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Churrascaria Porcão: fundos ‘acham’ avião e suspeita de fraude em caçada aos ativos de rede falida

Busca bilionária mobiliza fundos Serpros e de servidores do Tocantins; consultoria nomeada como administrador judicial diz que falência é ‘complexa e extensa’ e nega ocultar ativos

Foto do author Gabriel Baldocchi

Quase uma década após a decretação da falência da churrascaria Porcão, ícone da culinária carioca, fundos de pensão do setor público que investiram na rede fazem uma “caçada” para recuperar ativos capazes de compensar pelo menos um pedaço de um patrimônio bilionário deixado em aberto com a derrocada da companhia.

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Por trás da corrida estão principalmente o fundo dos servidores de Tocantins e o Serpros, da estatal federal de dados. As duas entidades injetaram, juntas, ao menos R$ 700 milhões no grupo, nos anos de 2010. Em nota enviada ao Estadão/Broadcast, a K2 consultoria, nomeada para a função de administrador judicial, diz que tem se dedicado “incansavelmente” para identificar todos os ativos e que a falência é “complexa e extensa”.

O trabalho de recuperação dos investimentos, segundo mostram documentos aos quais o Estadão/Broadcast teve acesso, levantou suspeitas sobre transações feitas durante o período de dificuldades da rede, gerou questionamentos em relação à postura do administrador judicial e disputas sobre ativos identificados em nome das seis empresas que hoje compõem a massa falida, como um avião de três lugares encontrado no interior de São Paulo e não listado inicialmente no rol de bens disponíveis.

No auge, o patrimônio da rede Porcão chegou a R$ 1,4 bilhão Foto: Divulgação/Churrascaria Porcão

Os recursos direcionados para a expansão dos restaurantes nos anos 2010 foram aportados via fundos e pela compra de papéis da empresa. Após algumas movimentações societárias, o Fundo de Investimento em Participações (FIP) FP2 passou a ter o controle do grupo. No auge, seu patrimônio chegou a R$ 1,4 bilhão. Entre os investidores estavam mais de 20 fundos de pensão de servidores públicos (RPPS), entre os quais o do Estado de Tocantins e o Serpros.

Já em dificuldades, o Porcão anunciou, em 2014, a fusão com a churrascaria Vento Haragano, do empresário Lucas Zanchetta. A empresa combinada estimava ter quase 30 restaurantes e faturar R$ 800 milhões. Mas os planos não se confirmaram e, em 2017, a Justiça decretou a falência do grupo.

O ato marcava a derrocada da rede de restaurantes que se espalhou pelo País e exterior a partir do status conquistado na capital fluminense. Ficou famosa como ponto de encontro de políticos e celebridades, com especial apreço por parte de jogadores de futebol. Foi palco de cliques de Neymar por fotógrafos de celebridades e chegou a entrar em campo com um patrocínio numa faixa usada na cabeça pelo ponta Renato Gaúcho, hoje técnico do Grêmio.

O grupo carioca fundado pela família Mocellin chegou a ter unidades nos Estados Unidos e recebeu até investimentos do banco Merril Linch. A família e o banco, porém, deixaram o negócio.

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Advogados descobrem avião

Os fundos de pensão tentam há anos recuperar parte do dinheiro investido. O principal meio de fazer isso seria por meio de duas plantas frigoríficas herdadas do negócio falido, uma delas em operação e arrendada para a Marfrig, além da liquidação de outros ativos encontrados.

Na corrida para levantar os bens, os advogados descobriram um avião modelo SR22, da Cirrus Design, que não havia sido arrolado entre os ativos no processo de falência. Os fundos também questionam as vendas de três imóveis e da marca Porcão, por R$ 390 mil, em leilões realizados em 2023.

Os recursos, somados a depósitos antigos encontrados em nome de uma das empresas incluídas no processo, seriam suficientes para pagar as dívidas e encerrar a falência, alegam os fundos.

A lista de credores apresentada em 2021 soma R$ 75 milhões em débitos, embora o valor citado pela própria empresa na mesma época indicasse um total de R$ 253 milhões em aberto na falência.

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Um dos questionamentos dos advogados é justamente para que o administrador apresente uma lista atualizada dos credores e o andamento da realização de ativos. “Não é possível aos credores, terceiros interessados, massa falida e o Juízo Falimentar do RJ estimar o valor do ativo arrecadado pelo administrador judicial, uma vez que não foi apresentado o plano de realização dos ativos”, afirma a petição apresentada pelo Maia Britto Advogados, escritório que representa o FP2.

Em nota enviada ao Estadão/Broadcast, a K2 consultoria, nomeada para a função de administrador judicial, nega que os recursos arrecadados sejam suficientes para quitar o passivo da falência. A empresa estima que a dívida total alcance cerca de R$ 900 milhões (R$ 300 milhões de passivo trabalhista, R$ 500 milhões fiscais e R$ 100 milhões herdadas de uma empresa antiga da Brazal).

A K2 afirma que, desde a sua nomeação, tem se dedicado “incansavelmente” ao processo falimentar, para identificar todos os ativos e na consolidação do passivo. Afirma ainda que os pleitos do FP2 serão apreciados na Justiça, sem responder especificamente sobre o plano de realização de ativos.

