Em muitas ocasiões esse hiato foi citado para indicar uma produção abaixo da capacidade da economia. Desta vez, as palavras apontam uma atividade acima da capacidade normal e, portanto, com efeito inflacionário.
Mais uma vez é necessário, portanto, recorrer a um freio. Tem sido rotineira, no Brasil, a rápida passagem da prosperidade à restrição monetária, com o consequente emperramento do consumo e dos negócios. Essa mudança tende agora a repetir-se.
Dinheiro mais caro e mercados menos ativos devem resultar do novo aperto iniciado pelo Copom, o Comitê de Política Monetária, formado por diretores do BC. Esse roteiro foi decidido de forma unânime. O diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo, indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, continua cumprindo a promessa de trabalhar em seu novo posto sem subordinação ao chefe de governo.
A partir de janeiro, Galípolo deverá presidir a instituição. Na virada do ano terminará o mandato de Roberto Campos Neto. Indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, o atual chefe do BC foi hostilizado muitas vezes, de forma gratuita e até ofensiva, pelo novo presidente da República. O ministro da Fazenda do governo petista, Fernando Haddad, tentou pacificar e civilizar o ambiente, mas com sucesso limitado. Lula prometeu respeitar as decisões de Galípolo.
O novo líder do BC foi rápido e claro, no entanto, ao afirmar sua independência em relação à chefia do Executivo. Não se trata apenas de relacionamento pessoal. No mundo democrático, os governantes normalmente respeitam os condutores da política monetária. Além de baseado em lei, esse comportamento é parte de um ordenamento favorável à estabilidade da moeda e à normalidade do crédito. Em países civilizados, a atuação básica da autoridade monetária, incluída a regulação do crédito, é parte de uma rotina aceita pelos governos e pelo mercado como parte da ordem econômica.
No Brasil, governantes e outros políticos ainda se comportam rotineiramente como se as finanças públicas e a estabilidade monetária fossem irrelevantes ou incompatíveis com o crescimento econômico. O presidente Lula, talvez por fidelidade a noções petistas de meio século atrás, segue de vez em quando esse padrão, coincidindo com alguns líderes de seu partido. Isso complica, naturalmente, o trabalho de ministros e técnicos empenhados em preservar a estabilidade monetária, mas o presidente parece nem sempre se lembrar desse detalhe.
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