BRASÍLIA – O setor portuário nacional se aproxima de uma virada histórica em suas operações. Até o fim deste ano, está prevista a privatização do Porto de Santos, maior complexo da América Latina e rota de entrada e saída de 29% de todas as transações comerciais do Brasil. Com a conversão da gestão estatal em uma operação 100% privada, o que se pretende é fazer frente à necessidade bilionária de investimentos que precisam ancorar nos terminais de Santos, para suportar seu crescimento que já está contratado.
O leilão do porto de Santos prevê exigências que terão de ser atendidas por seu novo gestor e que alcançam a cifra de R$ 18,5 bilhões em projetos de melhorias, ampliação e manutenção. Paralelamente a esses compromissos obrigatórios, o interessado precisa apresentar o lance pela outorga do porto, critério que teve seu valor inicial fixado em R$ 1,38 bilhão. Esse é o parâmetro de desempate. Vencerá o leilão aquele que apresentar a maior proposta de outorga, taxa paga ao governo federal pela administração do terminal.
Com a licitação, a atual gestora do porto, a estatal Santos Port Authority (SPA, antiga Codesp), será integralmente privatizada e não retornará para a União. Já as áreas físicas do porto serão concedidas a esta mesma empresa pelo prazo de 35 anos, sem prorrogação.
Expectativa é de forte disputa
No Ministério de Infraestrutura, a expectativa é de que haja forte disputa pelo negócio, a maior privatização depois do governo Jair Bolsonaro depois da Eletrobras. O governo já apresentou a proposta a investidores de países como Estados Unidos, França, Emirados Árabes e Itália, além de ter realizado audiência pública no Brasil.
“É um momento único para o transporte portuário. Vamos dar um passo novo e com segurança para promover os portos, com participação do setor privado, que vai garantir a expansão logística nacional”, diz Rafael Furtado, secretário substituto de fomento, planejamento e parcerias do Minfra.
O edital do porto acabou de passar por uma etapa de audiências públicas, para colher sugestões. A proposta está em fase final de elaboração para ser encaminhada nas próximas semanas ao Tribunal de Contas da União, que pode solicitar mais ajustes e alterações.
A expectativa atual é a de que, até outubro, a corte já tenha concluído seu parecer favorável ao leilão e que o edital definitivo seja publicado. Como o prazo para realização da oferta costuma ser de 90 dias, pode ser que o leilão ocorra, efetivamente, só no início do ano que vem, embora o governo corra para fazer a licitação ainda neste ano.
Manutenção e obras
Dos R$ 18,5 bilhões de investimentos obrigatórios previstos, R$ 14,1 bilhões serão aplicados em manutenções durante os 35 anos da concessão. Outros R$ 3 bilhões estão reservados para a construção de um canal submerso para ligar Santos e Guarujá (leia texto abaixo). Os demais R$ 1,4 bilhão devem ser injetados em obras como novos acessos rodoviários, modernização portuária e aprofundamento do canal de Santos.
Os terminais do porto estão espalhados por um canal de 25 quilômetros de extensão. Hoje, esse canal tem profundidade de 15 metros. Toda estrutura terá de ser rebaixada para 16 metros numa primeira etapa, chegando a 17 metros em um segundo momento.
Os terminais de Santos têm autorização para receber embarcações com até 366 metros de comprimento, enquanto grandes portos no mundo já estão aptos a ancorar navios de 400 metros. Ao aprofundar seu canal, este novo calado vai permitir o acesso dessas embarcações, apesar destas não terem Santos como rota atual.
'Teste para operação privada
Os investimentos de R$ 18,55 bilhões incluídos como exigência do leilão não são os únicos previstos para Santos. Fernando Biral, presidente da estatal SPA, diz que outros R$ 11,2 bilhões já estão em curso, boa parte como resultado de 11 áreas dos terminais em fase de arrendamento para empresas. “Ao todo, são cerca de R$ 30 bilhões de recursos que entrarão no porto de Santos”, comenta o executivo.
Nos últimos dez anos, enquanto a média de crescimento do PIB foi de 1,1% ao ano, o porto de Santos registrou aumento médio anual de 4,9% e tem movimentado cerca de 150 milhões de toneladas por ano, próximo de sua capacidade plena. A projeção conservadora é de que esse volume chegue a 200 milhões de toneladas até 2030.
A decisão de privatizar o porto de Santos não reflete apenas uma visão sobre políticas públicas que defendam a redução do papel do Estado no setor. Na prática, esta é hoje a única forma encontrada para que o principal hub marítimo do hemisfério Sul faça frente à expansão que terá nos próximos 40 anos, já que não há dinheiro público que consiga assumir essa conta.
Para se ter uma ideia, o plano de expansão logística nacional aponta que o Brasil precisaria investir cerca de R$ 75 bilhões por ano, até 2035, para fazer frente às necessidades do País em todo setor de transporte. Neste ano, porém, a União conta com cerca de R$ 6,5 bilhões para todo setor logístico federal. “É menos de 10% do que seria necessário. É evidente que não há a menor possibilidade de o governo realizar o investimento necessário”, comenta Furtado.
Com a privatização de Santos, a SPA passará a ser uma empresa privada, fiscalizada pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). Futuras modificações e expansões em Santos terão de ser submetidas ao crivo do plano nacional de logística, em acordo com o que prevê o Ministério da Infraestrutura.
A expansão interna já está garantida. O porto tinha uma área total de 8,5 quilômetros quadrados, mas esta foi expandida recentemente em mais 7,4 km², diz Fernando Biral, da SPA. “A ideia foi incorporar essa nova área para ser explorada pelo novo concessionário privado. O porto é um vetor de desenvolvimento e isso será fundamental para os novos investimentos que virão”, comenta.
A SPA (antiga Codesp), que sempre deficitária e registro um prejuízo de R$ 470 milhões em 2018, passou para o azul no ano seguinte e fechou o ano passado com lucro de R$ 330 milhões. Neste ano, a expectativa é faturar R$ 500 milhões.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.