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A K2 afirma ainda que a falência é “complexa e extensa, um grupo econômico formado por diversas empresas, com aproximadamente 3 mil credores trabalhistas” e prossegue afirmando que o quadro geral de credores “é vivo e atualizado diariamente, conforme as decisões”.

Fundo aponta suspeitas em operação

Em outro documento apresentado à Justiça, o representante do fundo que reúne as entidades aponta suspeitas de fraudes numa operação feita entre o grupo do Porcão com a empresa de saneamento Sanetrat, controlada pela Conasa, do Paraná. O questionamento envolve um crédito de R$ 30 milhões feito pelo grupo de infraestrutura à rede de restaurantes, transação estranha à área de atuação da companhia, e que resultou na alienação da planta frigorífica do grupo Porcão, dada em garantia na época, em detrimento dos credores.

Além de enfatizar a transação como estranha à atividade da holding de infraestrutura, os advogados apontam a suposta influência de um executivo investigado pela Lava Jato: Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos, ex-ministro do governo de Fernando Collor de Mello (1990-1992).

Numa troca de mensagens às quais o Estadão/Broadcast teve acesso, Lucas Zanchetta, que passou a integrar o grupo Porcão após o negócio com a Vento Haragano, compartilha com o administrador judicial uma senha pessoal referente a um dos processos relacionados ao grupo e indica ter comprador para os dois principais ativos da falência.

“Pessoalmente, te levarei a proposta assinada. Grupo comprador é enorme, tem mais de 50 anos”, escreve Zanchetta ao administrador judicial. Num dos trechos, ele se refere à planta frigorífica no interior de São Paulo. “Também tenho comprador para Itupeva. Te garanto R$ 250 milhões no seu caixa.”

A relação de proximidade com um dos sócios do negócio falido é uma conduta considerada conflituosa, segundo advogados consultados pelo Estadão/Broadcast.

Em petição à Justiça, o escritório Maia Britto, representante do FP2, fundo que reúne as entidades de previdência que investiram na rede de churrascarias, sustenta que a compra de títulos da Brazal, do grupo Porcão, pela Sanetrat, em 2014, permitiu à companhia de saneamento alienar a planta frigorífica da rede de restaurantes, o que traria prejuízo aos credores. Os fundos tentam agora garantir a posse do ativo para vendê-lo e recuperar parte dos recursos.

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Segundo a petição, os recursos usados pela Sanetrat para a compra dos títulos da empresa do grupo Porcão teriam relação com uma operação entre a entidade de previdência Serpros, da estatal federal de dados, com o fundo de investimentos Infra Setorial, voltado a empresas de infraestrutura.

Numa sequência de eventos, os advogados identificaram o aporte de R$ 30 milhões do Serpros para o Infra Setorial e, no mesmo valor, em seguida, do Infra Setorial, para a Sanetrat. Para sustentar a suspeita, citam o vínculo entre as duas partes, uma vez que o administrador do fundo Infra, Pedro Paulo Leoni Ramos, é pai do então diretor financeiro da Sanetrat, Claudio Roberto de Leoni Ramos, segundo o processo.

A petição apresenta a suspeita de a Sanetrat ter atuado apenas como “veículo de passagem” dos recursos do Serpros. “O somatório de todos estes fatos descortina a inacreditável fraude cometida por Brazal e Sanetrat, onde a cereja do bolo seria a alienação da planta de Nova Xavantina em benefício da Sanetrat, trazendo inexplicável benefício em detrimento dos demais credores, especialmente, os trabalhistas.”, escreve o advogado no processo.

Citação de nome na Lava Jato

A operação de empréstimo da empresa do grupo Porcão foi citada no formulário de referência da Conasa no curso de sua tentativa de abrir capital na Bolsa, em 2021. Os títulos, porém, foram tirados do balanço e transferidos de volta ao FIP Infra Setorial. Lá, foram objeto de uma ressalva dos auditores.

O formulário de referência para abertura de capital da Conasa traz também, entre os fatores de risco, uma citação ao fato de Pedro Paulo Leoni Ramos, ex-membro do Conselho de Administração do grupo, ser parte em ações movidas pela Lava Jato, por supostos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. O capítulo da força-tarefa envolve pagamentos ao doleiro Alberto Yousseff, a BR Distribuidora e o ex-presidente Fernando Collor de Mello, a quem o executivo é ligado.

Questionada sobre a operação de empréstimo, a Conasa afirmou que comprou o ativo financeiro em um contrato com a Brazal (do grupo Porcão) e que não detém qualquer participação no ativo desde 2021. “A Conasa reforça ainda que essa foi uma operação regular e, atualmente, não tem qualquer relação comercial com Brazal (Porcão) ou com os fundos citados”, afirmou a empresa, em nota ao Estadão/Broadcast.

Já o administrador judicial da massa falida do Porcão, a K2 consultoria, afirma no processo que não foram apresentadas provas suficientes referentes à suposta fraude envolvendo a Sanetrat. Destaca, porém, que se forem comprovados atos ilegais envolvendo a alienação da planta ao grupo de saneamento, que eles serão levados em consideração na falência.

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A reportagem não conseguiu contato com o empresário Lucas Zanchetta.

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